Análise: Uma lição enraizada na Grande Depressão

Carter Dougherty, em Frankfurt (Alemanha)

Será que futuros historiadores escreverão sobre a Grande Depressão dos anos 2000 como escreveram sobre a dos anos 30? Os banqueiros centrais do mundo buscaram responder "não" na quinta-feira - de modo ressoante, mas não definitivo.

Com uma imensa injeção de dinheiro, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), acompanhado por outros bancos centrais ao redor do mundo, dispararam sua maior salva de fogo financeiro até hoje. A meta era persuadir o sistema bancário em convulsão de que não há escassez de dinheiro para atender as obrigações essenciais, seja agora ou no futuro.

Os US$ 180 bilhões em fundos adicionais que destinaram na quinta-feira foi apenas o início.

Isso contrasta muito com o que aconteceu nos anos 30, quando o Fed ficou de braços cruzados enquanto as ondas de inadimplência drenavam dinheiro do sistema bancário, deixavam a economia americana carente de crédito e no final também arrastaram a Europa.

Desta vez, os banqueiros centrais estão buscando de forma resoluta por estratégias para evitar essa cadeia de eventos. E diferente da abordagem nos anos 30, é um esforço global, movido por uma comunidade solidária de banqueiros centrais que estão cientes de que os erros da era da Depressão mancharam sua credibilidade por muitos anos depois.

"A necessidade de evitar essa próxima depressão exerce um grande papel nas decisões políticas americanas", disse Paul de Grauwe, um professor de economia internacional da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica. "Mas também está presente na Europa, porque nós temos experiências com crises bancárias em vários países. Pode não ser tão intensa, mas não está ausente."

O presidente do Fed nos anos 20, Benjamin Strong, previu o potencial de uma crise bancária que interromperia o crédito e foi um dos poucos americanos a entender que os laços financeiros entre os Estados Unidos e a Europa tornavam o problema global.

A solução, em suas palavras, era os bancos centrais "inundarem o mercado de dinheiro".

Strong morreu em 1928, de forma que não vivenciou a distopia monetária que se seguiu quando o Fed se absteve de emprestar em resposta ao crash da bolsa de valores de 1929. A outra metade do cenário de Strong se tornou verdadeira em 1931, quando uma corrida ao banco austríaco Creditanstalt se transformou em uma crise bancária européia que os bancos americanos amplificaram, ao cobrarem empréstimos feitos à Alemanha e outros países.

O sistema bancário atual está se desalavancando, um termo deselegante para o que aconteceu com os efeitos catastróficos nos anos 30. Os bancos diluíram os prejuízos associados ao mercado imobiliário americano sem vida e se recapitalizaram, seja atraindo novos investidores ou vendendo a si mesmos para instituições mais fortes, de forma que podem retomar os empréstimos.

Esse processo às vezes terminal mal: o Lehman Brothers é uma adição recente à lista, e o Washington Mutual, a maior instituição de empréstimos e poupança nos Estados Unidos e que já esteve entre as instituições financeiras mais bem-sucedidas do país, está negociando sua venda para um banco mais forte. Este é o motivo para até mesmo bancos saudáveis guardarem dinheiro em uma crise.

Os eventos tomaram um rumo indesejado na quarta-feira, quando ficou claro que mesmo os fundos do mercado de dinheiro, repositórios de poupanças no valor de até US$ 3,5 trilhões, estavam reduzindo seus empréstimos para assegurar a capacidade de atender qualquer saque de dinheiro de seus clientes.

Isso chegou perto do equivalente do século 21 a guardar dinheiro sob o colchão por precaução - exatamente o que o presidente Franklin D. Roosevelt pediu aos americanos que não fizessem durante a Depressão. O ecossistema de crédito funciona atualmente pela canalização dos depósitos de indivíduos para papéis emitidos pelos, entre outros, mesmos bancos cujo futuro parece tão sombrio. Todo medidor da disposição de emprestar ficou confuso no meio da semana, notadamente a Libor (Taxa Interbancária do Mercado de Londres), uma taxa referencial de tomada de dinheiro que influencia os empréstimos ao redor do mundo. O rendimento dos ultra-seguros títulos do Tesouro americano despencou enquanto o dinheiro procurava um refúgio, uma experiência que deixou até mesmo profissionais calejados se esforçando para entender a magnitude da desconfiança.

"Há uma total falta de confiança", disse Jim O'Neill, economista chefe da Goldman Sachs, em Londres. "É o mais extremo desde o início da crise de crédito."

A injeção de dinheiro anunciada na quinta-feira funcionará por meio de linhas de swap (troca) de várias moedas em até US$ 180 bilhões com o Fed, com grande parte do dinheiro destinado ao Banco Central Europeu (BCE). Esse dinheiro então fluirá para o sistema bancário, permitindo aos bancos comerciais tomarem empréstimos mais facilmente entre eles e junto aos seus bancos centrais.

Mais importante, e diferente do que aconteceu nas injeções de dinheiro coordenadas anteriores, o Fed, o BCE e outros bancos centrais prometeram explicitamente dar continuidade às injeções de dinheiro enquanto os mercados de dinheiro permanecerem em turbulência.

Após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, o Fed reduziu sua taxa referencial de juros para 1% e prometeu mantê-la assim por tempo indeterminado para criar um cobertor de segurança de crédito contínuo. O estrategista por trás dessa medida - Alan Greenspan, na época o presidente do Fed - agora é amplamente culpado por manter o dinheiro barato demais por tempo demais, provocando as bolhas de imóveis cujo estouro agora está causando tanto caos nos Estados Unidos e em outros lugares.

O atual corpo de banqueiros centrais quer evitar uma expansão permanente semelhante da oferta de dinheiro, mantendo ao mesmo tempo o fluxo de dinheiro aos bancos e ao restante da economia.

A ação da quinta-feira cria uma linha de rolagem de crédito administrada globalmente, cujos termos podem ser lentamente endurecidos, por meio de taxas de juros mais altas e volumes menores de empréstimo, à medida que os bancos se recapitalizarem e a confiança retornar entre emprestadores e tomadores de empréstimo. Essa perspectiva preserva um instrumento para os banqueiros centrais usarem contra os bancos que não se curarem sozinhos.

"Eles estão jogando um jogo da galinha muito delicado", disse O'Neill. "E estão fazendo um bom trabalho, sob circunstâncias muito difíceis."

Será que funcionará?
Uma lição do passado é que as crises de amanhã nascem dos riscos não previstos hoje. Esse é um motivo para O'Neill e outros analistas esperarem mais medidas heterodoxas por parte dos bancos centrais e outras autoridades que sabem o que desejam fazer - manter o fluxo de crédito - mas que se mostraram flexíveis em relação a como fazê-lo.

Mas o sucesso deles depende dos próprios bancos.

Levantar dinheiro para refazer um colchão de capital exige a emissão de novas ações, fusão ou venda de grandes participações acionárias, medidas que raramente são populares junto aos atuais acionistas mesmo nas melhores circunstâncias. E os presidentes-executivos freqüentemente perdem seus empregos ao adotarem essas medidas dolorosas.

Mas elas são necessárias antes dos financistas poderem retornar à sua atividade normal de emprestar dinheiro para lubrificar as engrenagens do comércio.

"Eles não estão agindo como bancos atualmente", disse Charles Wyplosz, diretor do Centro Internacional de Estudos Bancários e Monetários do Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais, em Genebra. "Eles estão agindo como fortalezas sitiadas."

Tradução: George El Khouri Andolfato

[International Herald Tribune, 19/09/2008]
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