Boatos sobre o 11 de setembro são tidos como verdade no Oriente Médio

Michael Slackman, no Cairo, Egito

Sete anos depois, muita gente ainda acredita que Osama Bin Laden e a Al Qaeda não teriam sido os únicos responsáveis pelos ataques de 11 de setembro de 2001, e que os Estados Unidos e Israel estariam necessariamente envolvidos no planejamento dos atentados, ou mesmo na execução destes.

Esta não é uma conclusão baseada em pesquisas científicas de opinião, mas é o que se ouve rotineiramente em conversas em toda a região - em um shopping center em Dubai, um parque em Argel, em um café em Riad e em todo o Cairo.

"Veja, eu não acredito naquilo que os seus governos e a sua mídia dizem. Simplesmente não pode ser verdade", diz Ahmed Issab, 26, um engenheiro sírio que mora e trabalha nos Emirados Árabes Unidos. "Por que eles diriam a verdade? Eu acho que os Estados Unidos organizaram isto de forma que tivessem uma desculpa para invadir o Iraque devido ao petróleo do país".

Para os norte-americanos é fácil desprezar tal raciocínio como bizarro. Mas com isso eles não se dão conta de algo que as pessoas nesta parte do mundo acreditam que os líderes ocidentais, e especialmente os de Washington, precisam entender: que a persistência de tais idéias representa o primeiro fracasso na luta contra o terrorismo - a incapacidade de convencer as pessoas daqui de que os Estados Unidos estão, de fato, travando uma guerra contra o terrorismo, e não uma cruzada contra os muçulmanos.

"Os Estados Unidos deveriam estar preocupados porque, para dizer as pessoas que existe um mal concreto, é necessário que elas possam acreditar nisso a fim de ajudar", afirma Mushairy al-Thaidy, um colunista do jornal saudita "Asharq al Awsat", de circulação regional. "Caso contrário, a capacidade de combater o terrorismo ficará prejudicada. Este não é o tipo de batalha possível de se travar por conta própria; trata-se de uma batalha coletiva".

Existem muitos motivos pelos quais as pessoas daqui dizem acreditar que os ataques de 11 de setembro foram parte de uma conspiração contra os muçulmanos. Alguns desses motivos não têm nenhum vínculo com as ações ocidentais. Outros têm tudo a ver com estas ações.

Via de regra as pessoas afirmam que simplesmente não acreditam que um grupo de árabes - como elas próprias - poderia ter executado uma operação de tanto sucesso contra uma superpotência como os Estados Unidos. Mas elas também dizem que a política externa de Washington após o 11 de setembro provou que os Estados Unidos e Israel estavam por detrás dos ataques, especialmente com a invasão do Iraque.

"Talvez os executores da operação tenham sido árabes, mas e quanto aos cérebros? De forma nenhuma", diz Mohammed Ibrahim, 36, dono de uma loja de roupas no bairro de Bulaq, no Cairo. "Aquilo foi organizado por outras pessoas, nos Estados Unidos ou pelos israelenses".

Os boatos que disseminaram-se logo após o 11 de setembro foram transmitidos com tanta freqüência que ninguém mais sabe onde ou quando eles foram ouvidos pela primeira vez. A esta altura, todos ouviram tais boatos com tanta freqüência, até mesmo na televisão, que as pessoas acham que eles têm que ser verdadeiros.

O mais comum desses boatos é o de que no dia dos atentados os judeus não foram trabalhar no World Trade Center. Quando lhes perguntam como os judeus poderiam ter sido avisados para ficar em casa, ou como eles teriam evitado que o segredo fosse descoberto pelos companheiros de trabalho, as pessoas repelem as indagações porque elas vão de encontro à convicção arraigada de que os judeus estão por detrás dos problemas delas e de que os judeus ocidentais farão tudo o que puderem para proteger Israel.

"Por que foi que no 11 de setembro os judeus não foram trabalhar no edifício?", questiona Ahmed Saied, 25, que trabalha como motorista de um advogado no Cairo. "Todo mundo sabe disso. Eu vi essa história na televisão e muita gente comenta o fato".

Zein al-Abdin, um eletricista de 42 anos, que bebe chá e fuma cigarros baratos da marca Cleopatra em Al Shahat, um café em Bulaq, fica cada vez mais agitado ao expor o que acha que ocorreu no 11 de setembro.

"O que importa é que nós achamos que aquilo foi um ataque contra os árabes", diz ele, referindo-s aos aviões de passageiros que chocaram-se contra os alvos norte-americanos. "Por que foi que eles nunca capturaram Bin Laden? Como é que eles podem desconhecer o paradeiro de Bin Laden quando sabem de tudo? Eles não o pegam porque não foi Bin Laden que fez aquilo. O que aconteceu no Iraque confirma que os atentados não tiveram nada a ver com Bin Laden ou a Al Qaeda. Eles agiram contra os árabes e contra o islamismo para atender aos interesses de Israel. Este é o motivo".

Existe um motivo pelo qual tanta gente aqui fala com tanta certeza - e sem embaraço - a respeito de os Estados Unidos terem atacado a si próprios a fim de terem um motivo para perseguir os árabes e ajudar Israel. É um reflexo da forma como eles enxergam os líderes de governo, não apenas em Washington, mas também aqui, no Egito, em em todo o Oriente Médio. Eles não acreditam nos governantes. A mídia estatal também é vista com desconfiança. Portanto, essas pessoas acreditam que, se o governo está insistindo que Bin Laden está por trás dos atentados, ele na verdade não deve ter nada a ver com os ataques.

"Mubarak diz o que quer que os norte-americanos desejem que ele diga, e é claro que ele está mentindo por orientação de Washington", afirma Ibrahim, referindo-se a Hosni Mubarak, o presidente do Egito.

Especialistas daqui dizem que os norte-americanos deveriam entender melhor a região, e que, para isso, precisariam simplesmente ouvir o que o povo está dizendo - e tentar entender o por que disso - ao invés de sentirem-se ofendidos. A versão mais disseminada aqui é a de que mesmo antes dos ataques de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos não eram um mediador justo no conflito israelense-palestino, e que a seguir os norte-americanos capitalizaram os ataques para fortalecer Israel e minar o mundo árabe muçulmano.

Aos olhos do povo, a maior de todas as provas foi a invasão do Iraque. Tentar convencer os habitantes daqui de que não se tratou de uma ação para a conquista do petróleo ou de uma guerra contra os muçulmanos é como procurar convencer os norte-americanos de que os motivos foram exatamente estes, e de que o 11 de setembro foi o primeiro passo.

"Isso é o resultado da desconfiança generalizada, e da crença entre árabes e muçulmanos de que os Estados Unidos nutrem um preconceito contra eles", diz Wahid Abdel Meguid, vice-diretor do Centro Al Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos, financiado pelo governo e o principal instituto de pesquisas do país. "Assim, eles jamais acham que os Estados Unidos estejam bem-intencionados, e sentem sempre que tudo que os norte-americanos fazem tem um motivo oculto".

Hisham Abbas, 22, estuda turismo na Universidade do Cairo e espera um dia ganhar a vida trabalhando com estrangeiros. Mas ele não pensa duas vezes ao ser indagado sobre o 11 de setembro. Abbas diz que não faz sentido a idéia de que Bin Laden pudesse ter desfechado tal ataque a partir do Afeganistão. E, assim como todos os outros entrevistados, ele viu os acontecimentos dos últimos sete anos como uma prova de que tudo consistiu em um plano dos Estados Unidos para perseguir os muçulmanos.

"Há muitos árabes que odeiam os Estados Unidos, mas isso seria demais", diz Abbas, enquanto manuseia o seu telefone celular. "E veja o que aconteceu depois daquilo. Os norte-americanos invadiram dois países muçulmanos. Eles usaram o 11 de setembro como desculpa e entraram no Iraque. Eles mataram Saddam Hussein e torturaram pessoas. Como é que podemos confiar neles?".

Nadim Audi contribuiu para esta matéria.
Tradução: UOL


[The New York Times, 09/09/2008]
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