Imperialismo tupiniquim

Novos estudos sobre a Guerra do Paraguai atribuem o conflito ao desejo expansionista do Brasil

A Guerra do Paraguai desperta interesse crescente de historiadores de diferentes países, como demonstram os seminários sobre o tema realizados em Paris (2005), Montevidéu (2008) e, entre 3 e 5 deste mês, Buenos Aires. Este intitulou-se "A Guerra do Paraguai - Historiografias, Representações, Contextos", foi organizado pelo Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Nacional de San Martín e contou com a presença de especialistas de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, França, Paraguai, Peru e Uruguai.
Na ocasião, foi lançado o livro "Epistolário Inédito (1864-1883) - Juan Bautista Alberdi-Gregorio Benites" (Fondec, Academia Paraguaia de História, Universidade Nacional de San Martín e Biblioteca Furt, 1.726 págs.), em três volumes, com estudos introdutórios dos historiadores Liliana Brezzo, argentina, e Ricardo Scavone Yegros, paraguaio.
Brezzo é uma das maiores especialistas em história paraguaia e publicou importantes artigos e livros sobre o tema, a partir de pesquisas em arquivos argentinos e paraguaios. No seminário, fez uma apresentação intitulada "A Grande Polêmica Continua! Discursos e Repercussões da Disputa entre Cecilio Báez e Juan O'Leary sobre a Guerra do Paraguai" e, na ocasião, concedeu à Folha a entrevista abaixo.


FOLHA - Poderia apresentar Alberdi e Benites ao leitor brasileiro? Quem foram eles?
LILIANA BREZZO - O argentino Juan Bautista Alberdi (1810-84) e o paraguaio Gregorio Benites (1834-1909) foram escritores e expoentes da vida política no rio da Prata na segunda metade do século 19. Foram representantes diplomáticos de seus países perante os governos europeus e seus escritos influenciaram fortemente as elites políticas argentina e paraguaia, particularmente no contexto de formação dos respectivos Estados nacionais e de suas relações exteriores. Seus vínculos de amizade se iniciaram às vésperas da Guerra da Tríplice Aliança, ou Guerra do Paraguai, diante da qual Alberdi assumiu posição de defesa intelectual da causa paraguaia, enquanto Benites era o secretário da legação paraguaia na Europa, com sede em Paris.

FOLHA - O que é o "Epistolário Alberdi-Benites?"
BREZZO - O "Epistolário" traz a correspondência inédita entre esses dois importantes intelectuais e homens públicos americanos. Compreendendo o período de 1864 a 1883, esse intercâmbio epistolar contém valiosa informação para compreender a essência de acontecimentos históricos do rio da Prata. O principal momento dessa correspondência é o dos anos da Guerra do Paraguai e o pós-guerra. Esses documentos -mais de 800 cartas provenientes de arquivos do Paraguai e da Argentina- constituem testemunhos de uma teia de significados que motivaram os atos políticos que foram construindo projetos de nação e de integração regional. A obra, publicada em três tomos, é o resultado de uma pesquisa desenvolvida ao longo de cinco anos, na qual trabalharam historiadores e filólogos argentinos e paraguaios procedentes do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet), da Universidade Nacional de San Martín, da Universidade Católica Argentina e da Academia Paraguaia de História.

FOLHA - Como Alberdi via o Império do Brasil?
BREZZO - Acredito que as idéias de Alberdi sobre o Império do Brasil e, particularmente, sobre a política regional ficam bem definidas no contexto da Guerra da Tríplice Aliança. Ele escreveu, entre 1865 e 1869, seis de suas principais obras que mostram seu universo intelectual em relação ao conflito: "Las Disensiones de las Repúblicas del Plata y las Maquinaciones del Brasil" (março de 1865); "Los Intereses Argentinos en la Guerra del Paraguay con el Brasil" (julho de 1865); "La Crisis de 1866 y los Efectos de la Guerra de los Aliados en el Orden Económico y Político de las Repúblicas del Plata" (fevereiro de 1866); "Tratado de la Alianza Contra el Paraguay" (abril de 1866); "Las Dos Guerras del Plata y su Filiación en 1867" (1867); e "El Imperio del Brasil ante las Democracias de América" (1869). Alberdi atribui a responsabilidade da guerra à ambição brasileira, da qual acusava de cúmplice o presidente argentino Bartolomé Mitre. Por exemplo, no livro "El Império del Brasil ante las Democracias de América", escreve: "O fato é que a questão de fundo que se disfarça com a Guerra do Paraguai se reduz à reconstrução do Império do Brasil". Já no ensaio "Las Dos Guerras del Plata y su Filiación en 1867", Alberdi afirma: "As manifestações de simpatia em relação ao Paraguai durante a guerra não foram insultos à República Argentina, mas, sim, o doloroso e oportuno protesto contra uma aliança que faz dos povos argentinos os instrumentos do Brasil em prejuízo deles mesmos: foram as manifestações a oposição necessária, imposta ao patriotismo argentino pela aliança bastarda com o Brasil".

FOLHA - Como a sra. analisa os novos estudos sobre a guerra e suas repercussões?
BREZZO - Uma observação cuidadosa do movimento intelectual sobre o assunto, neste início do século 21, mostra que, apesar das controvérsias e discussões, das querelas e duelos retóricos e de se ter escrito sobre o tema grande quantidade de livros, a Guerra da Tríplice Aliança continua sendo objeto de pesquisas não só por parte de historiadores dos quatro países que nela atuaram, mas também por pesquisadores de outros lugares -não só no resto da América Latina, mas também nos EUA e na Europa. Uma prova disso são os encontros internacionais sobre a Guerra do Paraguai realizados recentemente em Paris, em Montevidéu e, agora, em Buenos Aires. Nos últimos anos, publicou-se mais de uma dezena de livros que abordam tanto o desenvolvimento militar da guerra quanto aspectos e personagens vinculados diretamente a ela. O resultado é promissor: nas entrelinhas dessa produção recente se percebe o impulso de historiar a guerra de modo novo, que o diferencia das interpretações que nos ofereceram as diversas reconstruções, reinterpretações feitas desde finais do século 19 sobre o tema. Essa produção recente é definida, a meu ver, ao menos por três características: o esforço de superar uma interpretação nacionalista do acontecimento bélico; a inclusão de assuntos considerados tabus, não abordados em trabalhos anteriores; a presença de estudos que mostram a conexão entre a guerra e a cultura.

Francisco Doratioto é professor de história na Universidade de Brasília.

[Folha de São Paulo, 16/11/2008]
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