Humano "primitivo" foi 1º a deixar África

Novos fósseis de 1,77 milhão de anos da Geórgia indicam que "Homo erectus" era mescla de traços arcaicos e modernos
Migrante pioneiro tinha corpo e cérebro de gênero mais antigo de hominídeo, mas pernas já adaptadas a andar grandes distâncias

RICARDO BONALUME NETO

Depois de crânios, foram achados outros ossos dos mais antigos humanos a viverem fora da África, no sítio de Dmanisi, Geórgia. O esqueleto mais completo mostra, no entanto, que esses pioneiros não eram tão humanos como se pensava.
Os fósseis de Homo erectus de 1,77 milhão de anos de Dmanisi têm características primitivas que lembram os ancestrais "homens-macaco", os australopitecinos -como corpo e cérebros pequenos, ou a forma dos braços. Tinham em média 1,5 metro de altura.
Mas também têm uma morfologia moderna das pernas e "indicativa da capacidade de viajar longas distâncias", afirmaram os autores da descoberta, relatada na edição de hoje da revista científica "Nature" por David Lordkipanidze, do Museu Nacional da Geórgia, e mais 17 colegas.
O Homo erectus é a primeira espécie conhecida do gênero humano a migrar da África para a Ásia e a Europa.
Os restos incluem ossos de pernas, braços e coluna e pertencem a três adultos e um adolescente. Antes tinham sido achados três crânios; o menor tem 600 centímetros cúbicos de volume, cerca de metade de um cérebro humano de hoje.
Comentando a descoberta, o paleontólogo Daniel Lieberman, da Universidade Harvard (EUA), lembrou a considerável variabilidade no tamanho e forma dos mais antigos membros do gênero ao qual pertence o homem moderno.
Os cérebros de um ancestral africano ainda mais antigo, o Homo habilis, têm tamanho parecido com os dos achados de Dmanisi, por exemplo. E a variabilidade que existe entre os fósseis batizados de Homo erectus é a maior de todas.
Seriam espécies diferentes? Para Jeffrey Schwartz , da Universidade de Pittsburgh, EUA, havia no passado uma tendência entre os cientistas a achar que não poderia haver mais que uma espécie humana ao mesmo tempo. O Homo erectus, diz ele, "virou uma espécie de lixeira, na qual se jogavam os fósseis mais diferentes".
Lieberman acha que a "lixeira clássica", na verdade, era o H. habilis, apesar de concordar que o H. erectus também tem uma variabilidade grande.
"Mas nós não poderemos nunca ter certeza de como definir espécies fósseis e, na verdade, isso não tem tanta importância. O H. erectus "lato sensu" era claramente uma espécie variável ou um grupo de espécies muito próximas", afirma.
"Alguns foram para a Europa e deram origem aos neandertais. Outros foram para a Ásia, evoluíram lá e foram extintos. E alguns ficaram na África, e eventualmente deram origem ao Homo sapiens. Nós podemos debater sobre como chamar as coisas, mas a história não vai ser mudada", concluiu.

[Folha de São Paulo, 20/09/2007]

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