Como ocorreu a revolução republicana nos Estados Unidos

Daniel Vernet, em Ripon, Wisconsin

Ao longo de um século e meio, a "pequena escola branca" não mudou. A madeira pintada da parte externa continua querendo lembrar o mármore dos palácios gregos ou romanos. A antiga estufa segue instalada no meio da sala quadrada, a única dependência desta construção, e as carteiras permanecem alinhadas em volta dela. Ela foi construída em 1853 para o vilarejo de Ripon, que contava então 200 habitantes. A escola tornou-se um museu, que vem sendo conservado rigorosamente por dois devotos de Abraham Lincoln (1809-1865, o 16º presidente dos Estados Unidos), por ela ter sido o palco, em 1854, da primeira reunião daquilo que iria tornar-se o Partido Republicano.

Naquela época, o país estava travando um grande debate a respeito da escravidão. Dois anos antes, em 1852, fora publicado "A Cabana do Pai Tomás" (da escritora Harriet Beecher Stowe, 1811-1896), um livro publicado inicialmente em forma de novela pelos jornais, e que comoveu a América. A escravidão reinava então nos Estados do Sul. O Norte fora poupado desta praga, mas, o que aconteceria nos novos Estados que estavam se constituindo aos poucos, à medida que os pioneiros seguiam conquistando as terras dos índios no Centro e no Oeste? A lei Kansas-Nebraska visava a deixar que os habitantes dos novos Estados exercessem seu direito de decidir se eles aceitavam ou não a escravidão em seu território. Esta determinação deixou os abolicionistas indignados.

Reuniões foram realizadas por toda parte no Norte da União. Ripon é uma localidade vizinha de Ceresco, uma comunidade fundada, em 1844, por discípulos do filósofo francês Charles Fourier (1772-1837). Em 20 de março de 1854, eles se reuniram na "pequena escola branca". Lá estavam, acotovelados em volta da estufa à lenha, cerca de cinqüenta homens e três mulheres com uma criança. Eles decidiram que, caso a lei Kansas-Nebraska fosse adotada, eles fundariam um novo partido, cujo único objetivo seria de impedir a expansão territorial da escravidão. Ele se chamaria de Partido Republicano, conforme uma recomendação que fora feita por Horace Greeley, o editor do "New York Tribune".

Lincoln não esteve presente na reunião de Ripon. E tampouco fora visto alguns meses mais tarde em Jackson (Michigan), uma cidade que também reivindica até hoje o título de berço dos republicanos. Em 6 de julho, uma convenção foi convocada para reunir os adversários da escravidão, ou, mais exatamente, da sua propagação. "Uma vez que no dia da convenção o calor era intenso e que a imensa multidão não poderia caber naquela sala, a reunião foi transferida para Oak Grove, nos arredores de Morgan's Forty, nos subúrbios da cidade. Lá, uma amostragem de candidatos na escala nacional foi escolhida. O Partido Republicano havia nascido", explica uma placa na encruzilhada da Franklin com a Second Street. Em 8 de novembro de 2007, John McCain, que ainda não passava de um pré-candidato à investidura republicana para a eleição presidencial, apareceu no local para pronunciar um discurso, "debaixo dos carvalhos".

"O Partido Republicano é um fenômeno único em nossa história política", escreve o cientista político Wilfred Binkley, "pelo fato de ele ter nascido espontaneamente, sem a ajuda de um líder inconteste, como Washington [George Washington, 1732-1799, o 1º presidente] para os federalistas; ou como Jefferson [Thomas Jefferson, 1743-1826, o 3º presidente] para os primeiros republicanos, ou Jackson [Andrew Jackson, 1767-1845, o 7º presidente] para os democratas, ou ainda Clay [Henry Clay, 1777-1852, homem político] para os whigs [Partido liberal de direita, fundado em 1833]". E, ao mesmo tempo, ele é o primeiro partido moderno que, a partir do triunfo durante a guerra civil, dominará a vida política americana até o final do século 19.

Aparentemente, a política americana vem se estruturando desde aquela época em torno dos dois principais partidos, o Partido Republicano e o Partido Democrata. Contudo, esta estabilidade esconde de fato transformações profundas. Os especialistas distinguem cinco sistemas, que se diferenciam entre si, sobretudo, pelo lugar ocupado pelos partidos terceiros, vinculados a uma orientação extrema ou a fortes personalidades. Por mais que essas pequenas agremiações, quase sempre efêmeras, chegaram a perturbar o sistema, elas nunca conseguiram representar uma ameaça séria contra ele.

Os primeiros tempos haviam sido complicados. Na União que estava nascendo, as divisões políticas se criavam e se desfaziam no âmbito de uma mesma opinião, a qual era chamada na Europa de "liberal". Conforme escreveu em 1950 o sociólogo Lionel Trilling, "o liberalismo não é apenas a tradição intelectual dominante [nos Estados Unidos], como é até mesmo a única". A distinção entre esquerda e direita, entre reformistas e conservadores, se define a partir da interpretação e da implementação de princípios idênticos, aqueles que foram incluídos na Declaração da Independência e na Constituição. Os partidos trocam de nome e de programa, adotando em muitos casos os dos seus adversários derrotados. Entretanto, uma divergência, que permeia a história americana como um todo, opõe os partidários de um governo central forte aos partidários dos direitos dos Estados federados. Enquanto os primeiros eram chamados de federalistas, os segundos, antifederalistas, haviam adotado com Jefferson o nome de republicanos, mudando pouco depois para democratas republicanos, e, por fim, para democratas, uma vez que não existiam monarquistas aos quais eles deveriam se opor na qualidade de partidários da República!

Em meados do século 19, a defesa da escravidão, encampada pelos democratas, e a ênfase dada aos direitos dos Estados costumam ser associadas numa causa comum. E, inversamente, muitos adversários da escravidão, e, sobretudo, da sua difusão nos novos Estados, estão decididos a priorizar a União e o governo central.

Abraham Lincoln é um destes últimos. Ele opta por aguardar durante dois anos, até a vitória de 1856 para se juntar ao Partido Republicano, em torno do qual vão se reunindo aos poucos simpatizantes dos Whigs (do nome do partido reformista na Inglaterra), federalistas, membros do Partido do Solo Livre (Free Soilers), além de democratas que se opõem à escravidão. Lincoln faz constantemente referências a Jefferson e à Declaração da Independência, a qual ele considera como um instrumento da democracia, e não uma teoria formal.

Um herói da luta contra a escravidão, Lincoln é um homem de personalidade complexa, "o primeiro autor da sua própria lenda e o maior dos dramaturgos" da sua própria vida, conforme escreveu o melhor observador dos partidos políticos americanos, Richard Hofstadter. Antes de ser eleito presidente dos Estados Unidos, em 1860, ele tornou-se célebre por conta de ardorosos discursos e dos seus debates com Stephen Douglas, um senador democrata que também acalentava o sonho de se tornar o ocupante da Casa Branca. Em Springfield - hoje a capital do Illinois, onde Barack Obama lançou a sua campanha em 10 de fevereiro de 2007, dois dias antes do aniversário do nascimento de Lincoln -, e depois, alguns dias mais tarde, em Peoria, Lincoln assume posição contra a lei Kansas-Nebraska, que é defendida por Douglas com o objetivo de atrair a simpatia dos democratas do Sul.

Lincoln não é o que se pode chamar propriamente de um abolicionista: libertar os escravos e enviá-los de volta para a Libéria? Ou libertá-los e fazer deles os iguais do homem branco? "Os meus próprios sentimentos não admitem nenhuma dessas possibilidades", diz. Entretanto, ele não aceita que a escravidão se dissemine rumo ao norte e ao oeste da União, isso porque "a maior parte da humanidade considera a escravidão como um grande mal moral". Não é apenas uma questão de princípios, mas também de eficiência. "Os novos Estados devem ser os refúgios dos homens brancos livres. E isso não será possível se a escravidão se disseminar"; isso porque "os Brancos pobres logo estarão ameaçados de sofrer a destino dos Negros", declarou o futuro presidente em Peoria, num discurso que durou três horas.

Num dos morros que dominam a cidade, um busto comemora este momento histórico, durante o qual, segundo a reportagem de um jornal local, "Abraham Lincoln estava com as mangas da camisa levantadas quando ele subiu à tribuna. Pude constatar", prossegue o jornalista, "que, embora estivesse um pouco sem jeito, ele não estava nem um pouco constrangido. Ele começou falando lentamente e com hesitação, mas em momento algum cometeu qualquer erro nem se confundiu com palavras, datas ou fatos. Era evidente que ele dominava seu assunto; que ele conhecia profundamente o que ele iria dizer, e que ele sabia que estava com a razão".

Alguns anos mais tarde, por ocasião dos seus debates com Douglas, Lincoln retomaria esses argumentos, os quais ele chegou a resumir numa carta a Horace Greeley: "Tudo o que andei fazendo a respeito da escravidão e das pessoas de cor, eu o fiz porque acredito que isso possa ajudar a salvar a União". Animado por esta vontade de "salvar a União", ele joga-se de cabeça na guerra contra os secessionistas do Sul. Esta constitui um meio para unir o Partido Republicano - o qual ele enxerga então como uma "casa dividida contra ela mesma, composta por elementos estrangeiros uns para os outros, discordantes e até mesmo hostis uns aos outros" -, abolicionistas e partidários da escravidão, além de fazendeiros e de operários, ou seja, um conglomerado que simboliza a situação, na época, dos partidos políticos americanos.

No século 20, as imagens dos dois partidos, Republicano e Democrata, acabarão se invertendo, mas, durante os anos 1850-1860, o GOP (Grand Old Party) desponta como o defensor do governo central, o dos "negro worshippers" (adoradores dos negros) ou "black republicans" (republicanos negros) e da população pobre. O GOP, no começo, apareceu como o partido da mudança radical, lembra Robert Dallek, autor da biografia de um grande número de presidentes americanos. Depois, a sua imagem e a sua natureza mudaram. Com o fim da guerra civil, os republicanos perderam o único tema que contribuía para garantir a sua unidade, a luta contra a escravidão, e, da mesma forma, a motivação que lhes servia como impulsão moral.

No final do século 19, com a chegada maciça dos imigrantes, a industrialização, e a expansão da pobreza, o "partido de Lincoln" abandonou o terreno, deixando-o para os democratas, os quais se lembraram de que nos primórdios o seu partido havia sido o "partido do homem simples" (Jefferson), contra os federalistas, elitistas. Enquanto os republicanos transformavam sua agremiação no partido do "big business" no Norte, a pátria política dos WASP (White Anglo-Saxon Protestant, protestantes brancos anglo-saxões), os democratas cuidavam de integrar os imigrantes pobres vindos da Europa, enquanto conservavam sua base racial no Sul.

A confusão das mensagens ideológicas é uma constante na vida dos partidos políticos americanos. Ela ressurgirá algumas décadas mais tarde, no embate entre duas figuras dos republicanos e dos democratas, Théodore e Franklin Roosevelt, dois homens que "se detestavam cordialmente" e que, contudo, tinham muito mais em comum do que eles próprios pensavam.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

[Le Monde, 01/08/2008]
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