As mil faces do herói...

As mil faces do herói: o mito, o cavaleiro e suas razões androcêntricas nas HQ’s de aventura

Estudo sobre a representação de heróis nas histórias em quadrinhos e suas fontes em mitos e romances. Interpretação das imagens, sua historicidade, suas propriedades de promoção de modelos e ideologias. Embora nossas bases estejam distribuídas por vários teóricos que transitam entre a Literatura, a Antropologia, a Semiótica e a História, focalizamos a maior parte de nossas perspectivas em 5 deles: Edgar Morin, quanto às estruturas narrativas típicas de mitos implícitas em relatos biográficos de ícones culturais; Umberto Eco, na análise do esquema iterativo das HQ’s e sua associação com o discurso que reitera os padrões que veremos em Morin; Pierre Bourdieu, em suas concepções acerca dos sistemas de dominação masculina, no que associamos sua visão a respeito do androcentrismo com freqüentes modos de representação de personagens masculinos e femininos em quadrinhos de aventura. Por fim, Norbert Elias e Georges Duby, no que diz respeito às considerações sobre a literatura cortês e sua participação em um processo civilizador.

Carlos Manoel de Hollanda Cavalcanti - Mestrando - UFRJ/PPGHC
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Eu quero votar pra Presidente!

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Sobre a efemeridade das mídias

Umberto Eco

No encerramento da Escola para Livreiros Umberto e Elisabetta Mauri, em Veneza, falamos, entre outras coisas, sobre a efemeridade dos suportes da informação. Foram suportes da informação escrita a estela egípcia, a tábua de argila, o papiro, o pergaminho e, evidentemente, o livro impresso. Este último, até agora, demonstrou que sobrevive bem por 500 anos, mas só quando se trata de livros feitos de papel de trapos. A partir de meados do século 19 passou-se ao papel de polpa de madeira, e parece que este tem uma vida máxima de 70 anos (com efeito, basta consultar jornais ou livros dos anos 1940 para ver como muitos deles se desfazem ao ser folheados). Portanto, há muito tempo se realizam congressos e se estudam meios diferentes para salvar todos os livros que abarrotam nossas bibliotecas: um dos que têm maior êxito (mas quase impossível de realizar para todos os livros existentes) é escanear todas as páginas e copiá-las para um suporte eletrônico.
Mas aqui surge outro problema: todos os suportes para a transmissão e conservação de informações, da foto ao filme cinematográfico, do disco à memória USB que usamos no computador, são mais perecíveis que o livro. Isso fica muito claro com alguns deles: nas velhas fitas cassete, pouco tempo depois a fita se enrolava toda, tentávamos desemaranhá-la enfiando um lápis no carretel, geralmente com resultado nulo; as fitas de vídeo perdem as cores e a definição com facilidade, e se as usarmos para estudar, rebobinando-as e avançando com frequência, danificam-se ainda mais cedo.
Tivemos tempo suficiente para ver quanto podia durar um disco de vinil sem ficar riscado demais, mas não para verificar quanto dura um CD-ROM, que, saudado como a invenção que substituiria o livro, saiu rapidamente do mercado porque podíamos acessar online os mesmos conteúdos por um custo muito menor. Não sabemos quanto vai durar um filme em DVD, sabemos somente que às vezes começa a nos dar problemas quando o vemos muito. E igualmente não tivemos tempo material para experimentar quanto poderiam durar os discos flexíveis de computador: antes de podermos descobrir foram substituídos pelos CDs, e estes pelos discos regraváveis, e estes pelos "pen drives".
Com o desaparecimento dos diversos suportes também desapareceram os computadores capazes de lê-los (creio que ninguém mais tem em casa um computador com leitor de disco flexível), e se alguém não copiou no suporte sucessivo tudo o que tinha no anterior (e assim por diante, supostamente durante toda a vida, a cada dois ou três anos), o perdeu irremediavelmente (a menos que conserve no sótão uma dúzia de computadores obsoletos, um para cada suporte desaparecido).
Portanto, sabemos que todos os suportes mecânicos, elétricos e eletrônicos são rapidamente perecíveis, ou não sabemos quanto duram e provavelmente nunca chegaremos a saber. Enfim, basta um pico de tensão, um raio no jardim ou qualquer outro acontecimento muito mais banal para desmagnetizar uma memória. Se houvesse um apagão bastante longo não poderíamos usar nenhuma memória eletrônica.
Mesmo tendo gravado em meu computador todo o "Quixote", não o poderia ler à luz de uma vela, em uma rede, em um barco, na banheira, enquanto um livro me permite fazê-lo nas piores condições. E se o computador ou o e-book caírem do quinto andar estarei matematicamente seguro de que perdi tudo, enquanto se cair um livro no máximo se desencadernará completamente.
Os suportes modernos parecem criados mais para a difusão da informação do que para sua conservação. O livro, por sua vez, foi o principal instrumento da difusão (pense no papel que desempenhou a Bíblia impressa na Reforma protestante), mas ao mesmo tempo também da conservação.
É possível que dentro de alguns séculos a única forma de ter notícias sobre o passado, quando todos os suportes eletrônicos tiverem sido desmagnetizados, continue sendo um belo incunábulo. E, dentre os livros modernos, os únicos sobreviventes serão os feitos de papel de alta qualidade, ou os feitos de papel livre de ácidos, que muitas editoras hoje oferecem.
Não sou um conservador reacionário. Em um disco rígido portátil de 250 gigabytes gravei as maiores obras-primas da literatura universal e da história da filosofia: é muito mais cômodo encontrar no disco rígido em poucos segundos uma frase de Dante ou da "Summa Theologica" do que levantar-se e ir buscar um volume pesado em estantes muito altas. Mas estou feliz porque esses livros continuam em minha biblioteca, uma garantia da memória para quando os instrumentos eletrônicos entrarem em pane.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Umberto Eco é professor de semiótica, crítico literário e romancista. Entre seus principais livros estão "O Nome da Rosa" e o "Pêndulo de Foucault".

[The New York Times, 26/04/2009]

Histórias...

EUA: A Guerra de Secessão
Um conflito armado entre idealistas defensores dos negros do Norte e abomináveis escravocratas do Sul? A Guerra de Secessão foi um movimento muito mais amplo e complexo do que se costuma afirmar e suas motivações estiveram mais centradas em uma disputa econômica entre elites regionais e em uma luta por poder político, do que em uma questão sobre a abolição ou não da escravidão negra nos Estados Unidos. [clique na imagem para ler]

Brasil: Cadê a História que estava aqui?
No Brasil, país ambíguo por natureza, a construção das crenças coletivas se faz por caminhos sinuosos. O resultado, muitas vezes, está longe da verdade...
Lorenzo Aldé
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J.

Documentário, Brasil, 2008, 14 min.
Direção: Eduardo Escorel
Este curta faz parte do projeto Marco Universal. O documentário relata, passo a passo, as tentativas frustradas de obter proteção, feitas por um líder comunitário no Rio de Janeiro. O vídeo tem a forma de um relatório, recorrendo a documentos como registro de ocorrência, notícias de jornal, fotografias, cartas, e-mails e uma gravação apenas de áudio em que é entrevistado por um repórter. São seqüências separadas por palavras-chaves de cada passo dado pelo personagem em busca de proteção em forma de legenda sobre fundo preto: pede, presta, entra, volta, registra, recebe, informa, envia etc. [clique na imagem para assistir]
A máquina do Estado e as desigualdades cidadãs
A cada dia temos mais claras demonstrações de que a ditadura brasileira deixou o espaço político e jurídico minado com bombas de efeito retardado que, ainda hoje, fazem estragos! Não só não foi uma “ditabranda”, como cumpriu o seu papel com brilhantismo: assegurou que uns sejam mais iguais que outros [
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Beatriz Bissio

O estuprador e o algoz
Tão assustadora quanto o abuso sexual cometido contra uma garota de nove anos, por seu padrasto, é a posição da igreja católica, ao transferir à vítima a culpa pelo “pecado” do aborto. O irracionalismo religioso, que enxergamos nas "teocracias " do Oriente Médio, está bem perto de nós [
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Sílvia Ferabolli, Cláudio César Dutra de Souza

Cúpula das Américas: uma década de desencontros entre EUA e América Latina

Fernando Gualdoni
Em MadriA era Bush foi nefasta para as relações entre a América Latina e os EUA. A 5ª Cúpula das Américas que começou nesta sexta-feira (17) em Trinidad e Tobago é a mais importante desde 1994, quando o ex-presidente Bill Clinton lançou a ideia do Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca) com o objetivo de reduzir drasticamente a pobreza. Depois daquele primeiro encontro em Miami, 15 anos atrás, o clima das relações regionais foi bastante propício para forjar acordos econômicos. Mas as crises econômicas, primeiro a de 1995 no México e depois a de 1998 - que fez tremer Brasil e Argentina -, derrubaram todos os esforços de integração. Além disso, a intransigência e certa prepotência americana na hora de negociar acordos comerciais também não ajudaram muito a consolidar a ideia da Alca.

Em 2001, na cúpula de Quebec, os dirigentes americanos conseguiram seu maior sucesso: introduziram a cláusula democrática, que prevê que qualquer alteração ou ruptura da ordem democrática em um país é um "obstáculo insuperável" para sua participação nos fóruns hemisféricos. A cláusula foi adiante apesar das reservas do presidente venezuelano, Hugo Chávez, e hoje é o principal obstáculo para que um país como Cuba possa se incorporar normalmente às organizações americanas. Após a cúpula canadense, em abril de 2001, houve uma tentativa de Washington de reanimar a Alca, mas tudo ficou enterrado depois dos atentados de 11 de Setembro.

O ataque concentrou toda a atenção dos EUA na Ásia Central e no Oriente Médio, e a Casa Branca fechou a porta de trás, a que dá para a América Latina. O único interesse de Washington nesse momento se concentrou na tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, uma histórica região contrabandista e lugar de residência de uma numerosa comunidade muçulmana. Os EUA chegaram a pensar em uma operação militar na área, mas depois de se comprovar que dali se enviava dinheiro para o Hizbollah no Líbano, e pouco mais, a missão foi descartada.

Para a cúpula de 2005 na cidade argentina de Mar del Plata, os EUA já tinham se dado conta de que haviam perdido muito peso na região. A Venezuela já havia conseguido forjar uma frente antiamericana que mais tarde afiançaria graças às alianças com Bolívia e Nicarágua e a simpatia de Equador e Argentina. Entre 2003 e 2008, os anos de bonança econômica para toda a América do Sul devido aos altos preços das matérias-primas, o Brasil aproveitou para se consolidar como potência regional diante da total falta de atenção de Washington.

Hoje Obama sabe que nenhuma iniciativa que puser em ação para melhorar as relações com a América Latina poderá prosperar sem a aprovação de Brasília. Ao final da era Bush, o único aliado político irredutível dos EUA que restava no hemisfério era a Colômbia.

Para reverter a década de desencontros, Obama deu dois passos chaves: primeiro convidou o presidente Lula para a Casa Branca para selar um pacto com o todo-poderoso Brasil. Depois adotou a guerra que seu homólogo mexicano, Felipe Calderón, trava contra o narcotráfico. Outros países latino-americanos, como Colômbia, Peru, Chile e Uruguai, não têm uma atitude agressiva contra os EUA. Pelo contrário, ou têm acordos de livre comércio com Washington ou pretendem tê-los.

O governo da Argentina precisa definir que vínculo quer com Obama. O caso "valisegate" - o escândalo de financiamento da campanha da presidente Cristina Kirchner com dinheiro de Chávez, no qual interveio a promotoria de Miami - provocou mais de um atrito entre os dois países, e embora as relações sejam cordiais continuam frias.

Com o governo equatoriano de Rafael Correa a situação é parecida. Apesar de o presidente ter insistido que as relações são "excelentes", houve acusações de ingerência por parte de Quito e a expulsão de algum diplomata americano. Além disso, o fechamento da base de Manta e o litígio pela expulsão da petroleira Occidental ampliaram o distanciamento.

O que sem dúvida será duro para Obama é reconciliar seu país com a Bolívia e a Venezuela. Inicialmente a relação com Morales não foi ruim. Mas pouco a pouco foi se deteriorando e se rompeu em fevereiro de 2008, quando a rede ABC informou que 30 cooperantes americanos tinham sido instruídos pela embaixada para coletar informação sobre os venezuelanos e cubanos enviados por seus governos para trabalhar na Bolívia.

Em meados desse ano, o embaixador Phillip Goldberg foi expulso depois de se reunir com os governadores de oposição a Morales em plena crise política. Chávez imediatamente apoiou Morales e declarou "persona non grata" o embaixador Patrick Duddy. Além disso, denunciou o enésimo plano da CIA para derrubá-lo. O governo Bush incitou o confronto evocando o acesso da Bolívia ao Pacto Comercial Andino e repatriando cem cooperantes.

As relações entre Washington e Caracas nunca foram excelentes, mas depois do golpe contra Chávez em abril de 2002, no qual o presidente viu a "mão negra" americana, foram de mal a pior. Chávez não parou de atacar os EUA. Com a chegada de Obama, foi primeiramente cético - "Não tenho ilusões, é o império americano". No entanto, depois de sua recente viagem a Teerã, o presidente venezuelano abrandou: "Estou disposto a apertar o botão de reinício".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

[El Pais, 18/04/2009]

Adeus, homo economicus

Anatole Kaletsky*

Adam Smith foi um economista? John Maynard Keynes, David Ricardo ou Joseph Schumpeter também foram? Segundo os padrões dos economistas acadêmicos de hoje, a resposta é não. Smith, Ricardo e Keynes não produziram modelos matemáticos. O trabalho deles carecia do "rigor analítico" e da lógica dedutiva precisa exigida pela economia moderna. E nenhum deles produziu uma previsão econométrica (apesar de Keynes e Schumpeter terem sido matemáticos competentes). Se qualquer um destes gigantes da economia se candidatasse hoje a um emprego em uma universidade, eles seriam rejeitados.

Se você acha que estou exagerando, pergunte a si mesmo que papel os economistas acadêmicos exerceram na atual crise. Quantos tiveram algo útil a dizer a respeito do maior colapso em 70 anos? A verdade é ainda pior do que esta questão retórica sugere: não apenas os economistas, como profissão, fracassaram em conduzir o mundo para fora da crise, como também foram os principais responsáveis por nos conduzir até ela.

Um estudo do Fundo Monetário Internacional a respeito de 72 recessões em 63 países, apontou que em apenas quatro destes casos os economistas previram uma recessão três meses ou mais antes do evento. A economia deveria reconhecer que, como disciplina, ela não envolve previsão, mas sim explicação e descrição. Smith, Ricardo e Schumpeter explicaram por que as economias de mercado geralmente funcionam surpreendentemente bem, frequentemente desafiando as expectativas do bom senso. Outros explicaram por que as economias capitalistas podem sofrer colapsos sérios e então o que precisa ser feito. Esta foi a missão de Keynes, Milton Friedman, Walter Bagehot e, ao seu modo, Karl Marx. E os economistas que nos botaram nesta confusão viam a si mesmos como autoproclamados sucessores destes grandes teóricos.

Os economistas acadêmicos até o momento escaparam de grande parte da culpa pela crise. A revolta popular se concentrou nos culpados mais óbvios: banqueiros gananciosos, políticos mercenários, reguladores sonolentos ou financiadores hipotecários imprudentes. Mas por que estes bodes expiatórios se comportaram do modo como se comportaram? A resposta foi belamente apresentada por Keynes há 70 anos: "Homens práticos, que acreditavam estar isentos de qualquer influência intelectual, geralmente são escravos de algum economista defunto. Loucos com autoridade, que escutam vozes no ar, estão destilando o frenesi de algum escriba acadêmico de alguns anos atrás".

O que os "loucos com autoridade" ouviram desta vez foi o distante eco de um debate entre os economistas acadêmicos, que teve início nos anos 70, sobre investidores "racionais" e mercados "eficientes". Este debate teve início tendo como fundo o choque do petróleo e a estagflação, tendo sido em sua época um passo adiante no nosso entendimento sobre o controle da inflação. Mas, no final, foi um debate vencido pelo lado que na verdade estava errado. E usando como alicerce os dois adjetivos tranquilizadores, racional e eficiente, os economistas acadêmicos vitoriosos ergueram uma enorme estrutura de modelos teóricos, prescrições regulatórias e simulações de computador que permitiram aos políticos e banqueiros práticos construírem torres de dívidas podres e políticas ruins.

O escândalo da economia moderna é que estas duas falsas teorias -que não são apenas enganadoras, mas altamente ideológicas- se tornaram altamente predominantes na academia (especialmente nas escolas de administração e negócios), no governo e nos próprios mercados. Apesar de nenhuma teoria ser totalmente dominante nos principais departamentos de economia, ambas são encontradas em todos os livros importantes e fizeram parte importante da ortodoxia "neokeynesiana", que foi o resultado final da crise que se seguiu após a tentativa de Milton Friedman de derrubar Keynes. O resultado é que estas duas teorias têm mais poder do que seus seguidores percebem.

A hipótese das expectativas racionais -ou REH, na sigla em inglês- desenvolvida nos anos 1970 por dois economistas de Chicago, Robert Lucas e Thomas Sargent, afirmava que a economia de mercado deveria ser vista como um sistema mecânico regido, como um sistema físico, por leis econômicas bem definidas que são imutáveis e universalmente entendidas. Apesar de sua implausibilidade óbvia e dos ataques persistentes a ela, especialmente por parte da esquerda, a REH continuou sendo altamente estimada pelas universidades e entidades financiadoras como a base mais aceitável para uma pesquisa acadêmica séria.

Por que esta teoria abstrata se tornou tão poderosa e por que sua influência é ainda tão danosa? A resposta está na interação da economia com a ideologia política. A REH foi desenvolvida originalmente como um complemento e entrincheiramento da revolução contra a economia keynesiana. A REH apresentava um mundo no qual as políticas keynesianas nunca poderiam funcionar, porque todo mundo passou a acreditar na doutrina monetarista de que os gastos do governo no final geram inflação -e como todos acreditavam nisso, eles seguiam suas expectativas racionais aumentando imediatamente preços e salários, impedindo assim até mesmo um breve aumento do emprego.

Apesar de nunca ter existido uma evidência empírica da REH, a teoria tomou de assalto a economia acadêmica por dois motivos. Primeiro, a suposição de leis claramente definidas e expectativas idênticas eram facilmente traduzíveis em modelos matemáticos simples -e esta facilidade matemática logo passou a ser vista como um objetivo acadêmico mais importante do que uma correspondência com a realidade ou um poder de previsão. Em outras palavras, se a teoria não se encaixa nos fatos, ignore os fatos. Como o mundo pôde permitir que posturas altamente não científicas dominassem uma disciplina acadêmica séria, especialmente uma tão importante para a sociedade como a economia?

A resposta está, ironicamente, no fato da economia ser muito importante politicamente: o segundo grande mérito das expectativas racionais está em sua conclusão ideológica chave -a de que políticas deliberadas de estímulo macroeconômico por parte de governos e bancos centrais nunca conseguiriam reduzir o desemprego e apenas exacerbariam a inflação. O fato do ativismo do governo estar condenado ao fracasso era exatamente o que os políticos, banqueiros centrais e líderes empresariais dos períodos Thatcher e Reagan queriam ouvir.

Para piorar ainda mais as coisas, as expectativas racionais gradualmente se fundiram à teoria relacionada dos mercados financeiros "eficientes". Ela estava ganhando terreno nos anos 70, por motivos semelhantes -uma combinação atrativa de facilidade matemática e ideológica. Esta era a hipótese do mercado eficiente, ou EMH (na sigla em inglês), desenvolvida por outro grupo de acadêmicos influenciados por Chicago, que receberam prêmios Nobel enquanto suas teorias começavam a esgarçar na costura. A EMH, como as expectativas racionais, presumia que havia um modelo bem definido de comportamento econômico e que os investidores racionais o seguiriam; mas acrescentava outro passo.

Na versão forte da teoria, os mercados financeiros, por estarem lotados de uma infinidade de agentes racionais e competitivos, sempre estabeleceriam preços que refletiriam toda a informação disponível da forma mais precisa possível. Nenhum investidor poderia "derrotar o mercado" -muito menos um regulador poderia esperar aprimorar os sinais do mercado ao substituir seu próprio julgamento. Mas se os preços refletiam perfeitamente toda a informação, por que os preços flutuavam constantemente e o que estes movimentos significavam? A EMH cortou este nó górdio com uma simples suposição: os movimentos do mercado são flutuações aleatórias insignificantes, que equivalem a jogar uma moeda ou ao "caminhar aleatório" de um marinheiro bêbado.

Esta visão que parece anárquica era na verdade bastante tranqüilizadora. Se os movimentos do mercado eram realmente como atirar uma moeda, eles poderiam ser totalmente irregulares a curto prazo, mas muito previsíveis a longo prazo, como os lucros de um cassino. Especificamente, as analogias do atirar de moedas e caminhar de bêbado mostravam implicitamente o que os estatísticos chamam de distribuição de probabilidade gaussiana ou "normal". E a matemática das distribuições gaussianas (mais o que é chamado de "lei dos grandes números") revela que perturbações catastróficas são altamente improváveis de ocorrer. Por exemplo, se as flutuações diárias de Wall Street seguissem uma distribuição normal, é possível "provar" que as chances de um movimento maior do que 25% em um dia são de cerca de uma em 3 trilhões. O fato de que pelo menos quatro eventos financeiros estatisticamente "impossíveis" ocorreram em apenas 20 anos -nos mercados de ações em 1987, nos títulos em 1994, nas moedas em 1998 e nos mercados de crédito em 2008- significaria, segundo os padrões normais, o fim da EMH. Mas como no caso das expectativas racionais, os fatos foram rejeitados enquanto a teoria continuou reinando suprema, apesar de que com alguma recalibração.

E o que deve ser feito? Há duas opções. Ou a economia deve ser abandonada como disciplina acadêmica, se transformando em um mero anexo à coleção de estatísticas industriais e sociais, ou deve passar por uma revolução intelectual. Os programas de pesquisa dominantes devem ser reconhecidos como fracassos, e os economistas devem reabrir seu campo a uma série de abordagens especulativas, extraindo entendimentos da história, psicologia e sociologia, assim como aplicar os métodos de historiadores, teóricos políticos e até mesmo jornalistas, e não apenas os de matemáticos e estatísticos. Ao mesmo tempo, eles devem limitar suas ambições a explicar apenas o que as ferramentas da economia nos permitem entender.

Todas essas abordagens heterodoxas apresentam dois elementos em comum -elas rejeitam as ortodoxias ideológicas das expectativas racionais e mercados eficientes, assim como a exigência metodológica igualmente opressora de que entendimentos econômicos devem ser expressados em formulas matemáticas.

Smith, Keynes, Schumpeter e todos os outros economistas realmente grandes estavam interessados na realidade econômica. Eles estudaram o comportamento humano real em mercados que de fato existiam. Seus entendimentos vieram de conhecimento histórico, intuição psicológica e entendimento político. Suas ferramentas analíticas eram palavras, não matemática. Eles persuadiam com eloquência, não apenas com lógica formal. É possível ver por que muitos dos acadêmicos de hoje temem um retorno da economia às suas raízes.

O establishment acadêmico resiste duramente a essas mudanças de paradigma, como demonstrou Thomas Kuhn, o historiador da ciência que cunhou a frase nos anos 60. Essa mudança não será fácil, apesar do fracasso óbvio da economia acadêmica. Mas agora os economistas enfrentam uma escolha clara: abraçar novas ideias ou devolver suas verbas públicas e prêmios Nobel, juntamente com os bônus dos banqueiros que vocês justificaram e inspiraram.

* Anatole Kaletsky é o economista chefe da GaveKal Research.
Tradução: George El Khouri Andolfato

[The Prospect, 18/04/2009]