Novo estudo revela planos soviéticos para a Terceira Guerra Mundial

Matthias Schulz

Os historiadores alemães estão divididos sobre a importância de um maciço "bunker" da era comunista na antiga Alemanha Oriental. Ele seria usado como posto de comando no caso de uma invasão soviética à Europa Ocidental? Hoje os pesquisadores acreditam que a Europa esteve mais perto do abismo nuclear do que se acreditava anteriormente.

Trafegando em caminhões totalmente fechados, uma equipe de construção militar sob o comando do Exército Nacional do Povo da Alemanha Oriental foi levada a uma remota área de floresta perto de Kossa, no estado da Saxônia, que na época fazia parte da Alemanha Oriental comunista. Eles não podiam ouvir nada, ver nada ou dizer nada - estavam ali só para trabalhar.

Primeiro os soldados montaram 6 km de cerca de aço e instalaram nela 6 mil volts de eletricidade. Os homens fizeram buracos profundos com escavadeiras e neles ergueram paredes de concreto. Depois a instalação subterrânea foi dotada de sistemas eletrônicos.

A fortaleza secreta foi concluída em 1979. Localizada no meio de um campo de arbustos, a instalação consistia em seis casamatas separadas que só podem ser vistas do ar, espalhadas por uma área de 75 hectares e construídas com portas de aço resistente a explosões e chuveiros de descontaminação.

Qualquer pessoa interessada em visitar as instalações hoje deveria usar botas de borracha. A estrada passa por espessas florestas de pinheiros e termina em um portão.

Olaf Strahlendorff, que é o diretor do Museu Militar de Kossa, sai de uma cabana pintada em camuflagem para cumprimentar os visitantes. "Olá", diz. "É daqui que os russos planejavam conduzir a Terceira Guerra Mundial."

Passando por câmaras de ar à prova de gás, o homem desce por uma escada estreita, onde se veem macacões protetores e dosímetros enferrujados. O ar está pesado, cheirando a madeira compensada mofada. Caminhões militares com antenas de satélite estão estacionados dentro de estruturas subterrâneas de 40 metros de comprimento, conhecidas como "tubos para veículos".

Até recentemente, a linha oficial era que essa instalação incomum serviu como abrigo para o comando territorial do Terceiro Distrito Militar do Exército Nacional do Povo, que teria cerca de 90 mil soldados sob seu comando em períodos de guerra.

Linha direta para Moscou
Mas diversos historiadores hoje suspeitam que ela tivesse outro objetivo. Por exemplo, Torsten Diedrich, do Instituto de Pesquisa Histórica Militar, sediado em Potsdam, atribui um papel muito maior à casamata - que as forças armadas alemãs, as Bundeswehr, talvez em uma medida míope, venderam para um taxidermista da África do Sul em 1993. "Kossa era um bunker de comando para o Pacto de Varsóvia", diz Diedrich.

No caso de hostilidades militares, 350 oficiais e oficiais subgraduados, juntamente com uma equipe completa de telecomunicações de 250 especialistas, poderiam ter-se servido nesse posto fortificado, semelhante a uma prisão, onde teriam comandado um exército de milhões rumando para a Europa Ocidental.

Ainda hoje há telefones empoeirados na casamata. Antenas subterrâneas se estendem sob o solo da floresta. O bunker tinha linhas diretas para Moscou. Usando estações de rádio troposféricas, eles poderiam enviar mensagens mesmo através de grandes clarões atômicos.

Mas isso teria sido suficiente para a batalha final? Alguns especialistas continuam céticos. "Eu acho um pouco pequeno demais para um centro de comando na linha de frente", diz o historiador do Bundeswehr Heiner Bröckermann.

Estruturas misteriosas
Por trás da controvérsia há um problema fundamental. Embora os filmes de Hollywood costumem retratar os rudes marechais soviéticos com os dedos prestes a apertar o botão vermelho, nenhum historiador contemporâneo pode dizer com qualquer grau de certeza onde se localizariam os postos de comando de uma guerra nuclear.

Quando os soviéticos se retiraram da antiga Alemanha Oriental, deixaram para trás um grande número de estruturas defensivas e campos de treinamento militar contaminados, mas ninguém sabe exatamente qual era o objetivo dessas instalações.

O que está claro, porém, é que no caso de uma guerra o líder alemão-oriental Erich Honecker teria se refugiado em Prenden, perto de Berlim, onde o Politburo tinha montado um vasto bunker fortificado, com uma cozinha completa e banheiro. Mas qual era o objetivo dos outros 1.200 bunkers da Alemanha Oriental?

Hoje em dia, caçadores de tesouros armados de detectores de metais ocasionalmente vasculham as câmaras subterrâneas mofadas. Algumas das estruturas desmoronaram ou estão cheias de água. Outras foram transformadas em museus.

Cogumelos já brotaram no posto de comando de Kreien. Enquanto isso, em Mosel, perto de Zwickau, um antigo quartel-general do Exército Nacional do Povo hoje abriga uma instalação para testes de motores da Volkswagen. "Os arquivos russos continuarão selados por mais 70 anos", diz Diedrich, "e por isso não sabemos o suficiente para decifrar o objetivo desses prédios."

No entanto, pode-se deduzir um bocado sobre o formato geral dos cenários russos para uma guerra mundial entre os blocos oriental e ocidental.

Quando diversos arquivos foram abertos depois do fim da Guerra Fria, o mundo ficou sabendo que o exército soviético estava preparado para pegar o Ocidente de surpresa com um ataque decisivo. A Europa esteve mais perto do abismo nuclear do que muitos imaginavam.

É verdade que os planejadores militares do bloco oriental sempre trabalharam com base na suposição de que uma "agressão" viria da Otan. No entanto, teria bastado para os soviéticos descobrir evidências seguras de um ataque iminente para que o comando geral ordenasse um ataque nuclear preventivo.

Esse ataque foi planejado para ser rápido e surpreendente. "Eles estavam determinados a conduzir a guerra no território do adversário", diz o historiador contemporâneo Harald Nielsen.

Para se preparar para a eventualidade de um conflito militar em plena escala, os mais graduados militares de Moscou dividiram o mundo em 14 "teatr voiny" ("teatros de guerra"), que se estendiam do Extremo Oriente ao oceano Ártico.

O Kremlin previu os combates mais pesados na Europa Central. A região tem "importância econômica destacada e particularmente grandes reservas de pessoas", notou o ex-comandante e chefe do Pacto de Varsóvia Andrei Grechko.

Isto levou a aliança comunista a manter cem maciças divisões (aproximadamente 2 milhões de soldados) de prontidão para o "teatro de guerra ocidental". Somente no território da Alemanha Oriental os russos tinham 7 mil tanques, 6.500 transportes de pessoal blindados, 700 aviões e 31 depósitos de ogivas nucleares.

Procedimento rápido
No momento em que a ordem fosse emitida, tudo aconteceria extremamente rápido:

 * No norte, o exército polonês deveria avançar e chegar à península da Jutlândia, perto da Dinamarca, em 6 dias;
 * A frente sudoeste (reforçada por unidades checas) deveria marchar para o estado da Baviera, no sul da Alemanha;
 * Caberia à "frente central", apoiada por divisões da Guarda Soviética, romper a fronteira em Helmstedt e avançar para a região do Ruhr e da Lorena na França.

Durante os primeiros 90 minutos, esse ataque por terra teria sido acompanhado de uma chuva de ogivas convencionais e nucleares destinadas a milhares de alvos predeterminados.

Instalações da Otan, aeroportos e centros de comunicações, gabinetes de governo, usinas de energia e cruzamentos de tráfego até o rio Reno seriam reduzidos a cinzas. Mapas de campanha do Pacto de Varsóvia hoje acessíveis têm círculos vermelhos sobre as cidades de Antuérpia, Amsterdã, Bremen, Cuxhaven, Emden e Munique.

"Rolo compressor"
Então os tanques seriam despachados. "Os soldados atacantes deveriam atingir as margens do Reno antes que qualquer um demonstrasse sintomas de radiação", diz o historiador polonês Pawel Piotrowski. O plano então era substituir essas tropas contaminadas por radiação por unidades do "Segundo Esquadrão Estratégico". As autoridades da Otan chamavam isto de "rolo compressor polonês-soviético".

Uma campanha tão colossal teria exigido uma sala de guerra - um centro nevrálgico para coordenar os vários exércitos, forças de ar e terra e brigadas de mísseis. Mas onde ele se localizava?

O que os historiadores sabem é que se uma grande guerra tivesse irrompido na década de 1970 o comandante em chefe das Forças Armadas Unidas do Pacto de Varsóvia, Leonid Brejnev, teria se deslocado para uma casamata perto de Moscou. É para lá que as linhas de comando teriam convergido.

Em Legnica, na Polônia, a 20 km a leste do rio Oder, que corre pela fronteira polonesa-alemã, foi localizado um posto avançado de comando que teria sido o quartel-general de coordenação de toda a Europa. Ao todo, 300 generais e 60 mil soldados estavam constantemente estacionados lá.

Esconderijo
Nesse posto de comando ficava longe demais, porém, para um ataque-relâmpago lutado na região entre os rios Elba e Reno. Além disso, documentos mostram que o comando operacional para esse grande assalto ao Ocidente ficaria nas mãos do alto comando das forças armadas soviéticas na Alemanha.

Os principais comandantes dessa unidade viviam em uma base militar em Wünsdorf, ao sul de Berlim, embora durante um estado de alerta reforçado eles teriam fugido imediatamente para outro local. O sigilo da base havia sido violado - a Otan a havia localizado.

Para onde teriam ido os principais oficiais? Que esconderijo teriam escolhido para uma guerra nuclear? Essa é a pergunta chave.

Hans-Albert Hoffmann, um ex-tenente-coronel do Exército Nacional do Povo, acha que sabe para onde eles teriam rumado. Ele supõe que o staff da frente, que incluía até mil oficiais, teria passado fugido discretamente durante a noite e rumado para "Möhlau ou Schwepnitz".

Os nomes representam duas instalações militares soviéticas que nunca foram usadas em tempo de paz e eram mantidas estritamente secretas. A instalação de Möhlau está fechada hoje, depois de ter sido demolida com explosivos. Schwepnitz - que nunca foi totalmente explorada - tem dois níveis subterrâneos e está inundada de água da chuva.

Falkenhagen, no estado alemão de Brandemburgo, é muitas vezes citado como o antigo centro de comando de guerra nuclear da Alemanha Oriental. Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas construíram uma usina química dentro do bunker de concreto.

Ideal para atacar o Ocidente
Hoje outro local chamou a atenção das pessoas: Kossa. "Sua localização geográfica teria tornado o bunker ideal para o grande ataque contra a Europa Ocidental", diz Strahlendorff. Além disso, a Otan nunca descobriu a instalação.

Outro fato que sustenta essa teoria é o de que Kossa estava praticamente lotado de material eletrônico para comunicações. A instalação tinha até um computador "mainframe" AP3, feito pela fábrica alemã-oriental Robotron. Tecnologia de vídeo sofisticada teria possibilitado enviar planos de batalha diretamente para a frente.

Mas ainda há dúvidas. Alguns especialistas dizem que a casamata na Saxônia é simplesmente pequena e desconfortável demais. Os banheiros parecem demasiado espartanos. "Um general jamais teria se sentado em um destes", diz Bröckermann. A construção também não tinha uma cozinha adequada: em uma emergência, a elite militar de Moscou teria de comer bolachas e carne enlatada.

Por outro lado, eles certamente não pretendiam usar o posto de comando por muito tempo. Segundo seus planos, os soviéticos pretendiam atingir o Reno em sete dias - e o Atlântico em 12.

Milhares de vítimas
Também há acordo sobre o fato de que na antiga Alemanha Oriental a instalação esteve plenamente operacional a todo momento. Uma equipe de 48 técnicos recrutados mantinha o equipamento, todas as salas aquecidas e garantia que a cerca elétrica estivesse ligada - o que representou um consumo elétrico anual de 345 mil kWh.

Todos esses esforços foram - felizmente - inúteis. O inferno nuclear nunca foi lançado.

No entanto, o bunker foi responsável por um grande número de vítimas - animais silvestres. Como explica Strahlendorff, "milhares de coelhos e cervos morreram na cerca elétrica".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
[Der Spiegel, 11/04/2010]
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