Segundo professor de Harvard, países mais pobres da África hoje são os que mais exportaram escravos no passado
ERNANE GUIMARÃES NETO
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FOLHA - O que relaciona a escravidão do passado à pobreza de hoje?
NATHAN NUNN - Meu estudo trata dos canais de ligação mais prováveis. Um é a formação dos Estados -o comércio escravista historicamente inibiu o desenvolvimento de grandes Estados estáveis. Outro é o fracionamento étnico: o comércio de escravos inibiu a formação de grupos étnicos maiores.
FOLHA - Guerra e escravidão já não eram características comuns entre povos africanos antes do comércio escravista com o Ocidente?
NUNN - A escravidão e a guerra eram provavelmente comuns antes do comércio escravista, mas o escravismo certamente aumentou sua ocorrência.
FOLHA - Como foi feita a pesquisa? Há registros confiáveis tratando de escravos, por exemplo, em 1500?
NUNN - Há registros datados dos anos 1500. Os dados estão disponíveis apenas para certos anos e para certos países. As informações mais antigas são particularmente dispersas, mas isso só poderia ter como conseqüência que não encontrássemos nenhuma relação entre os dados. Ao invés disso, apesar da má qualidade dos dados, vemos correlações fortes entre os números.
FOLHA - O Ocidente tem "culpa"?
NUNN - Não sei bem o que isso significa. Europeus estiveram envolvidos em parte do comércio de escravos, assim como africanos e árabes.
FOLHA - Em seu texto "Legados Históricos", o sr. diz que, em certas regiões da África, "por causa da estabilidade dos equilíbrios de baixa produção, a sociedade fica presa ao equilíbrio "subótimo" mesmo depois de encerrado o período de extração externa" [tráfico de escravos e colonialismo]. Isso quer dizer que esses povos se acostumaram à pobreza?
NUNN - Não. É porque temos dois equilíbrios nesse modelo. O jugo colonial fez a sociedade mudar de um equilíbrio para o outro. No equilíbrio, a produção é baixa porque há uma alta quantidade de "rent-seeking" [submissão de políticas públicas aos interesses particulares visando ao acúmulo de riqueza individual]. Há muito "rent-seeking" porque a produção é baixa, e assim por diante. Desse modo há um equilíbrio estável, auto-sustentado.
FOLHA - E como é que a escravidão não produziu riqueza para os descendentes dos caçadores e vendedores de escravos?
NUNN - Não há estudos sobre a riqueza individual de descendentes dos caçadores e comerciantes de escravos. Por conta da minha pesquisa, sabemos que o nível médio de renda em um país é negativamente afetado pelo comércio de escravos. Mas não sabemos como foi afetada a renda de certos grupos.
FOLHA - Quero dizer: não se formaram "Estados escravistas"? A riqueza de certos reinos atuais não é herdeira do escravismo?
NUNN - Alguns Estados, como o axanti e o oyo, desenvolveram um consumo do escravismo. Esses Estados predatórios enriqueceram com o comércio de escravos, mas eram instáveis e duraram pouco. Aparentemente, não possuíam as instituições necessárias para resistir ao tempo. Teoricamente, o escravismo poderia ter causado centralização nesses países predadores, mas na prática deve ter causado enfraquecimento e fragmentação da política.
FOLHA - Quais são as especificidades da escravidão na América portuguesa?
NUNN - O que distinguiu Portugal é que foi um dos primeiros países europeus a exportar escravos durante o tráfico escravista atlântico -e foi o último país europeu a parar.
[Folha de São Paulo, 11/05/2008]
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