Cientista muçulmano explica como os islâmicos receberam a teoria da evolução de Darwin

Astrofísico argelino, Nidhal Guessoum é professor na universidade americana de Sharjah (Emirados Árabes Unidos). Ele se apresenta como um "cientista muçulmano". Sua obra, "Réconcilier l'Islam et la science moderne: l'esprit d'Averroès" [Reconciliar o Islã e a ciência moderna: o espírito de Averróis], acaba de ser publicada pela Presses de la Renaissance.

Le Monde - Como os fiéis muçulmanos recebem a teoria da evolução de Darwin, e qual a sua abordagem ao criacionismo?
Nidhal Guessoum - Não existe no Corão um capítulo como Gênesis, no Antigo Testamento. Mas ali se diz que Adão foi criado a partir da argila, e a maioria dos muçulmanos pensa que se diz que Adão e Eva estavam no paraíso antes de sua queda na Terra. É por isso que a teoria da evolução raramente é ensinada nos países muçulmanos. Mesmo na França, muitos jovens muçulmanos possuem esse tipo de convicção, e se eles aprendem a teoria da evolução na escola, eles permanecem em uma certa esquizofrenia: "Eu lhes respondo segundo a evolução porque está no programa, mas não é o que eu penso". Eu me esforço para explicar que não só a teoria da evolução está correta, como ela também pode ser aceita de maneira compatível com a fé. Essa tarefa é difícil, pois os crentes não aceitam a ideia de que os escritos do Corão devem ser interpretados quando discutimos fatos já estabelecidos.

No que diz respeito ao criacionismo, existe uma aliança objetiva entre os movimentos criacionistas americanos e a organização BAV do famoso turco Harun Yahya, autor de um Atlas da Criação muito divulgado, inclusive na França. Esse promotor do criacionismo muçulmano pelo mundo se inspirou em métodos de seus correspondentes americanos para propagar suas ideias.

Le Monde - Falando de forma mais ampla, de que maneira os muçulmanos fazem a articulação entre o Corão e a ciência?
NG - Existe hoje uma vasta literatura islâmica que valoriza a demonstração de que muitas descobertas científicas modernas estão registradas no Corão. Programas de televisão, livros e sites da Internet são dedicados a esse tipo de discurso, inclusive em francês e em inglês. A geração de jovens é fortemente atraída por esses discursos populistas que parecem lhe conferir uma identidade ao mesmo tempo islâmica e "moderna", uma vez que a ciência lhes "confirma" a origem divina do Corão.

Essa corrente que mescla a teologia e a cultura é tão dominante hoje em dia no mundo muçulmano, que me pedem com frequência que eu utilize meu conhecimento em astrofísica para encontrar novas ligações entre o Corão e as descobertas cósmicas... No ano passado, durante um colóquio na Argélia, um alto dirigente político afirmou que "muitos pesquisadores e estudiosos acabaram admitindo que suas proezas e invenções certamente existem no Corão!"

Le Monde - O senhor pode nos dar exemplos sobre os quais se fundamentam os pregadores para sustentar essa "teoria"?
NG - O versículo "Juro pelas estrelas que correm e se escondem" indicaria a existência dos buracos negros; "Juro pela estrela que aparece (às vezes)", falaria dos pulsares. O mesmo vale para a embriologia, os lasers, o fax, etc.
Tudo isso é ainda mais paradoxal porque o Corão chama explicitamente os fiéis para que observem, usem os sentidos e a razão para adquirir a ciência, e não para que dissequem os versículos, extraindo de lá "descobertas" imaginárias.

Le Monde - Essa teologia tem um fundamento político?
NG - Digamos que seja mais político-cultural; esses discursos fazem bem às pessoas porque a ciência provaria, dessa forma, que o Ocidente não descobriu nada, que tudo já estava escrito no Livro Sagrado. Que o Islã possui até uma superioridade científica. Também seria confirmada a origem divina do Corão, pois só Deus poderia ter ditado, 1400 anos atrás, verdades científicas descobertas muito recentemente.

Le Monde - E como responder a essa tendência?
NG Em meu livro, eu apelo ao "espírito de Averroes". Esse grande pensador do século 12 mostrou como poderia acontecer a harmonia entre o Islã e a filosofia. Ele partia do princípio que existe uma maneira de ler o Corão que não se opõe à razão e não pretende substituí-la. É preciso fazer o mesmo com a ciência, como Pierre Teilhard de Chardin fez pelos cristãos. Trabalhar com essa harmonia permite que se lute contra o obscurantismo, e isso evita qualquer leitura literal dos textos. Essa abordagem é absolutamente necessária para a geração de jovens muçulmanos. Eles devem saber que não é necessário ser fundamentalista para ser um bom muçulmano, e que ser moderno não exige que se rejeite a religião.

Entrevista a Stéphanie Le Bars - Tradução: Lana Lim

[Le Monde, 07/02/2009]
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