As autoridades francesas recusam-se a responder às acusações de Ruanda

Philippe Bernard e Arnaud Leparmentier

Todos combinaram de antemão o que iriam dizer e fazer: nada de reações espalhafatosas. Os dirigentes em Paris optaram por se mostrarem discretos, quase que indiferentes depois da publicação do relatório ruandês no qual a França é acusada de ter participado do genocídio dos tutsis em 1994. O objetivo é de não atrapalhar uma eventual retomada do diálogo com Ruanda, um processo que foi iniciado quando o presidente Nicolas Sarkozy se reuniu com o seu homólogo Paul Kagamé, em dezembro de 2007.

Vale lembrar que o ministério francês das relações exteriores qualificou de "inaceitáveis", na quarta-feira, 6 de agosto, as acusações ruandesas e questionou "a objetividade" da comissão de inquérito ruandesa. Mas, no site na Internet do ministério, o comunicado é ilustrado com uma foto de Bernard Kouchner (o atual ministro desta pasta) na qual este aperta a mão do presidente ruandês.

Aliás, o ministério francês das relações exteriores lembra que a sua "determinação a construir uma nova relação com Ruanda, muito além desse passado difícil, permanece intacta". A trégua das férias de verão fez com que as autoridades francesas não precisassem mostrar muito empenho, no momento em que o noticiário relativo às relações franco-ruandesas deverá ser rapidamente abafado pelos Jogos Olímpicos de Pequim. O executivo francês decidiu que o ministério das relações exteriores seria a única entidade autorizada a expor a posição oficial do governo, por ocasião de sua coletiva de imprensa cotidiana.

Bernard Kouchner recusou-se a fazer todo e qualquer comentário pessoal. "O governo não quer dar a impressão de que ele atribui uma importância excessiva a este relatório, e prefere evitar atiçar a polêmica", explicam assessores do ministro. A presidência, por sua vez, não fez nenhuma declaração política, enquanto a sua assessoria aconselhou os interessados a consultarem os técnicos especialistas no dossiê. Apenas o ministro da defesa, Hervé Morin, manifestou-se, denunciando durante entrevista a Radio France Internationale, na manhã de quinta-feira, "um processo insuportável para a memória dos militares franceses" que "salvaram milhares de vidas humanas dentro de condições abomináveis".

Sublinhando a "dimensão política" do relatório ruandês, no qual a sua atuação durante os eventos é questionada, o general Jean-Claude Lafourcade, que foi o comandante da operação "Turquesa", qualifica este documento de "uma trama de mentiras" e denuncia "a manipulação da boa-vontade das testemunhas" por parte de Ruanda. "250 jornalistas e cerca de mil humanitários se encontravam na área dos conflitos. Vocês acham mesmo que eles não teriam visto nada?", declarou, em entrevista ao "Le Monde".

As outras personalidades cuja atuação foi questionada, tanto as de direita como de esquerda, se mostraram mais discretas. Hubert Védrine, que era o secretário-geral da presidência em 1994, referiu-se a um texto de sua autoria que já foi publicado, no qual ele qualifica de "monstruosas (...), absurdas (...), mas, sobretudo falsas" as acusações proferidas pelas autoridades de Kigali. Contatado pela agência de notícias AFP, o antigo ministro das relações exteriores Alain Juppé preferiu remeter seu interlocutor a um artigo de opinião que ele postou no seu próprio blog em janeiro. Por sua vez, Edouard Balladur, que na época era o primeiro-ministro, nomeado por François Mitterrand, não quis se manifestar.

"Tentar convencer as pessoas de que a França participou da preparação de um genocídio é simplesmente monstruoso", declarou Paul Quilès, que foi o presidente em 1998 da Missão de Informação Parlamentar sobre Ruanda. "Tudo o que nós pudemos comprovar, foi que erros foram cometidos na época, os quais foram apontados em nosso relatório".

A associação "Survie" (Sobrevivência), especializada na denunciação da "Françáfrica" (o suposto neocolonialismo francês neste continente) foi a única a defender o relatório ruandês. Ela considera "indispensável que a França crie uma comissão de inquérito parlamentar".

Ruanda rompeu suas relações diplomáticas com a França em novembro de 2006, depois da decisão do juiz Bruguière que acusou o presidente Kagamé de envolvimento no assassinato do seu predecessor. O magistrado antiterrorista havia emitido então nove mandatos de prisão contra dirigentes ruandeses. Paralelamente, a justiça espanhola lançou mão de outras acusações, as quais colocaram entraves na liberdade de viajar de vários dirigentes ruandeses. As autoridades de Paris enxergam no relatório ruandês "uma resposta direta a essas perseguições", informaram assessores da presidência francesa.

Em Kigali, a ministra ruandesa da informação, Louise Mushikiwabo, explicou numa declaração que "o governo pediu às autoridades judiciárias ruandesas para se valerem deste relatório. Nós esperamos que um processo judiciário decorra da sua publicação". Contudo, segundo assessores franceses, "nenhuma dessas providências se mostra contrária à vontade comum de tentar resolver a situação. Os ruandeses estão tentando tomar a iniciativa nas discussões para alcançarem uma posição de força, de modo que nós reduzamos nosso nível de agressividade para com eles".

Em relação ao fundo da questão, as autoridades francesas, que se recusaram a se reunirem com os autores do relatório ruandês quando estes estiveram na França em fevereiro de 2007, avaliam que nenhum relatório conseguiu comprovar que houve uma participação direta dos soldados franceses em quaisquer exações.

Tradução: Jean-Yves de Neufville
[Le Monde, 08/08/2008]
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