Os Beatles ainda reinam quatro décadas depois do fim do grupo

Diego A. Manrique, em Madri(Espanha)

Em 10 de abril de 1971, há 40 anos, era divulgado um comunicado taxativo de Paul McCartney: ele abandonava os Beatles - "por diferenças pessoais, musicais e de negócios" - e o grupo deixava de existir. O anúncio não provocou manifestações de histeria nem lamentos: havia a convicção de que aquilo era um rompante, algo que poderia ser acertado. Impossível imaginar um mundo sem os Beatles: eles haviam pilotado a emancipação dos anos 1960 e não poderiam nos abandonar quando começava uma década incerta. Mas era sério: no último dia de 1970, Paul apresentou uma queixa nos tribunais exigindo a dissolução da empresa comum.

Nas palavras de John Lennon, o sonho havia acabado. O sonho de uma geração inspirada por simpáticos rebeldes procedentes de uma cidade - e de um império - em declínio, o ideal da fraternidade criativa desenvolvida por quatro músicos (e o produtor George Martin, que conduziu sua vertiginosa evolução). Em termos artísticos, a ruptura representou um desastre maiúsculo: nunca se repetiria semelhante alquimia de talento em um grupo pop, tal sincronia de música e mudança social. Foi como o expressou Kurt Cobain vinte anos depois, justificando o enfoque do Nirvana: "Não podemos tocar pop, os Beatles já fizeram tudo".

Se seus dez anos de existência foram extraordinários, não o foram menos as quatro décadas posteriores. As impressionantes vendas dos anos 60 ficaram reduzidas pelo imenso negócio gerado posteriormente. Os Beatles sustentam uma indústria poderosa, reanimada periodicamente por reedições, remasterizações e - proximamente - sua disponibilidade em lojas digitais. Sua Liverpool natal se transformou em um parque temático para maior glória daqueles renegados que fugiram para Londres.

O final do grupo desperta os piores instintos: acelera fobias e filias, permite atacar as mulheres - Yoko Ono, Linda Eastman... - que entraram naquele clube masculino, justifica um maniqueísmo que opõe os artistas aos homens do dinheiro. Ainda dispara abundantes especulações: tudo seria diferente se houvessem retornado aos shows, em condições mais civilizadas do que as que obrigaram a suspender as turnês; talvez tivessem se apaziguado os confrontos se contassem com um árbitro, como foi Brian Epstein até sua morte em 1967.

Seu desaparecimento empurrou McCartney para o timão. Ele morava no centro de Londres, enquanto os outros andavam dispersos por mansões na periferia, sem se sentir especialmente felizes. Ele era o mais social dos Beatles, alguém muito envolvido na contracultura do momento: foi o primeiro a reconhecer que tomava LSD e maconha.

Em julho de 1967, Paul e John, com suas respectivas companheiras, viajaram ao mar Egeu, em nome de um plano eminentemente juvenil: comprar uma ilha na qual os quatro pudessem viver e trabalhar. Nem sequer estavam conscientes de que a Grécia sofria então uma cruel ditadura militar que dificilmente teria tolerado suas peculiaridades. Falamos do mesmo grupo que no início de 1968 iniciou a Apple Corps como uma experiência de capitalismo hippie, com vários negócios que, fora a Apple Records, rapidamente se mostraram ruinosos.

Também foi Paul, apoiado por John, quem decidiu convidar em 1969 uma equipe de filmagem durante a gravação do LP finalmente conhecido como "Let It Be". Hoje sabemos que a experiência foi desastrosa, mas o plano combinava substância e audácia: além de conseguir um filme rentável, esperavam uma catarse regeneradora, ao obrigar-se a criar música diante das câmeras. Anos depois, os membros do Metallica se submeteriam a uma terapia semelhante, da qual saíram fortalecidos e com um documentário memorável, "Some Kind of Monster".

Foi nessas sessões infelizes que George Harrison explodiu. De idade inferior à dos outros, sentia-se menosprezado na hora de dividir o jogo. E também havia embarcado em uma busca espiritual, pela mão do Maharishi Manesh Yoghi, mas só ele persistiu depois da estada na Índia (um retiro paradoxalmente produtivo em termos musicais). George abandonou a gravação, gesto que logo seria repetido por Ringo Starr.

Em seu papel de catalisador do quarteto, Paul McCartney também dava pisões em seu sócio principal. E Lennon estava extremamente sensível: depois de separar-se de sua esposa Cynthia, desejava reinventar-se como criador vanguardista e politicamente ativo ao lado de Yoko. O novo John não tinha paciência para os compromissos necessários em um grupo; considerava os Beatles uma aventura superada, um tempo de pactos e mentiras. Pouco preparado para enfrentar a realidade, deixou-se iludir por um sujeito duro, Allen Klein. Sua insistência em tê-lo como empresário o levaria a uma colisão fatal com Paul McCartney.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
[El Pais, 14/04/2010]
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