Filhos da democracia do Chile não participam de eleição

Alexei Barrionuevo, em Santiago (Chile)
Pascale Bonnefoy contribuiu com a reportagem

Quando o general Augusto Pinochet realizou um referendo sobre seu mandato em 1988, uma onda de jovens eleitores foi a diferença decisiva que marcou enfaticamente a transição do país para a democracia.

Mas quando os chilenos forem para as urnas neste domingo, com o destino da coalizão que governa o país há 20 anos na balança, os jovens eleitores provavelmente não terão um papel tão importante.

Embora sua democracia tenha amadurecido e sua administração econômica estável tenha se tornado motivo de inveja na América Latina, o Chile desenvolveu um sério caso de apatia política entre os seus cidadãos mais jovens.

Apenas 9,2% dos chilenos entre 18 e 29 anos estão registrados para votar no domingo, o menor número para uma eleição presidencial desde que a democracia foi restaurada em 1990, e só um pouco mais baixo do que o número que registrado em 2005, quando os chilenos elegeram Michelle Bachelet, a primeira mulher a se tornar presidente do país.

"Espero que esses 9% se transformem em 0%", disse Gonzalo Castillo, um estudante de história de 18 anos na Universidade do Chile, que recusou-se a se registrar. "Todos os candidatos representam os interesses da oligarquia, os interesses das grandes empresas."

Os jovens do Chile estão frustrados por causa do sistema que exige que qualquer um que se registre seja obrigado a votar para o resto de sua vida, sob pena de ser multado. Eles dizem que o sistema, estabelecido sob o mandato de Pinochet, limita sua liberdade de expressão e motivou-os a não se registrarem.

Mas a geração mais jovem do Chile também é profundamente apática em relação ao processo político tradicional em geral, e ferozmente independente em relação aos assuntos que preocupam seus pais, que em sua maioria viveram na época da ditadura.

"A juventude do Chile hoje vê o discurso político como a língua de seus pais, não como a sua língua", diz Juan Eduardo Faundez, diretor do National Yourth Institute. "Eles são filhos da democracia, e têm outras opções e outras demandas em relação à sociedade chilena, e à classe política."

A juventude chilena deu uma amostra de seu poder em 2006, quando dezenas de milhares de estudantes do segundo grau protestaram em todo o país pedindo melhorias no sistema educacional.

Mas nem mesmo a energia jovem das ideias de um cineasta de 36 anos de idade, Marco Enriquez-Ominami, que está concorrendo como candidato independente, foi suficiente para fazer com que os jovens fossem às urnas este ano.

Enriquez-Ominami, que renunciou à sua vaga como congressista pelo Partido Socialista para concorrer à presidência, conseguiu sacudir a corrida eleitoral entre a coalizão Concertacion, no poder, e sua concorrente de direita.

Nas pesquisas da semana passada, Sebastian Pinera, um empresário bilionário de centro-direta, estava liderando com 44%, contra 31% de Eduardo Frei, um ex-presidente que pretende suceder Bachelet na contínua linhagem de presidentes apoiados pela Concertacion.

Enriquez-Ominami, que cresceu em parte no exílio na França, estava em terceiro lugar com cerca de 18%, de acordo com as pesquisas.

À véspera da eleição de domingo, nenhum candidato parecia ter mais de 50% dos votos, necessários para evitar um segundo turno em janeiro. Mas com 16% do eleitorado ainda indeciso - o maior número antes de uma eleição presidencial desde 1988 - os resultados são difíceis de prever, dizem os analistas.

A Concertacion, composta por socialistas, radicais e democratas-cristãos, construiu a democracia pós-ditadura e estabeleceu programas sociais e políticas econômicas estáveis e simpáticas ao mercado, tudo isso garantiu o respeito internacional ao Chile.

Nesta eleição, a Concertacion se recusou a realizar primárias para selecionar seu candidato, como fazia antes, negando aos candidatos de fora uma chance para competir.

Isso deu a Enriquez-Ominami uma oportunidade para divulgar a si mesmo como um candidato independente. Sua campanha ameaçou estilhaçar o sistema eleitoral deixado por Pinochet, que garantia que duas coalizões se enfrentariam em todas as eleições.

A capacidade de Enriquez-Ominami de representar um desafio sério sugere que alguns chilenos estão cansados da Concertacion, apesar do sucesso de Bachelet, cujos programas sociais e administração eficiente da economia garantiram-na uma taxa de aprovação de 74% nas pesquisas recentes. Frei, 67, cujo pai Eduardo Frei Montalva também foi presidente, é visto como parte da máquina política conservadora, dizem os analistas.

Independentemente de quem vencer no domingo, é pouco provável que as políticas econômicas do Chile mudem, já que nenhum candidato está propondo grandes reformas nesse campo, dizem os analistas.

Frei prometeu expandir os programas sociais que começaram com Bachelet, que melhorou as condições para as mulheres e aumentou dramaticamente o número de berçários. Pinera disse num discurso na sexta-feira que ele iria aumentar a segurança pública e atacar o tráfico de drogas, e falou sobre a necessidade de lidar com os problemas da classe média, que ele disse ter sido ignorada durante os anos de Bachelet.

Numa entrevista na sexta-feira, Enriquez-Ominami disse que ele pressionaria por reformas políticas e melhorias no sistema de educação.

A popularidade de Bachelet dificilmente foi transferida para Frei. Membros do governo de Bachelet esperavam que os jovens eleitores pudessem desempenhar um papel estratégico nestas eleições, que se mostraram uma das mais competitivas desde que as eleições livres foram retomadas em 1989.

Em 1988, 95% dos eleitores com menos de 29 anos eram registrados, representando 36% do total de eleitores naquele ano, de acordo com números do governo. Se todos os eleitores com menos de 29 anos fossem registrados no Chile hoje, eles somariam 32% do eleitorado, disse Faundez.

Mas o número de jovens eleitores registrados veio caindo desde 1988 e, no último mês de abril, chegou a uma baixa histórica de 7,5%, fazendo com que Bachelet autorizasse o National Youth Institute a gastar US$ 1 milhão numa iniciativa de emergência para registrar eleitores. O instituto conseguiu registrar 170 mil eleitores em dois meses, fazendo com que o número voltasse a 9%, disse Faundez.

Enriquez-Ominami, apesar de suas tentativas de apelar para os eleitores mais jovens, mostrando-se como uma alternativa moderna e independente, também se mostrou incapaz de fazer com que o número de eleitores subisse.

Numa entrevista na sexta-feira, Enriquez-Ominami culpou o sistema de registro voluntário e voto obrigatório do Chile por desencorajar os eleitores jovens a participarem do processo político.

"O voto deveria ser um dever, não uma obrigação", disse ele.

Bachelet tentou mudar o sistema em abril para que o registro fosse automático aos 18 anos e a votação fosse voluntária, e não obrigatória como é hoje. A medida não foi aprovada no Congresso, onde alguns temiam que isso pudesse reduzir ainda mais a participação do eleitorado.

Como os jovens chilenos não votam, isso encorajou os candidatos a ignorarem suas preocupações. "É um ciclo vicioso em que as pessoas que controlam o país, para perpetuarem-se no poder, falam apenas com a geração mais velha", disse Faundez.

Esse hiato era palpável na Universidade do Chile na sexta-feira.

"Os jovens do Chile nunca sentiram que estavam incluídos no processo político", disse Sebastien Alfaro, 19, que disse que se registrou e planeja votar para Enriquez-Ominami. "Somos vistos apenas como um número para os candidatos. Eles nunca criam projetos concretos, ou propõem políticas para os jovens."

Tradução: Eloise De Vylder

[The New York Time, 13/12/2009]
0 Responses