Os braços fortes da fé

Lançado na França, "Os Novos Soldados do Papa" traça a ascensão dos conservadores na igreja desde o pontificado de João Paulo 2º

STÉPHANIE LE BARS

Cidadela sitiada, a Igreja Católica precisaria de "novos soldados" para resistir aos ataques conjugados "do laicismo, do islamismo e do protestantismo".
Para tanto, Bento 16 privilegiaria as correntes mais conservadoras e mais intransigentes da igreja: Legião de Cristo, Opus Dei e movimento tradicionalista. Isso sob o risco de reduzir o Vaticano 2º (concílio reunido de 1962 a 65 e que desembocou em uma maior abertura da igreja para o mundo) a "um parêntese rapidamente fechado" e de ver a igreja adotar os códigos mais "coercitivos" desses movimentos.
Essa é a tese, sem nuanças, desenvolvida por Caroline Fourest e Fiammetta Venner em "Les Nouveaux Soldats du Pape" [Os Novos Soldados do Papa, ed. du Panama, 316 págs., 20, R$ 59].
Mas, se é verdade que Bento 16 ouve atentamente os tradicionalistas, se é verdade que uma corrente personalista e conservadora está em ação na Igreja Católica, o lugar desses "novos" soldados não é, na verdade, tão novo assim.
A atitude de João Paulo 2º em relação a esses grupos, dois deles surgidos nos anos 1930 e 40, tende a provar isso. O antecessor de Bento 16 foi especialmente aberto a sua instalação na paisagem eclesiástica romana. Dava atenção constante à Legião de Cristo, enquanto seu fundador, Marcial Maciel, do qual era próximo, era acusado de abusos sexuais.
Foi justamente Bento 16 quem, em 2006, dois anos antes da morte de Maciel, o afastou, oficialmente, de toda responsabilidade pública.

Missa em latim
Igualmente próximo da Opus Dei, João Paulo 2º permitiu, em 2002, a canonização "expressa" de seu fundador, Josemaría Escrivá, morto em 1975. Já Bento 16 apelou a um jesuíta, Federico Lombardi, para assumir a chefia da comunicação do Vaticano, como salientam apropriadamente as autoras.
A análise da atitude de Bento 16 para com os tradicionalistas e os integralistas cismáticos é mais convincente.
Persuadido de que a lembrança dos princípios "fundamentais e tradicionais" da igreja é uma das condições para manter a unidade da instituição e combater o "relativismo", Bento 16 não deixou de lhes estender a mão, sobretudo liberalizando a celebração da missa em latim, em julho de 2007.
Em apoio a sua tese, as autoras mergulham na história e nos escritos desses diferentes movimentos.
Essa compilação abrange eficazmente os anos de criação desses "braços armados do Vaticano" e suas atribulações para encontrar um lugar na instituição católica. O retrato que traça da Legião do Cristo, fundada no México, passa por uma biografia pouco lisonjeira de seu fundador.
Na apresentação da Opus Dei, as autoras revêem o testemunho de antigos "opusianos" e lembram as imagens tradicionalmente ligadas à Opus Dei: união histórica com o franquismo, gosto pelo secreto e pela mortificação, métodos sectários, prática radical da fé, devoção extrema, penetração nos círculos do poder, obediência absoluta ao papa.
Em tal contexto, pode-se lamentar que, nesse areópago de católicos supostamente influentes na igreja de hoje, as autoras não tenham incluído a corrente carismática, apesar de seu claro avanço.

A íntegra deste texto saiu no "Le Monde". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

[Folha de São Paulo, 26/10/2008]
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