"Grande Muralha virtual" ameaça isolar China



Bloqueio crescente da rede gera comparações com a Revolução Cultural, período mais repressivo da ditadura maoísta
Em 2009, foram fechados 450 sites; governo diz que está em campanha para limpar a internet local de "pornografia e vulgaridade"

Raul Juste Lores, de Pequim

O governo chinês fechou na semana passada o site Yeeyan, comunidade de 5.000 voluntários que faziam traduções do inglês para o mandarim - de legendas de filmes a letras de música. Eles viraram problema quando começaram a traduzir reportagens do jornal britânico "The Guardian".
Nos últimos meses, uma "Grande Muralha virtual" está conseguindo isolar a internet chinesa do resto do mundo e anulando o conceito de rede. Depois de bloquear Facebook, Youtube, Twitter e boa parte da Wikipedia, o governo elevou o controle da rede doméstica.
Na última terça, cidadãos chineses foram proibidos de registrar domínios na rede - agora só com autorização do governo. Só em 2009, 450 sites foram fechados.
"A internet chinesa já é uma das mais insulares do planeta por causa do idioma e pelo pouco interesse que a garotada tem no que acontece no resto do mundo, mas agora o isolamento atinge até a minoria mais curiosa", afirmou à Folha Hong Bo, 46, que trabalha há 12 anos com internet e há seis mantém um dos blogs mais lidos sobre o assunto.
O ex-presidente do Yahoo na China Xie Wen publicou em seu blog na segunda-feira que a internet no país "vive seu momento de Revolução Cultural [em referência ao período mais repressivo da ditadura maoísta], com expurgos, proibições e uma tentativa de purificação inédita em 30 anos de abertura da China".
O governo lançou em janeiro passado uma campanha destinada a limpar a internet local da "pornografia e da vulgaridade", mas quem mais sofreu foram sites políticos, blogs e populares comunidades virtuais internacionais.
Como o governo diz querer construir uma sociedade harmoniosa, os internautas chineses adotaram o termo como sinal de censura. "Meu blog foi harmonizado" virou código para novas vítimas do expurgo.
Sites de informação, como Huffington Post, e que hospedam blogs internacionais, como Blogger, também são bloqueados no país.

Reserva de mercado
Com o bloqueio às grandes comunidades virtuais internacionais, proliferam as cópias piratas de sites estrangeiros "made in China". O maior portal do país, Sina.com, está lançando a sua cópia do Twitter.
O Youku, cópia do Youtube, tem mais de 60% do mercado de compartilhamento de vídeos, colocando na íntegra produções americanas sem pagar direitos autorais.
"Como o governo quer controlar a distribuição de informação, é evidente que as empresas locais cooperam mais com o governo e sabem seus limites", diz Hong.
Por confiar mais na autocensura dos locais, um site chamado Baidu se tornou gigante mecanismo de buscas do país, copiando o Google.
Durante dois anos, o Google sofreu com a interferência da censura chinesa, que o transformou em um site sete vezes mais lento que os locais, por meio de filtros e controles.
Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores disse em junho que o Google "espalha conteúdo vulgar e obsceno, violando seriamente as leis chinesas". O site foi tirado do ar por um dia como "alerta".
As pesquisas no Google continuam operando muito mais lentamente do que em sua cópia. O Baidu hoje domina 70% do mercado.
A mestranda Suo Huijun, do Centro de Novas Mídias da Universidade Tsinghua, publicou recentemente um estudo sobre a Wikipedia na China. Ela entrevistou um dos burocratas que cuidam do controle da internet.
Anonimamente, ele diz que a Wikipedia é valiosa, mas "permite que um pequeno grupo de elementos anti-China possam colocar em risco a nossa segurança social e a unidade étnica do país". Textos sobre a China sofrem bloqueio rotineiro.

YouTube e Facebook são censurados
Vídeos mostrando a violência policial chinesa contra monges tibetanos começaram a aparecer no YouTube em março de 2008. Na mesma época, a cantora islandesa Björk pedia a independência do Tibete em um vídeo de um show em Xangai.
O Youtube foi então bloqueado na China e desbloqueado por períodos curtos. Sua cópia chinesa, o Youku, pôde prosperar sem concorrência.
Logo após a onda de protestos que chacoalhou o Irã após a controversa reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad - muitos deles convocados pelo Twitter-, a China decidiu também bloquear o site dos microblogs. Só agora versões chinesas começam a ser liberadas, onde a autocensura é garantida. Semanas depois, o Facebook foi bloqueado.
Analistas acreditavam que o bloqueio seria temporário, na proximidade de datas sensíveis, como os 60 anos da chegada dos comunistas ao poder. Mas as restrições continuaram.
Estima-se que 30 mil censores trabalhem para o governo checando blogs e grandes portais. Os próprios sites fazem sua limpeza, apagando críticas ao partido ou ao governo.
"A internet se tornou uma importante avenida pela qual as forças anti-China se infiltram, sabotam e maximizam sua capacidade de destruição", escreveu o ministro de Segurança Pública, Meng Jianzhu, na revista Qiushi, do Comitê Central do Partido Comunista.
Em junho, o governo chinês tentou exigir de todos os fabricantes de computadores pessoais a instalação de um programa com filtros de internet.
A polêmica foi tão grande - o programa chinês foi acusado até de piratear um software americano - que o governo chinês desistiu da obrigatoriedade. Mas, desde então, milhares de escolas, repartições públicas e fabricantes chineses têm instalado filtros em suas máquinas.
O governo diz que sua campanha pela moralização da internet visa acabar com a pornografia e com a pirataria, mas para críticos o discurso mascara a sanha por controle. (RJL)

Só minoria usa programas para driblar bloqueios
A censura de Pequim é um sucesso quando se analisa a penetração do Twitter e do Facebook na China - país de maior população de internautas, com 370 milhões de usuários.
O bloqueado Twitter, por exemplo, tem 409 mil perfis na China, quase um milésimo dos internautas chineses. E só uma parcela pequena é ativa. No Irã, onde o Twitter também é proibido, há 1,4 milhão de usuários, apesar de a população ser 20 vezes menor que a chinesa.
Depois de ser proibido em julho, o Facebook também encolheu. De 280 mil perfis ativos, despencou para 14 mil usuários regulares. No Irã, onde o Facebook é igualmente bloqueado, há 800 mil contas ativas.
Para especialistas em internet chinesa, apenas uma pequena minoria usa softwares para driblar a censura. Aplicativos como Tor, UltraSurf e FreeGate criam uma rede de nós anônimos por onde o tráfego da rede passa criptografado.
Como os censores estão sempre decodificando esses atalhos, há uma necessidade periódica de atualizá-los.
O Tor pode ser recebido por e-mail e baixado no computador. Como vingança contra seu banimento da China, o grupo religioso Falun Gong produz vários desses aplicativos.
"Ao contrário dos EUA, onde 65% dos internautas têm mais de 35 anos, na China 74% têm menos de 34", diz o especialista Hong Bo. "As maiores atividades na internet chinesa são o download de músicas, os jogos virtuais e a comunicação instantânea com pequenos grupos de amigos e parentes. Comunidades virtuais no estilo do Facebook são um fracasso." Até 34% dos internautas chineses têm menos de 19 anos.
Outra prova de como a censura funciona aconteceu durante o debate em que o presidente americano Barack Obama quis ter com universitários em Xangai. O governo chinês decidiu não televisionar o evento, mas a Casa Branca transmitiu o debate ao vivo em seu site. Só 7.000 pessoas acessaram a partir da China.
Por temor aos atalhos anticensura, às vezes o governo chinês adota atitudes extremas e tira toda a rede do ar. Na Província de Xinjiang, a internet está inacessível desde julho, quando conflitos étnicos explodiram entre a minoria uigur e a maioria chinesa han. (RJL)

[Folha de São Paulo, 20/12/2009]
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