Bushlândia, bem próxima da capital da Albânia

Com a vitória de Obama, um coro de vozes críticas se levanta em todo o mundo para renegar o reinado de George W. Bush.

Em todo o mundo? Não! Na pequena cidade de Fushe Cruje, a 40 minutos de Tirana, capital da Albânia, a população resiste. "Para mim é um horror tomar o café na mesma sala em que Bush tomou", escreveu o chefe de polícia local no livro que o dono do Bar Cela - hoje rebatizado Bar Bush - conserva em cima de uma mesinha para que os clientes escrevam as impressões que lhes causa sentar-se na mesma cadeira em que esteve George W. Bush.
Foi em 2007 quando, a caminho de Kosovo, o presidente americano passou na Albânia 6 horas e 4 segundos, e quase a metade desse tempo passou em Fushe Cruje.
Aqui, no bar do senhor Luan Cela, Bush e sua mulher, Laura, tomaram café e partiram com um pequeno grupo de albaneses escolhidos - um pastor de ovelhas, uma padeira, uma costureira, uma cigana e um barbeiro. A cadeira onde ele se sentou, forrada de azul, repintada de marrom para a ocasião, tem hoje no encosto a inscrição "Presidente Bush". É o "lugar sagrado", como chama Astrid Xhafer, embora seja o agente da polícia criminal, Ardion Bajaj, quem escreve no livro de visitas as palavras mais sentidas: "Dois deuses há no mundo. Um é o deus do céu. E o outro, o presidente dos EUA na terra", escreve, superando os elogios de seu antecessor.
Festim Cela, filho do dono do bar, afirma que os albaneses devem ser a população do mundo que mais ama os EUA - "a América", dizem, e nunca Estados Unidos. "É a terra prometida, algo que vem de geração em geração."
Não que a América lhes tenha correspondido. Pelo contrário, pois os abandonou às experiências do Banco Mundial durante os anos 1990 (com o histórico colapso da "crise piramidal" e uma revolta que destruiu o país e armou a população depois de saquear os quartéis). E voltou a abandoná-los quando a Otan, depois de intervir em Kosovo, deixou a Albânia à própria sorte.

Mas os albaneses não se mostram ressentidos e compensam seu isolamento e solidão com a independência de Kosovo. "Bush nos devolveu Kosovo, por isso lhe queremos tão bem", diz Fastim Cela. Por isso e porque Bush teve o detalhe de visitá-los, a primeira vez que um presidente dos EUA viajou à Albânia. A estada foi um pouco acidentada, e persiste o mistério de se alguém roubou o relógio de Bush - um belo relógio que pode ser visto nas fotos da primeira parte de sua visita, quando entra no bar Cela, quando cruza a rua até a padaria de Klarita Topi, onde comprou um pão de milho -, mas desaparece depois que ele sai da padaria e submerge em um banho de multidão.

Aqui todos negam o furto, mas ninguém esquece as palavras do presidente Sali Berisha quando visitou a cidade, alguns dias depois, e perguntou: "Onde vocês meteram o relógio?" Naquele dia glorioso - "10 de junho de 2007", como rezam as placas comemorativas no bar e na padaria -, foi Fastim Cela quem teve a honra de servir o café a Bush. E quis deixar as coisas claras porque se disse, se publicou, "se difamou" que o café não era dele, que o café tinha vindo diretamente do "Air Force One". "A única coisa que os americanos fizeram foi me levar alguns dias antes uma cafeteira para café filtrado. Bush não gosta do café expresso. Mas o café era meu, do que compro em Tirana. O preparei 15 minutos antes e o coloquei em uma garrafa térmica para que não esfriasse."

Confiaram em você? "E na minha família. Alguns dias antes vieram me interrogar. Perguntaram se eu tinha algo contra Bush e se queria lhe causar mal. Eu? Nós amamos Bush! Como não iam confiar?"
Luiza Mukaj, a costureira, foi outra das pessoas que estiveram no bar com Bush. Todos os reunidos são pequenos empresários que haviam obtido um microcrédito de uma ONG americana. "Me pareceu um homem muito próximo, ele e sua mulher. Interessou-se por minha família, pelas crianças. E quis saber como é utilizado o dinheiro do povo americano."Ficou contente?"Muito, porque devolvemos o dinheiro que nos deixaram. Pagamos todas as prestações."

A vida de Luiza é a vida comum de uma mulher albanesa. Uma vida dura. Durante o comunismo trabalhava em uma fábrica de peças para tratores e máquinas agrícolas. Viviam oito pessoas em um único cômodo. Em 1990 a fábrica foi destruída pelos trabalhadores porque o governo não pagava os salários. Não ficaram nem os vidros. Seu marido, motorista do exército, perdeu o emprego. Passaram dez anos vivendo mal, passando fome e, durante a violência de 1997, tiveram de dormir com um Kalashnikov - que roubaram - embaixo da cama, todos no corredor porque as balas entravam pelas janelas. Um dia decidiu comprar roupa velha dos ciganos, a costurava, arranjava e vendia como nova. E assim virou "modista". Mas agora tem medo. Medo do clima de terror e extorsão que reina em sua cidade sem lei, onde todo mundo anda armado. E do futuro.

"No dia seguinte de tomar café com Bush", diz, "fui à embaixada pedir um visto. Não me deram. Aqui tenho medo."
A anciã Thomaida é a bushista mais entusiástica do povoado. Bush a abraçou na rua e lhe disse: "Você se parece com minha mãe". Agora todos a chamam de "a mãe de Bush". Seus filhos a viram pela televisão da Itália e da Grécia e a cumprimentaram. "Caramba", ela diz, "me explicaram que era o presidente dos EUA. Dou graças a Deus por minha sorte."

Bru Rovira - Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

[La Vanguardia, 06/02/2009]
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