Crise prolongada ameaça Estado belga

Impasse político abre possibilidade para separação de Flandres e Valônia, cuja população deseja juntar-se à França

Andrei Netto

A crise mais grave da Bélgica no momento não parece ser o risco de falência dos bancos Fortis e Dexia ou a ameaça de quebra da Bolsa. No longo prazo, a crise política segue sendo a mais importante para o futuro do país. Paralisado há dois anos por um impasse político-institucional entre as comunidades de Flandres e Valônia, o Estado belga corre o risco de desaparecer. Nesse cenário, desejado especialmente pelos belgas flamencos, a resposta preferida pelos belgas valões seria a incorporação do território da Valônia à França.
A hipótese de dissolução do país - tida por cientistas políticos como remota, mas levada a sério internamente - é a preferida de 40% a 45% da população flamenga, que é de origem holandesa. Eles são defensores da independência de Flandres, a região mais próspera do país.
O impasse político tem ainda duas soluções possíveis: a reforma do Estado, transformando a federação em uma confederação de Estados autônomos, desejada pela maioria dos flamengos, ou a manutenção das instituições atuais, opção preferida pelos valões.

MARSELHESA?
De acordo com uma pesquisa de opinião encomendada pelo jornal Le Soir, de Bruxelas, 49% dos belgas que falam francês preferem a adesão da Valônia à França em caso de divisão da Bélgica. O porcentual é menor na pesquisa feita pelo instituto Ivox, cujo levantamento indicou 32% de adeptos da França como nova nação. O porcentual oscila, mas a existência dessas pesquisas é, por si só, um sintoma da degradação da unidade do país.
Robert Collignon, 65 anos, ex-primeiro-ministro socialista da Valônia, é um dos defensores da união com a França. "A conciliação na Bélgica está cada vez mais difícil. O país é institucionalmente doente", afirmou Collignon. Para ele, a Valônia fala francês, partilha os hábitos culturais franceses, assiste a emissoras de TV e lê jornais parisienses e entusiasma-se com as eleições no país vizinho. "A Bélgica é um capricho da história. Em algum momento, Flandres vai querer sua independência. Então, o país não terá mais razão de existir."
A proximidade cultural entre valões e franceses é tão grande que, há um ano, Yves Leterme, recém-nomeado primeiro-ministro, cometeu uma gafe histórica e cheia de peso simbólico. Convidado por um repórter de TV a cantar um trecho do hino belga no dia da festa nacional, o premiê entoou a Marselhesa, hino francês.

APOIO POLÍTICO
O maior problema dos que defendem nas ruas a união com a França, contudo, é a ausência de representação política. O único partido belga que assume a bandeira, o União Valônia-França, tem líderes folclóricos e não chega a 2% dos votos nas eleições regionais."Os partidários da anexação sempre existiram e defendem uma velha idéia minoritária", explicou o cientista político Jean Fagnel, do Centro de Pesquisa e Informação Política.
Pierre Verjans, cientista político da Universidade de Liège, explica que o desejo de anexação à França cresce nos momentos de crise institucional, como em 1830, quando o país tornou-se independente da Holanda. Em 1945, o Congresso da Valônia chegou a aprovar a união, mas voltou atrás após a intervenção do primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Winston Churchill.

BRUXELAS
Além de tudo, a eventual divisão do país em Flandres e Valônia criaria outro impasse, este em torno da principal cidade do país: Bruxelas.
Com um milhão de habitantes, a capital está localizada na Flandres e historicamente é uma cidade flamenga.
No entanto, o estabelecimento da cidade como sede de uma monarquia de origem francesa, em 1830, fez crescer a burocracia estatal e o número de funcionários públicos valões. Hoje, Bruxelas tem cerca de 80% de habitantes que falam francês.

[O Estado de São Paulo, 02/11/2008]
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