Apologia de um nazista morto

Os elogios ao ex-primeiro-ministro de Baden e juiz da marinha hitlerista em seu funeral provocam polêmica na Alemanha

José Comas, em Berlim

A chanceler federal alemã, a democrata-cristã Angela Merkel (CDU), censurou neta sexta-feira (13/4) por telefone seu correligionário, o primeiro-ministro de Baden-Wurtemberg, Günther Oettinger, por sua apologia do ex-primeiro-ministro desse Estado alemão e ex-juiz da marinha hitlerista Hans Filbinger, que morreu aos 93 anos em 1º de abril passado. Até depois de morto o chamado "jurista terrível" provoca um escândalo.

Filbinger, como promotor em um conselho de guerra realizado na Noruega sete semanas antes da rendição da Alemanha na II Guerra Mundial, pediu a mudança da condenação do marinheiro Walter Gröger, de 22 anos, que havia desertado, de oito anos para pena de morte. Filbinger em pessoa comandou o pelotão que fuzilou o soldado e certificou sua morte. Quando isso foi descoberto, em 1978, Filbinger teve de se demitir do cargo de primeiro-ministro de Baden-Wurtemberg, sem uma palavra de arrependimento ou de admissão de culpa.

Agora, no funeral solene de Estado na catedral de Freiburg, seu sucessor na chefia do governo estadual, Oettinger (CDU), fez uma apologia de Filbinger em um discurso que supera todos os limites imagináveis da falta de vergonha.

Ele afirmou que Filbinger "não foi um nacional-socialista. Ao contrário, foi um inimigo do regime nazista", que não "pôde evitar as pressões do regime, como tantos milhões". Oettinger afirmou que Filbinger foi obrigado a ser juiz da marinha hitlerista, mas que ninguém morreu por uma condenação sua.

Ursula Gake, 78 anos, irmã do marinheiro executado, criticou o discurso fúnebre de Oettinger e disse que considera Filbinger "o assassino" de seu irmão. O elogio de Oettinger provocou uma onda de indignação na Alemanha. Charlotte Knobloch, presidente da Comunidade Judia, declarou: "Apresentar Filbinger como inimigo do regime nazista é uma perversão da realidade histórica perigosa e nociva aos sobreviventes".

Vários políticos pediram que Oettinger retire suas palavras e se desculpe, ou que se demita do cargo. Até os parceiros de coalizão do primeiro-ministro democrata-cristão, os liberais do FDP, o criticaram. Merkel, consciente do escândalo crescente, pegou o telefone e enfrentou um dos grandes barões da CDU. Disse-lhe que "desejaria que ao lado dos elogios à obra da vida do primeiro-ministro Hans Filbinger também tivessem sido colocadas algumas perguntas críticas relacionadas à época do nacional-socialismo". Merkel considera que isso teria sido necessário, "sobretudo em atenção aos sentimentos das vítimas e dos afetados" pelo nazismo.


El País, 14/04/2007
Tradução:
Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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