Arquiteto diz ter descoberto como pirâmide foi construída

STEVE CONNOR, DO "INDEPENDENT"
Um arquiteto francês diz acreditar ter resolvido um dos problemas mais intrigantes da história da construção: como os egípcios puderam erguer a pirâmide de Quéops sem usar rodas ou instrumentos de ferro.
Jean-Pierre Houdin apresentará hoje em Paris um modelo, resultado de oito anos de trabalho, mostrando como a Grande Pirâmide de Gizé foi construída, de dentro para fora.
Ele proporá que os antigos egípcios carregaram os blocos de rocha por uma rampa interna que formava um túnel em espiral dentro do muro externo do edifício -um túnel que deve existir ainda hoje, afirma Houdin.
Com a ajuda de um programa de computador especial, Houdin simulou em 3D como os blocos de calcário e granito que formam a pirâmide foram assentados. Segundo ele, a construção de dentro para fora explicaria por que a Câmara do Rei (que abriga o túmulo do faraó) tinha cinco tetos de granito em vez de um.
A primeira tentativa de explicar a construção da Grande Pirâmide foi feita pelo historiador grego Heródoto, que viajou para o Egito em 450 a.C. (2.000 anos após a construção do monumento). Ele propôs que as pedras foram içadas com o uso de uma série de máquinas, algo de que os engenheiros duvidam nos dias de hoje.
Outra teoria dá conta de que uma rampa externa gigante foi construída para levar os blocos até o alto. Mas, segundo cálculos feitos, essa rampa precisaria de tanto material quanto a pirâmide.
A idéia da rampa interna também levanta o problema do entulho. Mas Houdin diz que esse entulho foi deixado dentro da pirâmide.
Uma evidência crucial a apoiar a idéia da rampa interna, afirma, é um teste de microgravidade feito por franceses em 1986, que mostra uma estrutura menos densa em forma de espiral dentro da pirâmide.


[Folha de São Paulo, 30/03/2007]

A barbárie brasileira

UM DOS constrangimentos a que o brasileiro é submetido atualmente no exterior consiste em tentar explicar o estado da violência no país. Você entra no táxi e, conversa vai, conversa vem, o motorista indaga: "O Brasil é muito perigoso, não é?". Você está em um jantar, cercado de executivos, e, de repente, um deles lhe pergunta: "Como fazem os brasileiros para viverem em meio a tanta violência?".
As TVs e a imprensa também adoram as notícias da barbárie brasileira. A prestigiosa revista "Vanity Fair", em seu número de abril, que já está nas bancas nos EUA, publica uma reportagem de 11 páginas sobre o PCC e o crime em São Paulo. A matéria mereceu até mesmo uma chamada de capa, que diz: "Como uma gangue de prisioneiros tomou conta de uma cidade de 20 milhões de habitantes".
Dentro, o título da reportagem é "Cidade do Medo", e o texto descreve meticulosamente os ataques do PCC em São Paulo no ano passado, explica como surgiu a organização criminosa, descreve como a pobreza é vasta e alienante no país e como o Estado se revela fraco diante do crime.
Durante décadas, o Brasil representou, aos olhos estrangeiros, um país alegre, musical e até utópico.
Esse Brasil já não existe mais. A fantasia do país idílico e feliz deu lugar à imagem de uma terra violenta, criminal, corrupta e à beira do desgoverno. A nova imagem que os estrangeiros fazem do Brasil está obviamente mais próxima de nossa realidade social. É também mais condizente com o modo como os próprios brasileiros agora representam o país para si mesmos, entre o cinismo e a má consciência.
Desde tempos coloniais, o Brasil foi marcado por uma multidão de utopias -de políticas a antropológicas, de culturais a religiosas. Todas elas foram contrariadas, uma a uma, demonstrando que nossa imaginação era muito mais fértil do que nossa vontade política.
Hoje, esvaziados de utopias, decepcionados com a realidade adversa, desconfiados dos ideais políticos, os brasileiros também já não se interessam por nada que possa levá-los coletivamente a construir uma civilização forte e respeitável.
Aqui e agora, todo ideal soa hipócrita ou ridículo. Todo discurso parece inócuo ou oportunista. Ninguém confia em mais ninguém. As instituições públicas estão desacreditadas. As elites políticas, econômicas e sociais servem mais como contra-exemplos do que como modelos. A vulgaridade se dissemina por todas as classes. O arrivismo virou regra social. A inteligência mergulha na desrazão. O trabalho perdeu a dignidade. As ruas são perigosas. As casas estão ameaçadas.
A vida foi rebaixada ao seu estado mais rudimentar: o medo permanente.
É isto um país? É isto um povo?

ALCINO LEITE NETO


[Folha de São Paulo, 29/03/2007]

'Brasil está destinado a ficar estacionado'

Desencantado com o País, príncipe francês dizia em 1838 que aqui só a natureza prestava

Lilia Moritz Schwarcz

O Brasil sempre significou um bom espelho invertido a atazanar a imaginação dos franceses. Enquanto 'eles' tinham muita 'civilização e pouca natureza', 'nós' éramos o local da 'grande flora, mas da falta de civilização'. Por isso, a narrativa de viajantes setecentistas, como Léris, Gandavo ou Thevet, acabou por germinar todo um imaginário acerca dessa colônia perdida na América; uma espécie de paraíso perdido. Tal simbologia tenderia a se arraigar ainda mais quando Rousseau, pautado na leitura dos viajantes do 16 e no ensaio de Montaigne, chamado Os Canibais - verdadeiro tratado elogioso sobre a maneira como os tupinambás faziam a guerra -, cunhou a idéia do 'bom selvagem'. É fato que esse era um modelo e não uma realidade empírica, mas a imagem romântica colou-se ao nosso território, associado à idéia do sublime e do maravilhoso. Sublime era a natureza, porém estranhos eram seus homens - nus e de costumes bizarros, ou ainda misturados em suas crenças e raças.

A vida dos franceses nesses trópicos americanos não seria, porém, fácil. Com a vinda de d. João ao Brasil em 1808 e com a declaração de guerra à França no mesmo ano, os compatriotas de Napoleão passaram a ser tratados como inimigos e sofreram, eles sim, um bloqueio transcontinental. A situação só começaria a mudar a partir de meados de 1814, quando, após o Congresso de Viena, o príncipe regente português anunciava que as relações entre os países seriam, a partir de então, 'amigáveis'; o que permitiria o livre trânsito de franceses em Portugal e também na rica colônia americana. Data desse momento o começo das novas relações oficiais franco-brasileiras, assim como se aceleram as trocas culturais, econômicas, científicas e comerciais entre as duas nações.

Entrariam no Brasil de d. João, de Pedro I e, sobretudo, de Pedro II viajantes, naturalistas e curiosos franceses que pareciam querer redescobrir um país descoberto há muito tempo. Para os franceses, que conheciam a América espanhola por intermédio de Humboldt mas desconheciam o Brasil, esse era o país mais 'exótico' do continente - com canibais, serpentes e natureza singular - mas, paradoxalmente, o mais 'civilizado': uma monarquia cercada de repúblicas.

É imbuído do desejo de entender uma nação tão particular que aporta no Rio, em 1838, o terceiro filho do rei-cidadão Luis Filipe de Orleáns; monarca que governou a França de 1830 a 1848. François Ferdinand Filipe Louis Marie d'Orleáns, futuro príncipe de Joinville, era na época um jovem tenente da marinha, e com apenas 20 anos mal sabia que, no futuro, iria se casar com a irmã de Pedro II, d. Francisca, que nesse momento achou desengonçada e com dentes horríveis.

Esta primeira viagem ao Brasil foi talvez aquela que causou maior impacto ao príncipe. François esteve no País de 1º de janeiro de 1838 a 22 de fevereiro e relatou as impressões da estada em um livro que está sendo lançado pela José Olympio, Diário de um Príncipe no Rio de Janeiro (84 págs., R$ 19). Nele, legou um relato espirituoso e escrachado, correspondente à atitude do viajante que traz sempre em sua mala os próprios costumes e traduz tudo a partir de suas lentes culturais, que o fazem oscilar entre o deslumbramento, o choque, a imaginação e a rejeição.

E no caso de nosso príncipe não seria diferente. No ano em que François desembarca, vivíamos a maior das crises regenciais. Feijó se demitira em 1837 e fora substituído interinamente por Pedro de Araújo Lima, que não dera conta de debelar as rebeliões do período: a Cabanagem no Pará, a Farroupilha no Rio Grande do Sul, a Revolta dos Malês na Bahia, além da Sabinada que eclodira em novembro daquele ano na mesma província. Não sem uma ponta de sarcasmo, Luis François refere-se a d. Pedro como 'o pequeno imperador', lamenta o estado de 'abandono e isolamento' do futuro monarca e de suas irmãs, assim como aposta que o País não ficaria integrado e coeso por muito tempo. 'As províncias comerciais do Pará, de Pernambuco e da Bahia vão separar-se, a do Rio Grande do Sul já se libertou e Santa Catarina seguirá seu exemplo. Restará então um império composto do Rio, São Paulo, Goiás e Matocross (sic) e alguns lugares cujo nome esqueci.'

François conhecia pouco mas julgava muito. Já na chegada, começa a debochar do jovem d. Pedro dizendo que, desde que havia sido anunciada sua visita, o futuro rei todo dia alertava as irmãs: 'Vistam-se depressa que o príncipe vem aí.' E a recepção do nobre francês não seria das melhores: um calor insuportável, 'negros pavorosos de raça cafre ou moçambicanos horrorosos', ameaças de tempestade e nuvens de mosquitos por todos os lados. A visita ao Paço de São Cristóvão também não o impressionou. Ao contrário, quando François desembarcou diante do Palácio Imperial, 'uma multidão enorme aí se comprimia, pois nesse país não há nenhum traço de polícia'. Isso sem esquecer da nota de escárnio diante do fraco cerimonial da corte: 'Uma carruagem atrelada a seis mulas escolta uma cavalaria cujas trombetas produzem sons como de chifres de boi.'

E era chegada a hora de encontrar a família imperial: 'Finalmente percebo uma figura miudinha, da altura da minha perna, empertigada, emproada: é sua Majestade!!' O pior é que a conversa não andava - 'nada o divertia'. Até o regente, percebendo o constrangimento, tentou puxar conversa com o príncipe francês. Parece que ninguém se entendia: o príncipe brasileiro falava sem parar, o francês respondia 'a torto e a direito' e nada descontraía o ambiente. 'Voltei como vim', escreveu o príncipe de Joinville, desfazendo do jovem rei, segundo ele, louro e miúdo como a família austríaca, 'mas com modos de um homem de 40 anos'. A visita a d. Pedro terminara: 'Logo me retirei cheio de piedade por essas pobres crianças abandonadas a quem dão apenas aquilo que é preciso para viver e que são perseguidas por uma nuvem de gente sem moral que deixa o país que lhes foi confiado dividir-se e cair em uma rápida decadência.'

Os costumes também faziam rir a esse representante da Monarquia de Julho. No baile que recebeu, estranhou as roupas da nobreza, e as danças lhe deram uma 'vontade inextinguível de rir'. O jeito foi ficar sentado no sofá, 'morrendo de tédio'. O príncipe só dava sinais de apreciar, mesmo, a vegetação local; na verdade, sua grande missão nessa viagem. Partiu com muita bagagem ('porque num país como este é preciso levar tudo'), viu matas admiráveis cheias de pássaro, o Pão de Açúcar, o Corcovado, atravessou rios de água fresca e montanhas arborizadas, além de ter praticado a caça; atividade dileta dos Orléans. O Brasil lhe parecia, sob esse ângulo, 'um país virgem', o que só fazia aumentar sua saudade da França.

Também não deixou de reparar 'na diferença de cores de toda essa gente'. O império americano era mesmo um 'laboratório de raças' aos olhos desses viajantes. Entabulou conversa com alguns proprietários de terra a respeito do tratamento, castigo e governo dos escravos e, aí sim, desfez dessa 'pobre civilização'. Por essas e por outras é que asseverou que 'o País, por causa de sua situação, população e personalidade dos habitantes, estava destinado a ficar estacionado por muito tempo'. Tudo lhe parecia indecente: estradas, roupas, os negros que dançavam com lascívia, a escravidão e a preguiça. E a conclusão era uma só: 'A viagem foi interessante, me fez conhecer bem o Brasil, mas me desencantei ...'

No entanto, até que a viagem trouxe rendimentos pessoais. François saiu do Brasil levando um leão que crescia e a cada dia ficava mais dócil; um gato tigrado; um sarigueia com seus filhotes no bolso; gazelas; macacos; papagaios; coelhos; uma preguiça e seu filho: 'O animal mais incrível que jamais vi.' Nosso príncipe virou feriado, ganhou medalha com a imagem de um índio ao centro e mereceu uma chuva de fogos de artifício. Essa gente era provinciana, mas sabia se divertir de vez em quando. François até que aproveitou de seu baile de despedida e dançou até as 4 e meia da madrugada, quando d. Pedro já se encontrava, faz tempo, embaixo dos lençóis: 'Dançamos um cotilon no meio do qual soltamos o leão dancei até cair morto.' Não obstante, partiu dizendo que daqui só a natureza prestava.

Mas vida de príncipe também é sujeita a reviravoltas. François acabaria por mudar de opinião, ao menos com relação à (outrora desengonçada) irmã de d. Pedro: d. Chica virou beldade. Por sinal, ele teve de esperar muito para que seu pedido de casamento fosse atendido e voltou mais duas vezes ao País. O bom humor do príncipe também seria afetado pelo destino da 'Monarquia de Julho' e pela destituição da dinastia de Luís Felipe de Orléans, que terminou seus dias com a revolução de 1848, a qual levou toda a sua família ao exílio na Inglaterra. O mundo andava convulsionado e também a civilização dos franceses não era lá essa coisas.

Diário de um Príncipe no Rio de Janeiro é um monumento ao bom humor. Pena que nessa edição faltem os desenhos, aquarelas, estampas e caricaturas que compõem o documento original; que pode ser encontrado no Museu de Petrópolis. Ninguém vê com olhos livres e sem filtros e nosso príncipe estava coberto deles. Mas esse diário não só testemunha a crise que viveu o Império durante as regências, como é original na sua escrita divertida; oposta aos documentos sisudos, que sempre legam uma visão enaltecedora e oficial. Nesse caso, tudo é palco para o deboche.

No fundo, nosso príncipe gozador só pretendia passar pelo Brasil: seu destino sempre foi a França. Diz ele na despedida: 'Velas ao vento, presentes a serem distribuídos e um baile à francesa a me esperar, assim como a honra nacional e nossa bela família.' Quem diria que todo esse cenário iria desabar em menos de 10 anos. Castelos são muitas vezes cenários frágeis.

Lilia Moritz Schwarcz é professora titular do Departamento de Antropologia e autora, entre outros, de As Barbas do Imperador

[O Estado de São Paulo, 25/03/2007]

Nos passos de Hannah Arendt

Uma das mais importantes pensadoras políticas do século 20 é tema de biografia

Ubiratan Brasil

Descobrir toda a complexidade de Hannah Arendt - a meta da escritora francesa Laure Adler, ao iniciar a pesquisa sobre a vida e obra de uma das mais importantes pensadoras da política do século passado, era estimulante. Autora de uma biografia de Marguerite Duras, Laure não buscava apenas o retrato da intelectual, da filósofa, da escritora, mas principalmente desvendar a mulher que conhecia o sofrimento, a mulher obrigada a procurar seu lugar, tanto intelectual como físico, entre a língua alemã e a cultura judaica, entre uma paixão proibida (pelo filósofo Heidegger) e a rotina de esposa, entre o amor pela filosofia e o gosto pela política.

Hannah acreditava ter vindo ao mundo para cumprir uma sina. 'Em nome de suas próprias idéias, ela escolheu, durante 60 anos, questionar-se sobre o que produz o mal, sobre o que vai mal: as violências políticas, os totalitarismos, o conflito israelense-palestino, o crescimento incessante da sociedade de consumo, o aumento do número de refugiados no mundo, a redução do espaço público, a degradação de nossas liberdades', comenta Laure, que não só se debruçou sobra a obra de Hannah Arendt (1906-1975) como visitou os lugares onde ela viveu, pesquisa que resultou no livro Nos Passos de Hannah Arendt (644 páginas, R$ 75), que a editora Record pretende lançar na sexta-feira.

Trata-se de um relato sobre os anos de formação da pensadora, marcados pelo contato com dois mestres (Martin Heidegger e Karl Jaspers), além da construção de sua obra, caracterizada pelo esforço de explicar os acontecimentos políticos de sua época, especialmente o aparecimento dos regimes totalitários. 'Ela sempre confessou suas incertezas, assumiu sua violência - pronta para ser insultada - e reivindicou seu lugar de pessoa politicamente incorreta, sabendo que pagaria caro por isso.'

Laure visitou lugares onde Hannah viveu e, graças à confiança de Jerome Kohn, herdeiro testamentário da filósofa, teve acesso à sua correspondência inédita e numerosos trabalhos. Descobriu, assim, uma mulher para quem a filosofia não era saber tudo, mas saber de si mesmo como princípio de acesso à liberdade. 'Seu talento mais evidente era a atividade do espírito', comenta Laure, em conversa com o Estado por e-mail.

Teórica política do momento pós-totalitário, Hannah exibia capacidades intelectuais que a impediam de desfrutar a existência. Para ela, pensar era um dom. Era como se um raio lhe caísse na cabeça, na visão de Laure. 'Ela se alongava, inclinava a cabeça para trás, abria os olhos, mirava o teto e colocava os braços embaixo da cabeça. Isso podia acontecer-lhe em qualquer lugar. Seus amigos sabiam. E se retiravam na ponta dos pés para não atrapalhá-la.'

[O Estado de São Paulo, 25/03/2007]

O mito e o horror da luta

Filmes de Clint Eastwood, que estão em cartaz em SP, retratam sem caricaturas episódios centrais da Segunda Guerra

BORIS FAUSTO, COLUNISTA DA FOLHA

Iwo Jima, uma inóspita ilha sulfurosa, foi palco de um dos episódios mais dramáticos no oceano Pacífico durante a Segunda Guerra. As forças dos EUA invadiram a ilha, situada a cerca de 1.200 quilômetros de Tóquio, em fevereiro de 1945. A luta durou 36 dias, resultando na morte de 22 mil japoneses e 7.000 americanos.
Se a ilha tinha importância estratégica tanto para americanos quanto para japoneses, com relação aos últimos tinha também valor simbólico, pois era a primeira vez que o inimigo tentava ocupar solo japonês.
[O diretor] Clint Eastwood narra essa história em dois excelentes filmes : "Flags of Our Fathers" (Bandeiras de Nossos Pais), "traduzido" para o português como "A Conquista da Honra", e "Cartas de Iwo Jima". Seria um engano ver nos filmes, respectivamente, a versão americana e a japonesa do episódio.
Eastwood supera esse limite, recusando as versões maniqueístas, de um lado e de outro. Os temas centrais de "A Conquista da Honra" são o mito construído a partir da vitória americana e o contraste entre os homens que participam da guerra e os homens e mulheres que ficam nos EUA, a milhas e milhas de distância do sangrento conflito.

Construção do mito
O mito nasce do hasteamento da bandeira americana por um punhado de soldados, no topo do monte Suribachi, transformado no episódio final de um ataque vitorioso. Na realidade, o gesto ocorreu no início dos combates, a tal ponto que alguns dos participantes seriam mortos na luta, nos dias seguintes.
No afã de revelar os alicerces da construção do mito, Eastwood intercala as cenas da ilha, em que predomina o tom cinzento, com as imagens coloridas da viagem dos sobreviventes através dos EUA, com o objetivo de vender bônus para o esforço de guerra, num momento em que o ânimo da população arrefecia.
O contraste é gritante entre o patriotismo ingênuo e manipulável do povo, a esperteza dos comunicadores, a exibição de políticos e homens de negócios e as figuras daqueles rapazes, traumatizados pela guerra.
Em meio à euforia da comemoração, revela-se o preconceito contra um dos combatentes -o índio americano Ira Hayes, impedido de entrar num bar e objeto de gracinhas ("Usou a machadinha para matar japoneses?").

Outro olhar
Se "A Conquista da Honra" é um ótimo filme, "Cartas de Iwo Jima" realiza um feito sem paralelo, ao rever o mesmo episódio com os "olhos do outro" -os olhos dos japoneses que, privados de comida e de água, vítimas da diarréia, lutaram até o fim ou se autodespedaçaram.
Falado em japonês, com excelentes atores japoneses, o filme imerge tão profundamente na visão do outro que, quando os soldados americanos surgem, já nas últimas cenas da batalha, suas figuras e falas soam dissonantes. Nessa altura, são eles o "outro".
Como comparar o comportamento dos americanos e japoneses, tomados os traços mais gerais, diante da guerra? Em poucas palavras, os americanos são mais terra-a-terra, menos embalados por grandes ideais -a luta pela democracia, por exemplo- e mais pela determinação de tentar sair vivo de uma batalha em que o fogo de um inimigo invisível parte de brechas cavadas na pedra.

Indivíduos
Os japoneses são mais ideológicos, lutando até a morte em nome do imperador, em defesa do solo sagrado do Japão, contra um inimigo que supõem grosseiro e covarde.
Mas, quando Eastwood se detém em figuras individuais, dois traços são ressaltados, como diz Ian Buruma, em "Eastwood"s War" (A guerra de Eastwood, na "New York Review of Books" de 15/2/2007). O pragmatismo não equivale a cinismo, como mostra o comportamento heróico de "Doc" Bradley ("Doutor" Bradley), o enfermeiro que, correndo todos os riscos, vai em busca de feridos agonizantes.
A sacralidade, por sua vez, não impede a existência de soldados que se recusam a considerar a convocação para a guerra uma honra, os quais, em condições de extremo sofrimento, tratam de salvar a pele, rendendo-se.
O personagem-símbolo é aí Saigo, o jovem padeiro que deixou para trás a jovem mulher grávida, desastrado no manejo das armas, perseguido por um oficial sádico. Ou ainda Shimizu -protagonista de uma das poucas cenas em que Eastwood tira os olhos da ilha-, jovem sensível que se recusa a matar o cão de uma família, adorado pelas crianças.

Sem caricatura
Saigo se salva, mas Shimizu morre com um farrapo de pano branco nas mãos, vítima desarmada da estupidez de um soldado americano a cuja guarda ele foi confiado.
Enquanto em "A Conquista da Honra" Eastwood se preocupa essencialmente com os recrutas, em "Cartas de Iwo Jima" ele elabora também personagens como o general Kuribayashi, magnificamente interpretado por Ken Watanabe.
Admirador dos EUA, tendo sido adido militar do Japão em Washington, o general lamenta o conflito e é visto com suspeita por seus pares. Apesar disso, cumpre o dever até o fim, honrando seu pai samurai e seus outros ancestrais, como diz em carta escrita à mulher.
Depois das barbaridades de Nagasaki e de Hiroshima, da ocupação do território japonês, a gradativa inserção do Japão no mundo democrático representou um êxito inegável, admitidos todos os percalços políticos, que não são exclusivos daquele país.
Que um cineasta americano tenha conseguido realizar um filme em que "o outro" surge sem caricatura, sem preconceito, em toda sua dimensão, é um feito artístico de raro valor. Os aplausos que "Cartas de Iwo Jima" recebeu no Japão são infinitamente mais importantes do que a estatueta do Oscar.

BORIS FAUSTO é historiador e presidente do Conselho Acadêmico do Gacint (Grupo de Conjuntura Internacional) da USP. É autor de, entre outras obras, "A Revolução de 30" (Companhia das Letras).

[Folha de São Paulo, 25/03/2007]

Para historiador, Iluminismo define Europa

Robert Darnton, da Universidade Princeton, diz que uso crítico da razão molda a identidade européia

FÁBIO CHIOSSI, DA REDAÇÃO

Observando que não existem fronteiras geográficas que possam determinar o que é a Europa, o historiador americano Robert Darnton afirma que a identidade européia é dada pelo legado de três "movimentos pan-europeus".
São eles o Império Romano, o cristianismo e o Iluminismo.
"O Império Romano espalhou uma regra política coletiva em todo o continente", diz Darnton, 67. O direito romano é a base da instituições jurídicas da Europa. O cristianismo propiciou "um componente cultural e religioso", afirma o professor de história européia da Universidade Princeton.
Quanto ao Iluminismo, especialidade de Darnton e tema de várias de suas obras, como "Os Dentes Falsos de George Washington" (Companhia das Letras), ele acha "crucial". Movimento filosófico dos séculos 17 e 18, caracterizou-se, grosso modo, pela valorização do uso da razão pelo homem na compreensão e transformação do mundo e de si mesmo. Politicamente, o movimento inspirou os artífices da Revolução Francesa (1789) e da Revolução Americana (1775-1783).
"A identidade da Europa está constantemente sendo questionada, constantemente evoluindo; e agora, 50 anos depois do Tratado de Roma, o ingrediente principal dessa identidade é o Iluminismo."
O historiador acredita que a essência do Iluminismo, o uso crítico da razão, ajudará na definição da identidade da Europa nos processos de enfrentamento de diversos problemas.
A definição dessa identidade passa pela necessidade de resgatar o espírito iluminista.
Como exemplo da força do espírito iluminista na definição dessa identidade, o professor fala da intolerância religiosa. Assim como os outros dois componentes centrais da identidade européia, o cristianismo se transformou ao longo do tempo. Mas o que o preocupa é parte dessa herança cultural se manifestar na intolerância.
"Eu ainda vejo um perigo na identidade cristã da Europa, na subjugação dos não-cristãos".
Lembrando que a intolerância religiosa é, de certa forma, explorada por partidos de direita em vários países europeus, Darnton diz que a volta à herança iluminista é também uma ferramenta para lidar com a intolerância, não por meio da extração de uma fórmula simples a partir de preceitos do passado, mas entendendo "como um compromisso profundo com a tolerância é algo que fala a eles [os europeus]".
"Minha esperança", diz Darnton, arriscando um palpite, "é que os europeus mergulhem na sua cultura para se tornarem mais europeus".

[Folha de São Paulo, 25/03/2007]

União Européia completa 50 anos e se esforça para ser mais que uma zona de livre mercado

BRUXELAS, 24 Mar 2007 (AFP) - Mesmo contando entre seus maiores êxitos a derrubada de barreiras comerciais e o estabelecimento de uma moeda comum entre seus membros, a União Européia vem se esforçando para rebater as críticas de que seria apenas uma "zona de livre comércio sem alma".

Reuters
Chirac e Angela Merkel, em Berlim, para comemoração dos 50 anos da UE
Funcionando no princípio como um grupo de produtores de aço e carvão, a UE passou por sucessivos tratados que aproximaram as economias européias e as lançaram num ciclo de prosperidade sem precedentes.

Para celebrar o 50º aniversário do Tratado de Roma, uma reunião em Berlim congregará os líderes europeus neste domingo

O poder econômico do bloco europeu é teoricamente gigantesco. As mais importantes decisões em matéria de comércio internacional e questões anti-truste são atualmente discutidas na UE.


Mas o ponto mais alto das conquistas econômicas alcançadas pela União Européia é o Euro: a moeda comum já foi introduzida em 13 dos 27 países membros. E, à exceção da Grã-Bretanha e da Dinamarca, que optaram por não aderir, todos os outros devem passar para o Euro se quiserem permanecer no bloco no futuro.

"A união monetária e econômica e a criação da zona do Euro - uma economia única com uma moeda única em nível continental - foi, e ainda é, um esforço formidável", disse o diretor do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet.

"Contrariando todos os céticos - acadêmicos, jornalistas e outros observadores - que previam um grande fracasso, a União Européia tem sido um grande sucesso", acrescentou.

Desde que a Eslovênia se tornou o 13º membro a adotar a moeda única, no dia 1º de janeiro, o Euro agora circula nos bolsos de 317 milhões de pessoas, pouco mais que a população dos Estados Unidos.

E a nova moeda vem gradualmente ganhando força e credibilidade junto aos investidores e parlamentares.

Após cair bruscamente para irrisório 0.82 dólar em outubro de 2000, o Euro se valorizou aos poucos, alcançando e passando de 1,30 dólar. Nesse meio tempo, bancos centrais vêm tranformando suas reservas para a moeda única européia, trazendo perdas para o dólar.

Na ocasião da assinatura do Tratado de Maastrich, que lançou as bases para a criação do Euro em 1993, o então presidente da Comissão Européia, Jacques Delors, alertou que "sem uma iniciativa política, a Europa corre o risco de se tornar uma zona de livre comércio sem alma".

Uma constituição européia deveria servir como resposta a esse tipo de crítica, conferindo um perfil político definido ao bloco, com um presidente à frente das decisões e aumentando seu poder em áreas cruciais como a política externa.

Entretanto, o destino da constituição única tornou-se incerto depois que os eleitores franceses e holandeses rejeitaram a proposta em seus respectivos referendos nacionais em maio e junho de 2005, lançando a UE na pior crise de sua história.

Na França, a campanha contra a constituição afirmava na época que a proposta de uma legislação unificada para o bloco seria uma armadilha que levaria a uma liberalização ainda maior do mercado que poderia implodir o modelo social do país.

Desde então, o Euro e a constituição européia têm sofrido duras críticas na campanha à presidência da França, vindas tanto da esquerda quanto da direita, com candidatos alegando que o Banco Central, com sede em Frankfurt, não dá a devida atenção à questões como emprego e crescimento.

Apesar do sucesso na construção de um enorme mercado europeu, por onde circulam produtos, mão-de-obra e capital, algumas falhas permanecem, entre os temores de que o protecionismo na Europa resurgiria com força no último ano, uma vez que França, Itália, Polônia e Espanha vêm fazendo de tudo para impedir eventuais invasões de empresas de outros países membros.

Enquanto isso, muitas das nações "pioneiras" no bloco vêm suprimindo gradual e relutantemente as restrições sobre trabalhadores oriundos dos 12 países mais pobres, nações que faziam parte da cortina de ferro comunista e que se uniram à UE em maio de 2004.

Cinqüenta anos após sua criação, o mercado único da União Européia ainda sofre o peso de algumas barreiras e seus líderes estão preocupados, pois elas não poderão ser derrubadas sem que haja uma perda de apoio por parte da opinião pública.

"Aqui na Comissão Européia estamos particularmente receosos a respeito da aceitação política de uma abertura ainda maior do mercado", declarou Joaquin Almunia, Comissário para Assuntos Econômicos e Monetários da UE.

"A menos que um esforço seja feito no sentido de melhorar a aceitação do público em relação à abertura e liberalização do mercado, será bem difícil colocar em prática essas reformas", concluiu o Comissário.


[UOL - Últimas Notícias]

Reino Unido celebra 200 anos da abolição

"Mea culpa" pela escravidão se sobrepõe à comemoração de lei que acabou com comércio de escravos, em março de 1807

Pedidos de perdão são polêmicos; para historiador, refletem mudanças que imigração provocou na sociedade britânica

Reuters
A "porta sem volta" do antigo entreposto na ilha de Gorée (Senegal), de onde escravos vieram para o Brasil, o Caribe e os EUA

MARCO AURÉLIO CANÔNICO, DE LONDRES

É com uma série de passeatas e polêmicas públicas que o Reino Unido celebra amanhã [25 de março] os 200 anos da abolição do comércio de escravos, buscando expurgar sua culpa na exploração dos africanos.
Aprovada pelo Parlamento em 25 de março de 1807, a lei que proibiu o comércio escravista está ganhando sua primeira celebração de destaque tanto por parte da sociedade quanto do governo, que investiu 20 milhões de libras (cerca de R$ 80 milhões) em eventos.
"Há 50 anos ninguém lembrou da data, mas hoje há muita discussão sobre ela", diz à Folha o professor John Oldfield, da Universidade de Southampton, um dos principais estudiosos britânicos da escravidão. "É um reflexo da mudança da sociedade britânica, que hoje é muito mais multicultural e etnicamente diversa e, por isso, demanda essa resposta."
Prova dessa demanda é o clima de "mea culpa" que predomina no país devido ao papel dos britânicos nos mais de quatro séculos de escravidão e que se sobrepõe às celebrações pelos atos libertadores.
O premiê Tony Blair expressou "profundo pesar", em novembro passado, pela liderança britânica no tráfico transatlântico de escravos. Na semana passada, voltou a se manifestar afirmando "sentir muito" pelos atos da nação no passado.
Já o prefeito de Londres, Ken Livingstone, foi mais enfático.
"Convido todos os representantes da sociedade a juntarem-se a mim para desculparmo-nos publicamente pelo papel que Londres teve nesse crime monstruoso", escreveu na última quarta, no jornal "The Guardian".
"Foram a resistência negra e o desenvolvimento econômico que destruíram a escravidão, não a filantropia branca", completou o prefeito, que também lembrou os pedidos de desculpas formais feitos pela Igreja Anglicana e pela cidade de Liverpool, outro importante centro do comércio escravista.
"No passado, quando falávamos de escravidão era para destacar o papel que tivemos em acabar com ela, para que pudéssemos nos sentir bem com nós mesmos", afirma Oldfield.
Para marcar a data, inúmeros museus -como o British Museum e o Victoria and Albert- estão sediando exposições que cobrem diversos aspectos da escravidão, desde seu impacto na África e no Caribe até os legados do sistema hoje.
O clima de reflexão sobre a culpa dos britânicos não é unânime, no entanto. Muitos grupos acham que a data devia ser lembrada pelas ações de abolicionistas como William Wilberforce (1759 -1833), parlamentar considerado o principal impulsionador do movimento.
"Recebi muitas mensagens reclamando que a data está sendo vista de modo a fazer os brancos sentirem culpa, em vez de celebrar a liberdade", diz o professor Oldfield.

Ruas renomeadas
Em Serra Leoa, ex-colônia britânica na África, o bicentenário está sendo marcado pela mudança dos nomes das principais ruas da capital, Freetown. Os nomes de personagens britânicos serão substituídos pelos de africanos do movimento abolicionista.
Projeto semelhante foi aventado na britânica Liverpool, uma das cidades que mais lucrou com o comércio escravista. A substituição dos nomes de ruas pelos de abolicionistas foi abortada, no entanto, após esbarrar em um nome clássico: a Penny Lane, tornada célebre na canção homônima, dos Beatles.
A rua foi nomeada em homenagem a James Penny, um dos maiores comerciantes de escravos do Reino Unido.


No Brasil, historiadores também divergem
FLÁVIA MARREIRO
, DA REDAÇÃO

Historiadores brasileiros ouvidos pela Folha usam lentes diferentes para analisar o bicententário do veto britânico ao tráfico negreiro e a onda de pedidos de desculpas dos europeus pela escravidão.
Para Manolo Florentino, historiador da UFRJ, os pedidos de perdão como o do prefeito de Londres, Ken Livingstone, são um exercício do politicamente correto, uma demonstração do que chama de "fascismo bem comportado".
Autor de "Tráfico, Cativeiro e Liberdade" (ed. Civilização Brasileira), Florentino diz que a "escravidão é uma tragédia da humanidade". "Quero ver é os africanos pedirem desculpas por também terem vendido escravos aos ingleses", diz.
Para Luiz Felipe de Alencastro, professor na Universidade de Paris-Sorbonne, os pedidos de desculpa estão "na ordem do dia" -antes dos ingleses foram os EUA e até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu desculpas em visita à África.
"É um absurdo esse argumento de que já havia escravidão na África. O Ocidente provocou a maior migração forçada da história da humanidade", afirma Alencastro, que escreve no blog sequenciasparisienses. blogspot.com.
O que explica a nova onda de pedidos de perdão, diz o professor, é a ascensão política de afrodescendentes na Europa. "O debate sobre a indenização às vítimas do Holocausto, que vinha desde 1945, mas foi relançado com o fim da Cortina de Ferro, criou evidentemente um espaço mais propício sobre a questão da reparação moral dos negros", agrega.
No caso brasileiro, e à luz da emergência do movimento negro, o tema das desculpas, do papel dos africanos no tráfico e das mazelas da escravidão vem coalhado pelo debate inflamado sobre racismo e cotas.
Por causa disso, Flávio Gomes, também historiador da UFRJ, diz valorizar o esforço de não "infantilizar" o papel da África no tráfico, mas argumenta: "O debate deve buscar, sem cinismos ou falsas polêmicas, possibilidades interpretativas e novos significados de temáticas e datas".

O bicentenário e o Brasil
Para além das divergências sobre o trato contemporâneo da questão, Alencastro e Florentino concordam que a decisão inglesa de interromper o tráfico -e a forma como o Brasil reagiu e resistiu a ela por quase meio século- foi crucial na formação do país.
De 1807 até 1850 -quando o Brasil proibiu de fato o tráfico de negros-, há um período longo em que a diplomacia da Colônia e do Império negociaram frente à pressão inglesa. Uma lei de 1831 tornou o tráfico ilegal -mas "só para os ingleses verem", daí o ditado.
"O fantástico é que Brasil consegue resistir por quase meio século à proibição da Inglaterra, a maior potência da época. Isso só se explica pela força política que [envolvidos com o tráfico] tinham", diz Florentino. Para Alencastro, foi essa permissividade quanto ao tráfico que forjou a unidade brasileira: o Império não teria força para exigir que as oligarquias abrissem mão do negócio mais lucrativo da época.


[Folha de São Paulo, 24/03/2007]

Na TV Aberta: 12 a 18 de março...

capitaes-de-abril01t.jpg (4470 bytes)Cultura, sexta, 22:40 - Capitães de Abril
Em Portugal, na noite de 24 de abril de 1974, o rádio passou a tocar uma canção proibida, "Grândola". Era um sinal... Ao som da voz do poeta José Afonso, as tropas avançaram, marchando sobre Lisboa para pôr um fim à ditadura salazarista. Reconstituição vívida, comovente, com linguagem direta, de um momento histórico que iria mudar o destino do país.
[Capitães de Abril. Portugal, 2000. Dir.: Maria de Medeiros. 125 min.]

História e TV: Amazônia - de Galvez a Chico Mendes


Os 100 anos por trás da nova superprodução da televisão brasileira. Uma saga de aventureirismo, exploração predatória e degradação ambiental. E o desafio de promover o desenvolvimento sustentável - Por Ana Lúcia Araújo

A história do Acre é marcada pela personalidade dos líderes que lu-taram por sua independência e desenvolvimento. Lembrados com entusiasmo pela população, foram eles o espanhol Luiz Galvez, que presidiu a República do Acre, o libertador Plácido de Castro e o líder camponês Chico Mendes. No início deste ano, a discussão sobre como o estado foi anexado ao Brasil voltou à tona. Recém-eleito presidente da Bolívia, Evo Morales relembrou então um antigo folclore político para incendiar a crise do gás. Ao discursar para chefes de Estado reunidos em Viena, o boliviano afirmou que o Brasil havia comprado o Acre de seu país pelo preço de um cavalo. Exagero, é claro. O Acre estava longe de valer um cavalo quando foi anexado ao Brasil. Valia ouro, o "ouro negro", como era chamada a borracha. A épica história da formação do estado, suas lendas e seu folclore devem voltar ao debate público em 2 de janeiro, quando a TV Globo prevê levar ao ar a minissérie Amazônia, de Galvez a Chico Mendes, da acreana Glória Perez, com direção geral de Marcos Schechtman.

Até 1880, o Acre estava ocupado praticamente apenas por índios. Para a Bolívia, proprietária do espaço, ali era uma terra não-descoberta. Segundo o diretor do Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural do Estado do Acre, Marcos Vinicius Neves, a área servia de refúgio para todos. Havia brasileiros fugidos da seca no Ceará, da Guerra de Canudos, da Revolução Federalista do Rio Grande do Sul e até sírios e libaneses que escaparam dos turcos.

Adaptar-se à vida da floresta, porém, talvez fosse o maior desafio para quem se aventurava a trabalhar nos seringais. Nas palavras de Euclides da Cunha, que esteve na Amazônia em 1905, quando o Acre já havia sido anexado ao Brasil, "o homem, ali, ainda é um intruso impertinente. Chegou sem ser esperado nem querido - quando a natureza ainda estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão". Em À margem da história, o escritor relata como, apesar do descaso do governo em relação aos colonizadores, mas graças à ajuda do dinheiro estrangeiro, as cidades acrea-nas conseguiram prosperar. Segundo Cunha, era para a Amazônia que o governo despachava doentes e flagelados, sem oferecer suporte médico que lhes permitisse enfrentar o "inferno verde". Malária e beribéri eram algumas das temidas doenças autóctones.

"Não se conhece (...) exemplo mais golpeante de emigração tão anárquica (...) e tão violadora dos mais vulgares preceitos de aclimamento, quanto o da que desde 1879 até hoje atirou, em sucessivas levas, as populações sertanejas do território entre a Paraíba e o Ceará para aquele recanto da Amazônia. (...) Em menos de 30 anos, o estado, que era uma vaga expressão geográfica, (...) definiu-se de chofre, avantajando-se aos primeiros pontos do nosso desenvolvimento econômico. A sua capital - uma cidade de dez anos sobre uma tapera de dois séculos - transformou-se na metrópole da maior navegação fluvial da América do Sul. E naquele extremo sudoeste amazônico, (...) cem mil sertanejos (...) apareciam inesperadamente e repatriavam-se de um modo original e heróico: dilatando a pátria até aos terrenos novos que tinham desvendado."

Quando as disputas pela posse do território começaram, por volta de 1880, a Amazônia era responsável por 100% da borracha usada pela nascente indústria automobilística internacional. As seringueiras localizadas no Acre produziam 60% desse total. "O monopólio brasileiro só teve fim em 1909, quando a Inglaterra começou a produzir borracha na Malásia", explica Gerson Rodrigues de Albuquerque, coordenador do Centro de Documentação e Informação Histórica da Ufac (Universidade Federal do Acre).

O garimpo vegetal crescente e a investida dos brasileiros despertaram a Bolívia para uma nova perda de território. Em 1883, o Chile vencera a Guerra do Pacífico - um conflito de quatro anos - e ficou com a área de extração de salitre do Atacama, fechando a saída que a Bolívia tinha para o oceano.

Arquivo IBGE

Transporte de borracha, 1949.

Rebeliões contratadas
Para conter a dominação de brasileiros, em 1899 um posto alfandegário boliviano foi instalado em Puerto Alonso, próximo à atual Rio Branco. Os impostos cobrados no posto chegavam a 40% sobre o preço do produto. Os seringalistas não tinham como arcar com os novos gastos. Segundo o historiador Eduardo Carneiro, da Ufac, os seringalistas e os governos do Pará e do Amazonas, que passaram a arrecadar menos, tiveram de arcar com o prejuízo.

Interessado em manter a borracha sob seu comando, o governo do Amazonas começou a financiar seringalistas e contratou líderes que organizassem revoltas contra os bolivianos, explica Carneiro. A primeira insurreição foi liderada por José Carvalho, em 1o de maio de 1899, e deu início ao processo que levaria à Revolução Acreana. Nesse mesmo momento, chegou à região, vindo do Amazonas, o jornalista espanhol Luiz Galvez, o "Imperador do Acre". Galvez, para alguns um aventureiro, para outros um herói, proclamou um Estado independente em 14 de julho de 1889 - data proposital para homenagear a queda da Bastilha, momento-chave da Revolução Francesa.

De acordo com Neves, Galvez não criou nada. "Os seringalistas e seringueiros já haviam expulsado os bolivianos duas vezes antes de sua chegada ao Acre." Porém, diz o diretor do Departamento de Patrimônio, Galvez passou a se envolver com a questão da borracha quando denunciou o acordo que vinha sendo costurado entre o governo boliviano e o Anglo-Bolivian Syndicate, de Nova York, para controlar a extração do látex. O modelo de negócio dava à empresa poderes soberanos para controlar a produção, a exportação, os impostos e até a polícia local. Firmado o acordo, os EUA teriam plenos poderes no território boliviano, povoado por brasileiros.
"Foi da articulação de uma saída viável para a situação do Acre que se sedimentou a participação de Galvez no movimento revolucionário", diz Neves. Na manhã daquele 14 de julho, representando a Junta Revolucionária do Acre, Galvez aprovou com a população local atas para dar início ao governo independente do Acre. A animação do espanhol conquistou os presentes, que finalizaram o encontro histórico com uma salva de palmas.

Marcos Neves vê o efêmero governo do presidente Galvez - durou poucos meses - como hábil e organizado. Para ele, o espanhol acreditou na sua própria utopia ao liderar a independência naquelas condições. A administração de Galvez foi acompanhada em detalhes pela imprensa brasileira. Notícias entusiasmadas chegavam ao Sudeste dando conta da criação de secretarias, repartições, instituições de ensino e da construção de prédios públicos. Em meses, os acreanos ergueram uma capital.

O economista acreano Mário José Lima alerta para a importância da borracha nos cofres brasileiros. Autor da tese Capitalismo e extrativismo - a formação da região acreana, ele explica que a borracha foi o que segurou as contas nacionais durante a crise do café, no final do século XIX.

Em dezembro de 1899, o governo de Galvez lutava para manter sua unidade no Alto Acre. Ao conseguir apoio local, explica Neves, "Galvez reagiu aos boatos de deslocamentos de tropas bolivianas em direção à área e às pressões que lhe chegavam do governo federal brasileiro e dos comerciantes de Manaus e Belém: proibiu a exportação da borracha acumulada nos seringais".

Os comerciantes revoltaram-se e, em 28 de dezembro de 1899, aclamaram o capitão Antônio de Sousa Braga, grande proprietário local, o novo presidente do estado. A primeira providência de Braga foi mandar prender Galvez. Na pele de presidente, Sousa Braga enfrentou e expulsou as forças bolivianas que tentavam reconquistar Puerto Alonso. Mas, sentindo a pressão, reconduziu Galvez ao cargo em 30 de janeiro de 1900.

Os sucessos do Acre ganhavam a imprensa e inquietavam o mercado internacional, que temia diminuição no fornecimento de borracha. Dócil aos interesses estrangeiros, o governo brasileiro enviou uma embarcação da marinha para acabar com a República do Acre e devolver a região à Bolívia. Doente, Galvez aceitou a imposição brasileira. Em 15 de março, assinou a ata de rendição.

Para Albuquerque, o termo Revolução Acreana e o conceito de nacionalismo não são pertinentes ao processo de formação do Estado. "Revolução", ele diz, "se faz quando homens mudam uma estrutura já estabelecida, o que não foi o caso". Os soldados seringueiros eram convencidos a lutar a favor dos patrões - brasileiros, bolivianos ou árabes - em troca de terras e liberdade. Eram nordestinos que haviam sido levados para a floresta quase como escravos e trabalhavam na extração do látex para sobreviver. "Desde 1870, cerca de 50 mil trabalhadores, a maioria formada por homens com pouco mais de 20 anos, foram levados para os seringais com a ilusão de enriquecer." O sentimento de nação não era conhecido por eles.

O processo de ocupação da terra era completamente irregular. Os exploradores subiam os rios e habitavam áreas vazias. Plácido de Castro, outro herói do Acre, foi contratado pelos seringalistas para prestar serviços de agrimensor. Ex-militar, o gaúcho Plácido havia participado das forças federalistas no Sul. Chegado ao Norte e apoiado pelo governo do Amazonas, organizou um exército de seringueiros e seringalistas para, diferentemente de Galvez, conquistar o território acreano para o Brasil. Um conflito que começou em agosto de 1902 e terminou seis meses depois em Puerto Alonso, com 500 mortos, em uma população de 10 mil indivíduos.
Nas palavras de Carneiro, Plácido de Castro tomou de assalto a cidade de Xapuri, surpreendendo o intendente boliviano com o seguinte enunciado: "Não é festa, é revolução!". Era o início da quarta Revolução Acreana. As três últimas não tiveram tanto sucesso, por isso resolveu-se consagrar a data da tomada de Xapuri - 6 de agosto de 1902 - como feriado estadual.

Imagens: Arquivo pessoal de Mary Allegretti

A escola de Galvez, reconstituída para a minissérie

Xapuri tinha luxo e cinema
Graças ao comércio da borracha, Xapuri era uma cidade opulenta, onde se podia comprar tecidos finos como a seda e ir ao cinema. Tratava-se de um mercado promissor, afirma Albuquerque. A revolta de Plácido termina com um acordo diplomático, comandado pelo barão do Rio Branco. Em novembro de 1903, o Tratado de Petrópolis foi assinado, e o Acre anexado ao Brasil em troca de áreas no Mato Grosso, o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas e a promessa de construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré.

Na visão de Neves, começava uma nova etapa de lutas na sociedade acreana, agora contra o governo brasileiro, que retirava somas fabulosas com a exportação da borracha, mas pouco revertia em investimentos locais. "Não havia escolas, hospitais ou quaisquer outras estruturas públicas."

Em 1912, houve a maior produção de borracha no Brasil. Desde então, a Ásia começou a colocar no mercado a borracha vegetal cultivada - deflagrando uma competição desigual com a borracha brasileira, que era nativa. A procura pelo produto brasileiro despencou no mercado internacional. Segundo a antropóloga e doutora em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília Mary Allegretti, nenhuma iniciativa de cultivo de borracha na Amazônia não teve sucesso.

Setenta anos separam Plácido de Castro do mais recente herói da história do Acre, Chico Mendes. Nesse período, o Acre presenciou sua decadência econômica nos anos 20, foi palco da "Batalha da Borracha" durante a Segunda Guerra Mundial e passou da categoria de Território para Estado Federal na década de 60. O governo militar implantou na Amazônia diversos projetos para integrar a região. Houve uma forte campanha para deslocar a população do Sul e do Sudeste para aquilo que era considerado o "filé mignon da Amazônia". A floresta foi desmatada para se transformar em pasto; alguns seringueiros continuavam extraindo o látex numa estratégia de subsistência; outros, desempregados, começaram a migrar para as cidades. Na década de 70, novas tensões sociais despontaram.

O contexto propiciou o surgimento de líderes que passaram a questionar a propriedade e o desmatamento e buscar soluções alternativas para o desenvolvimento sustentável da região. "A história da borracha criou uma sociedade", diz Mary. Essa sociedade entendeu que precisava cultivá-la sem destruir a floresta. Em 1975, o seringueiro Chico Mendes foi escolhido secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Basiléia, que acabava de ser fundado. E pôs em ação uma nova estratégia política, que batizou com a palavra "empates". Em entrevista ao Jornal do Brasil, 13 dias antes de morrer, Chico explicou como eram os empates: "É uma forma de luta que nós encontramos para impedir o desmatamento. É forma pacífica de resistência. (...) No empate, a comunidade se organiza, sob a liderança do sindicato, e, em mutirão, se dirige à área que será desmatada pelos pecuaristas. A gente se coloca diante dos peões e jagunços, com nossas famílias, mulheres, crianças e velhos, e pedimos para eles não desmatarem e se retirarem do local. Eles, como trabalhadores, estão também com o futuro ameaçado. E esse discurso, emocionado, sempre gera resultados. Até porque quem desmata é o peão simples, indefeso e inconsciente".

O economista Mário Lima ressalta que a liderança de Chico foi forjada na luta pela terra. O envolvimento com a ecologia surgiu mais adiante, nos anos 80. Sua proposta, de "União dos Povos da Floresta", ganhou repercussão internacional. A idéia era reunir os interesses dos seringueiros e dos índios em defesa da floresta amazônica.

Defesa da ecologia
Para Mary, Chico conseguiu sintetizar a história do passado e do futuro. Neto de um nordestino que chegou ao Acre para trabalhar no seringal, ele foi alfabetizado e, com isso, tornou-se capaz de fazer a mudança na forma de trabalhar e viver da terra. Em 1987, a ONU visitou Xapuri e comprovou a devastação das florestas e a expulsão dos seringueiros financiadas por corporações internacionais. Logo depois, Chico recebeu da própria ONU o prêmio Global 500, oferecido a pessoas que se destacam em defesa da ecologia. Em 22 de dezembro de 1988, o líder foi assassinado numa emboscada. Uma onda de violência havia atingido o Acre. Em 1989, a Anistia Internacional divulgou relatório que mostrava que 90 pessoas foram assassinadas no estado desde novembro de 1988.

Hoje, o mundo cobra do Brasil ações para evitar o desmatamento. A idéia de "florestania", continuação do pensamento de Chico Mendes, ganha força. Segundo o jornalista acreano Antonio Alves, que cunhou o termo, florestania é uma espécie de campo conceitual que envolve o sentimento de pertencer à floresta. "Esse sentimento pode orientar nossas escolhas políticas, sociais, econômicas, ambientais, culturais. Nossas decisões serão mais que coletivas, pois incluirão não apenas os interesses da sociedade, mas de todos os outros seres."

[Revista História Viva, nº 38, dezembro 2006]

Saiba o que a história e as lendas dizem sobre os ‘300 de Esparta’

Por Eduardo Spohr [Colunas, Clik 21]

Estréia no Brasil, no final do mês de março, o filme "300", baseado na série de quadrinhos escrita pelo conceituado artista Frank Miller, responsável também por obras clássicas dos HQs, como "Sin City" e "O Cavaleiros das Trevas".

A história, tanto do quadrinho quando do filme, é inspirada na célebre narrativa dos Trezentos de Esparta, sobre o general Leônidas e sua tropa de elite. Mas, por que os tais "300" são lembrados até hoje? Por que seus feitos são revistos e recontados de tempos em tempos, desde os dias antigos?

As crônicas relativas à batalha das Termópilas, onde os espartanos enfrentaram os persas, foi seguidamente romanceada e se tornou um modelo para as narrativas heróicas. Bravura, coragem, honra e disciplina. Esses são os ingredientes-chave na história dos "300".

ORIENTE X OCIDENTE

A rivalidade entre gregos e persas já vinha de longe. Mas a grande disputa entre o Oriente e o Ocidente aconteceu mesmo na primavera de 480 a.C., quando o rei Xerxes decidiu invadir a Hélade.

Xerxes, conhecido como o "Rei dos Reis", tinha a reputação de ser "o homem mais belo da Pérsia", mas sua personalidade mostrava algumas fraquezas. Ele levara três anos para preparar a ofensiva e queria dar o golpe de misericórdia nos gregos. De fato, a Pérsia tinha o maior exército da época, calculado em 70 mil homens. O núcleo das tropas era formado por um corpo de 10 mil soldados de elite conhecido com "Os Imortais", pois, logo que um caía em combate, outro assumia seu lugar.

Xerxes enviou diplomatas a várias cidades helênicas, e muitas se curvaram às exigências do rei. Os espartanos e os atenienses, porém, viram nesse ato uma afronta. Conta-se que os homens de Esparta disseram aos diplomatas: "terão toda a água e toda terra que quiserem", e os jogaram num poço.

A guerra estourou, os homens marcharam e, rapidamente, o exército persa se espalhou pela península balcânica. Os gregos, liderados por Leônidas, decidiram reter seus rivais durante o maior tempo possível no desfiladeiro das Termópilas: os inimigos teriam necessariamente que passar por lá para chegar à Grécia Central.

Termópilas, em grego, significa "Portas Quentes", uma referência às nascentes sulfurosas junto ao monte Eta. Nesse lugar, o referido monte mergulha a pique no mar. A passagem, naquela época, era tão estreita que dois carros de combate não conseguiriam atravessar. Ali, os helênicos tomaram posição.

Sobre as montanhas, Leônidas conseguiu deter o avanço inimigo por seis dias, e quando Xerxes enviou um mensageiro exigindo que os gregos entregassem suas armas, recebeu a resposta: "Vem buscá-las". Depois, reza a lenda, quando os orientais disseram aos espartanos que suas flechas eram tantas “que cobririam o sol”, um dos soldados respondeu: "Tanto melhor, lutaremos à sombra".

O monarca persa, então, decidiu aguardar mais quatro dias, para que todos os seus homens estivessem em posição (ele esperava a chegada de mais guerreiros). Pensava que, ao ver a multidão, os gregos recuariam, mas ninguém recuou.

Diante dessa determinação, Xerxes mandou contra os defensores um destacamento especial, formado por Medas e Quissianos, que foram humilhados no caminho estreito. Irritado, lançou finalmente à frente de batalha seus "Imortais", acreditando que eles dariam cabo dos gregos, mas seus soldados de elite também caíram, um por um, literalmente.

O combate entre os Imortais e os espartanos havia durado dois dias. Não era para menos. No desfiladeiro, os persas não podiam fazer uso da sua arma mais poderosa: a cavalaria. Assim, os Rei dos Reis aceitou a ajuda de um traidor, cujo nome será lembrado para sempre na história: Efialtes.

Hoje em dia, há vários caminhos pelo desfiladeiro, mas na época toda a encosta estava coberta por densas florestas. Efialtes foi o responsável por apontar uma trilha secreta, por onde subiram o que restara dos Imortais. A traição acabaria por condenar à morte os defensores gregos.

Ao saber da aproximação inimiga, rapidamente Leonidas reuniu o conselho de guerra e dispensou todos os lutadores que não queriam ficar. As narrativas contam que, a partir dali, os 300 homens de Esparta ficaram em seus lugares e batalharam até a morte, facilitando a retirada dos outros efetivos, perdendo o combate, mas obtendo, assim, uma das mais famosas vitórias morais da história.

Leonardo da Vinci - A Exibição de Um Gênio
Mostra, aberta no dia 1º de março, reúne mais de 150 peças que contemplam grande parte das áreas de estudo e trabalho do artista italiano

A exposição Leonardo da Vinci - A Exibição de um Gênio é a mais abrangente já concebida para itinerar pelo mundo em relação às exposições anteriores sobre Da Vinci, que normalmente focam um segmento particular de sua trajetória.
A mostra reúne mais de 150 peças inspiradas no legado davinciano e contempla sua diversidade como pintor filósofo, cientista, arquiteto, engenheiro, anatomista e inventor - aptidões que lhe conferem o título de um dos maiores gênios que o mundo já conheceu e, certamente, um nome referência da Renascença Italiana.
A exposição, instalado na OCA do Parque Ibirapuera, está dividida em 13 segmentos: Estudos Anatômicos, Arte da Guerra, Máquinas Civis, Códices, O pai da Aviação, Máquinas Hidráulicas e Aquáticas, Instrumentos Musicais e Ópticos, Estudos sobre Física e Mecânica, A Arte da Renascença, O Homem Vitruviano, Desenhos da Batalha de Anghiari, Documentário e Vídeos em 2D e 3D sobre o Homem Vitruviano e a Última Ceia.

Separação entre humano e macaco foi recente, diz estudo

DA REUTERS

Um estudo novo - e candidato a gerar controvérsia - aponta que a separação evolutiva entre humanos e chimpanzés ocorreu há apenas 4 milhões de anos.
O período é o mais recente já estimado e contesta medidas normalmente aceitas por biólogos, segundo as quais os últimos ancestrais em comum entre homens e macacos teriam vivido entre 5 milhões e 7 milhões de anos atrás. O novo estudo foi feito com base em análises do DNA de humanos, chimpanzés, gorilas e orangotangos.
A datação mais recente surgiu porque os autores do trabalho, publicado na revista "PloS Genetics", usaram uma nova metodologia.
Os cientistas, liderados por Asger Hobolth, da Universidade do Estado da Carolina do Norte (EUA), desenvolveram uma nova matemática para lidar com aquilo que os biólogos chamam de "relógio molecular". Ao medir a quantidade de diferenças no DNA entre um indivíduo e outro é possível estimar quando viveu o ancestral em comum entre os dois.
[Folha de São Paulo, 26 de fevereiro de 2007]
Frio pode ter matado os últimos neandertais
IAN HERBERT

DO "INDEPENDENT"

Eles habitaram uma zona que ia da Ásia a Portugal, e sumiram do mapa há cerca de 24 mil anos. Mas, no final, foi um inimigo cada vez mais familiar -a mudança climática- que acabou com nossos primos evolutivos, os neandertais. É o que sugere uma nova pesquisa.
Esses humanos primitivos encontraram seu último refúgio em Gibraltar, cujas matas, pântanos e litoral permitiam que os remanescentes da espécie (já eliminada no restante da Europa) seguissem com seu modo de vida.
Mas então uma queda súbita nas temperaturas, dizem cientistas, deu o golpe de misericórdia nas populações neandertais do sul da península Ibérica.
Clive Finlayson, do Museu de Gibraltar, é um dos pesquisadores que revelaram no ano passado os restos das últimas gerações de neandertal. Ele disse que colunas de sedimento escavadas no leito marinho perto das ilhas Baleares fornecem a pista sobre o destino final do Homo neanderthalensis.
Os sedimentos mostram uma queda de até 14C na temperatura da superfície do mar há 24 mil anos em comparação com os dias de hoje. Também houve maior deposição de areia no mar e uma queda no volume dos rios.
"Coisas como os carvalhos e as oliveiras, que estão aí até hoje, conseguiram sobreviver. Mas uma população muito fragmentada e estressada de neandertais -e talvez outros elementos da fauna- não conseguiram", disse Finlayson.
As causas do resfriamento ainda não são conhecidas. Mas o evento foi o mais grave a região havia experimentado em 250 mil anos. O estudo foi publicado pela revista "Quaternary Science Reviews".
[Folha de São Paulo, 22 de fevereiro de 2007]
Datação enterra tese sobre o 1º americano

Estudo diz que o chamado povo Clovis, considerado o ocupante ancestral do continente, é 450 anos mais novo

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

O caixão da teoria mais longeva já proposta sobre a ocupação das Américas acaba de receber seu último prego. Um estudo publicado hoje mostra que os chamados sítios Clovis, nos EUA, não só não são a mais antiga evidência da presença humana no continente como nem ao menos têm a idade que se achava que tivessem: são quase meio século mais novos.
O paradigma Clovis First ("primazia de Clovis", em inglês) foi proposto por arqueólogos dos EUA a partir da década de 1930. O modelo sustentava que os avós dos índios eram caçadores de mamute que vieram a pé da Ásia durante a Era do Gelo -quando havia uma ponte terrestre entre os dois continentes- e se dispersaram rápido pela América do Norte e depois pela América do Sul.
A travessia teria ocorrido há cerca de 11.500 anos, data de um sítio no Novo México (EUA) onde pontas de lança de pedra características foram achadas associadas a ossos de mamute. O nome do sítio, Clovis, acabou batizando o povo que teria inventado aquelas pontas de projétil.
A falta de sítios mais antigos que Clovis na América do Norte e um certo imperialismo acadêmico dos arqueólogos americanos em rejeitar evidências apresentadas por pesquisadores sul-americanos acabou transformando a história dos caçadores especializados de mamute em paradigma.
O modelo jazia insepulto pelo menos desde o fim da década de 1990. Naquela época, arqueólogos dos próprios EUA começaram a reconhecer a validade de sítios mais antigos que Clovis na América do Sul e até mesmo nos EUA.
Um deles, Monte Verde (na Patagônia Chilena), tem 12.500 anos e é hoje universalmente reconhecido como a mais antiga ocupação humana das Américas, embora outros ainda mais antigos continuem disputando esse posto.
Não é preciso ser um grande matemático para perceber que, se os humanos alcançaram a Patagônia (a última porção de continente a ser ocupada pelo Homo sapiens) há 12.500 anos, a primeira ocupação não poderia datar de 11.500 anos.
"Há claramente uma mudança, [mas] o paradigma ainda tem alguns proponentes que não largam o osso", disse à Folha Tom Dillehay, arqueólogo da Universidade Vanderbilt (Tennessee, EUA) que estudou e datou Monte Verde.

Revisão
Mas mesmo esses proponentes indemovíveis deverão ter dificuldade para se explicar depois do estudo que os americanos Michael Waters e Thomas Stafford Jr. publicam na capa da edição de hoje da revista científica americana "Science" (www.sciencemag.org).
Waters, da Universidade A&M do Texas, e Stafford, dono do laboratório de datação mais respeitado dos EUA, resolveram revisitar os sítios Clovis e datar seus materiais com precisão, por meio de duas técnicas (medição do carbono-14 e espectrometria de massa).
A dupla obteve datações para 25 sítios escavados nos anos 1960 e 1970, quando a tecnologia ainda não era tão avançada.
O tira-teima revelou, primeiro, que a cultura Clovis é bem mais jovem do que se imaginava: ela começou há 11.050 anos. E não durou mais do que 300 anos, tendo se extinguido por volta de 10.800 anos atrás.

Migração de idéias
Segundo Waters, uma duração tão curta tornaria impossível a essa cultura ter se dispersado por 14.000 km de continente americano.
"Não faz nenhum sentido antropológico que esse povo pudesse se mover tão depressa", afirmou Waters em um comunicado à imprensa. "Isso sugere que populações humanas já estavam no Novo Mundo antes de Clovis", escreveu.
Waters propõe que a dispersão rápida dos artefatos Clovis tenha sido análoga à de outras grandes invenções americanas, como o jeans e o iPod: o produto original (no caso, uma tecnologia para fabricar pontas de lança que eram superiores às existentes antes de Clovis) era tão bom que simplesmente passou a ser fabricado em outras regiões -sem que seus inventores precisassem, eles próprios, ocupar a América toda.
Dillehay diz que considera o estudo bem-vindo, mas que seus autores não fizeram nada mais do que se curvar aos fatos. "Depois que a preponderância dos dados alcançou Waters e Stafford, eles quiseram dar um passo à frente e dizer o que outros têm dito e demonstrado há 30 anos", alfineta.
[Folha de São Paulo, 23 de fevereiro de 2007]
Peru abriga observatório de 2.300 anos

Conjunto de 13 torres em Chankillo, no litoral do país, é a ferramenta astronômica mais antiga das Américas, diz estudo

Lugar é anterior à civilização Inca e deve ajudar a explicar origem do culto ao Sol entre os povos andinos; local pode ter tido importância política

Ivan Ghezzi
O nascer do Sol no solstício de inverno (21 de junho) visto de um ponto demarcado em Chankillo


RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma dupla de arqueólogos anuncia hoje a descoberta do mais antigo observatório solar das Américas. O complexo de pedra com 2300 anos -um conjunto de 13 torres construídas numa montanha junto à cidadela de Chankillo, no litoral do Peru- servia como uma espécie de calendário para marcar eventos que deveriam ter importância social ou religiosa numa civilização anterior.
"As torres, vistas desde a parte baixa do observatório, são uma espécie de grande régua no horizonte que permite medir o movimento do sol conforme o passar dos dias, das semanas e dos meses", disse à Folha o arqueólogo Ivan Ghezzi, da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Peru, principal autor da descoberta.
Em um estudo com o astrônomo Clive Ruggles, da Universidade de Leicester (Inglaterra), publicado hoje na revista "Science", Ghezzi lista evidências celestes e culturais para mostrar como funcionava o observatório (veja quadro ao lado). O sítio de Chankillo está sendo escavado desde 2001, mas até agora não havia uma hipótese consistente para explicar a função das 13 torres.
"Foi uma grande surpresa descobrir que 1.800 anos antes dos incas, temos evidências materiais arqueológicas tangíveis daquilo que nós já sabíamos que eles praticavam", diz Ghezzi. O sítio também data de uma época anterior aos observatórios maias mais antigos. Os povos da América Central, porém, tinham uma tradição astronômica independente e distinta da dos incas, dizem os autores da descoberta.
Segundo Ghezzi, a importância da descoberta está em sua importância histórica como origem do culto ao Sol na região andina do que como um marco da astronomia.
"Se o propósito do povo que construiu esse sítio fosse só o controle do tempo, eles provavelmente teriam chegado a soluções mais simples", diz. "Nós sabemos que a astronomia é muito mais antiga que isso. O que temos aqui é a primeira expressão monumental dessa astronomia nas Américas."
As construções mais recentes do culto ao Sol, porém, são conhecidas apenas por meio dos textos dos cronistas espanhóis que tiveram contato com os incas. Os monumentos deste povo em Cuzco, por exemplo, foram todos destruídos.
Apesar de acreditar que a construção das torres de Chankillo não tenha uma motivação prática, como controlar datas de colheita em agricultura, Ghezzi e Ruggles ainda não sabem muito bem a que tipo de atividade ela era ligada.
A guerra é uma hipótese considerada, já que outros povos antigos das Américas, como os maias, tinham tradições que relacionavam eventos astronômicos com batalhas.
É possível que o culto ao Sol relacionado às torres de Chankillo tivesse até importância política. "Alguns indivíduos tinha uma relação particular com esse movimento do Sol. Sabemos, por exemplo, que os incas diziam ser descendentes do Sol", diz Ghezzi. "Talvez um grupo tivesse controle particular sobre essa ideologia e usasse o culto solar para legitimar sua autoridade e seu poder."
[Folha de São Paulo, 02 de março de 2007 ]