Peru abriga observatório de 2.300 anos

Conjunto de 13 torres em Chankillo, no litoral do país, é a ferramenta astronômica mais antiga das Américas, diz estudo

Lugar é anterior à civilização Inca e deve ajudar a explicar origem do culto ao Sol entre os povos andinos; local pode ter tido importância política

Ivan Ghezzi
O nascer do Sol no solstício de inverno (21 de junho) visto de um ponto demarcado em Chankillo


RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma dupla de arqueólogos anuncia hoje a descoberta do mais antigo observatório solar das Américas. O complexo de pedra com 2300 anos -um conjunto de 13 torres construídas numa montanha junto à cidadela de Chankillo, no litoral do Peru- servia como uma espécie de calendário para marcar eventos que deveriam ter importância social ou religiosa numa civilização anterior.
"As torres, vistas desde a parte baixa do observatório, são uma espécie de grande régua no horizonte que permite medir o movimento do sol conforme o passar dos dias, das semanas e dos meses", disse à Folha o arqueólogo Ivan Ghezzi, da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Peru, principal autor da descoberta.
Em um estudo com o astrônomo Clive Ruggles, da Universidade de Leicester (Inglaterra), publicado hoje na revista "Science", Ghezzi lista evidências celestes e culturais para mostrar como funcionava o observatório (veja quadro ao lado). O sítio de Chankillo está sendo escavado desde 2001, mas até agora não havia uma hipótese consistente para explicar a função das 13 torres.
"Foi uma grande surpresa descobrir que 1.800 anos antes dos incas, temos evidências materiais arqueológicas tangíveis daquilo que nós já sabíamos que eles praticavam", diz Ghezzi. O sítio também data de uma época anterior aos observatórios maias mais antigos. Os povos da América Central, porém, tinham uma tradição astronômica independente e distinta da dos incas, dizem os autores da descoberta.
Segundo Ghezzi, a importância da descoberta está em sua importância histórica como origem do culto ao Sol na região andina do que como um marco da astronomia.
"Se o propósito do povo que construiu esse sítio fosse só o controle do tempo, eles provavelmente teriam chegado a soluções mais simples", diz. "Nós sabemos que a astronomia é muito mais antiga que isso. O que temos aqui é a primeira expressão monumental dessa astronomia nas Américas."
As construções mais recentes do culto ao Sol, porém, são conhecidas apenas por meio dos textos dos cronistas espanhóis que tiveram contato com os incas. Os monumentos deste povo em Cuzco, por exemplo, foram todos destruídos.
Apesar de acreditar que a construção das torres de Chankillo não tenha uma motivação prática, como controlar datas de colheita em agricultura, Ghezzi e Ruggles ainda não sabem muito bem a que tipo de atividade ela era ligada.
A guerra é uma hipótese considerada, já que outros povos antigos das Américas, como os maias, tinham tradições que relacionavam eventos astronômicos com batalhas.
É possível que o culto ao Sol relacionado às torres de Chankillo tivesse até importância política. "Alguns indivíduos tinha uma relação particular com esse movimento do Sol. Sabemos, por exemplo, que os incas diziam ser descendentes do Sol", diz Ghezzi. "Talvez um grupo tivesse controle particular sobre essa ideologia e usasse o culto solar para legitimar sua autoridade e seu poder."
[Folha de São Paulo, 02 de março de 2007 ]
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