Paquistão, um país ameaçado pelo extremismo

O descontentamento pelo apoio de Musharraf aos EUA alimenta o ódio e a violência

Georgina Higueras, em Karachi
O general Pervez Musharraf havia se comprometido a garantir a segurança de Benazir Bhutto quando a líder do Partido Popular do Paquistão (PPP) voltasse de seu exílio voluntário. As medidas de segurança tomadas foram extremas. Cerca de 20 mil policiais e 5 mil soldados tinham sido mobilizados na cidade de Karachi, além de blindados e helicópteros, mas a crua realidade é que nem o chefe do exército e presidente do país é capaz de controlar a violência que dilacera o Paquistão.
O medo de que a volta de Bhutto se transformasse em um banho de sangue era palpável ontem nesta cidade de 12 milhões de habitantes, na qual com freqüência as diferenças políticas são resolvidas a tiros. Os colégios, lojas e escritórios tinham fechado as portas. Só havia vida na zona em que se concentraram os 2 milhões de seguidores da líder do PPP. O governo local, temendo as eventuais represálias que possam ocorrer hoje, decretou nesta madrugada mais um dia de portas fechadas para qualquer atividade.
O vazio de poder político que vive o país há meses devido às manipulações do presidente para se perpetuar no poder e seu confronto com a Suprema Corte, que nestes dias analisa a constitucionalidade de sua reeleição por mais cinco anos, deu lugar à violência que incendeia o Paquistão desde o início do ano.
As zonas tribais fronteiriças com o Afeganistão se transformaram em refúgio de membros da Al Qaeda e radicais islâmicos, tanto paquistaneses como afegãos, ligados ao regime taleban que governou o Afeganistão até sua derrubada pela coalizão internacional liderada pelos EUA, em novembro de 2001.
Nessas áreas, o extremismo se alimenta do descontentamento da população dos dois países pela presença de tropas estrangeiras em solo afegão e a submissão do chamado Busharraf, além do dinheiro procedente da recuperação experimentada nos últimos anos pelo cultivo do ópio e o narcotráfico.
Tudo indica que a política de bombardeios ao Afeganistão pelos EUA e Musharraf, seu melhor aliado na luta contra o terror, leva a uma via de violência e ódio que se estende cada dia mais por este país de 165 milhões de habitantes. Bhutto afirmou no avião em que voltou que se empenhará na busca de uma "saída negociada" para o descontentamento, tanto nas áreas tribais como no Beluquistão.
Essa província, que faz fronteira com o Afeganistão e o Irã, também sofreu com crueza nestes anos a repressão de Musharraf e o emprego de sua máquina de guerra. Os chamados "danos colaterais", isto é, os civis mortos, são contados às centenas, e há outras centenas de desaparecidos.
Mas talvez o que levou definitivamente uma boa parte dos paquistaneses a dar as costas a Musharraf foi sua decisão de atacar em julho passado a Mesquita Vermelha em Islamabad. Muitos paquistaneses afirmam não compreender por que o general não negociou uma saída com os radicais. "Ele se diz muçulmano e mata jovens muçulmanos porque pedem que as leis do país sejam regidas pela xariá [lei islâmica]. Não tem o perdão de Deus", declararam membros da oposição islâmica.
Apesar de serem o principal apoio de Musharraf, os EUA também parecem conscientes da necessidade de mudar o ritmo político do país para evitar que a maré de violência se torne irrefreável. Daí o apoio dado a Bhutto para que voltasse e dividisse o poder com o general. Mas talvez tenham demorado demais para compreender que a democracia, mais que o regime militar, pode conter a decomposição do país.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

[El País, 20/10/2007]
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