A Bolívia de Morales aposta no capitalismo de Estado

Fernando Gualdoni, enviado especial a La Paz

O governo vai controlar os setores de mineração e energia (35% da economia), deixando o resto para a iniciativa privada

O projeto econômico com que o presidente Evo Morales pretende ganhar as eleições deste domingo se enquadra mais no capitalismo de Estado do que no socialismo de linha chavista. Por trás do exaltado discurso anti-imperialista e antioligárquico do encerramento da campanha do partido governamental, Movimento Ao Socialismo (MAS) em El Alto, perto de La Paz, o vice-presidente Álvaro García Linera apresentou um modelo de desenvolvimento de características já conhecidas na América Latina e também na Bolívia em diferentes períodos do terceiro quarto do século 20, sobretudo os anos do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) no poder. A aposta é arriscada porque torna a economia dependente de 80% dos recursos de "Pacha Mama" (a Mãe Terra) e de que os preços das matérias-primas não caiam.

García Linera disse que o Estado deterá o controle de 35% da economia, fundamentalmente os setores energético e mineiro, nacionalizados na primeira etapa de governo. Nos próximos cinco anos, o governo se propõe a industrializar o petróleo e o gás, isto é, não só exportá-lo a granel como também lhe dar um valor agregado. Pretende ainda desenvolver o enorme potencial do lítio (mineral para as baterias de carros elétricos) e criar novas empresas públicas em setores como o da alimentação. Com os excedentes da venda de hidrocarbonetos, serão financiados os planos sociais como aconteceu até agora. Na economia que fica fora dos setores estratégicos, como o têxtil, o madeireiro e, sobretudo, a descomunal economia informal, o Estado não pretende intervir. Linera também não falou de novas nacionalizações nem de grandes desapropriações de terras.

"A radiografia da economia boliviana nos últimos quatro anos é boa: crescimento médio de 4,5% ao ano, inflação sob controle, taxa de câmbio estável, reservas multimilionárias, superávit fiscal e aumento do comércio", explica Gonzalo Chávez, diretor da Escola de Produção e Competitividade da Universidade Católica da Bolívia. "No entanto, se fizermos uma tomografia, os problemas aparecem. A grande aposta no setor de hidrocarbonetos acabou por asfixiar a incipiente indústria que vinha se desenvolvendo. Ao mesmo tempo, a forte entrada de dinheiro não animou a atividade produtiva, mas o consumo. A Bolívia continua tendo uma das maiores economias submersas do mundo. Dentre as 150 mil a 180 mil pessoas que entram no mercado de trabalho a cada ano, só 30% o fazem em branco. E isto não mudou", acrescenta Chávez.

O paradoxo do novo Estado Plurinacional é que a empresa pilar do projeto, a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) não se transformou no motor da mudança. Desde que foi nacionalizada, em 2006, passaram cinco presidentes - quatro depostos por suspeitas de corrupção e o último preso diretamente por esse motivo - e, apesar do superávit fiscal, o investimento da empresa caiu significativamente. García Linera, em uma recente entrevista ao jornal "La Prensa", reconheceu a ineficiência da YPFB e afirmou que será corrigida.

O engenheiro de petróleo Carlos Miranda, em um artigo publicado no "La Razón", afirma que "em 2006 a empresa produzia 50 mil barris de petróleo e 40,2 milhões de metros cúbicos de gás por dia. O mercado interno estava abastecido de gás liquefeito e gasolina, e só se importavam 30% do diesel. No próximo ano o país terá de importar a metade do diesel que consome e 20% da gasolina e do gás liquefeito".

A maioria dos economistas consultados espera que o governo se concentre novamente no setor de hidrocarbonetos e mantenha a paz social à base de subsídios. Muitos acreditam que na Bolívia há um grande risco de que o crescimento econômico não consiga estimular a criação de pequenas e médias empresas produtivas, um tecido empresarial crucial para contornar os efeitos da possível queda dos preços das matérias-primas e a melhor forma de atenuar a marginalização econômica.

[El Pais, 05/12/2009]
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