Curdos: uma população vítima de impérios e promessas quebradas

"As montanhas são os nossos únicos amigos", diz um ditado curdo. Este povo sem Estado vive, como escreve a AFP, ao ritmo das crises numa região explosiva, que junta partes da Turquia, Irão, Iraque e Síria (o que corresponde ao Curdistão). E pode queixar-se de ser vítima de promessas quebradas e tratados não cumpridos ao longo de décadas e décadas.
Viveram a maior parte da sua história sem governo próprio, subjugados por nações mais poderosas. Ainda assim, os entre 25 e 35 milhões de curdos - pelo menos 14 milhões na Turquia, mais de cinco milhões no Iraque, quatro milhões no Irã, quase dois na Síria, para além das minorias curdas na Armênia, Azerbaijão e na diáspora (sobretudo Alemanha) - são testemunho de um dialeto que foi preservado, próximo do farsi do Irão, e de tradições próprias. A maioria são muçulmanos sunitas; um quinto serão xiitas. E garantem que não há uma etnia tão grande sem um Estado.
O nacionalismo curdo surgiu na década de 1890. Até lá, "eram instrumentalizados pelos poderes imperiais persa e otomano que lhes davam um grande espaço e os utilizavam como excedentes" para fazer reinar a ordem nas fronteiras ou controlar as outras minorias, adiantou à AFP o investigador Oliver Roy. "Foi quando os dois nacionalismos turco e persa se laicizaram que os curdos desenvolveram uma reivindicação étnico-nacional."
Desde o final da I Guerra Mundial, inúmeras potências utilizaram-se dos curdos para abandoná-los na última hora. Em 1920, o Tratado de Sèvres prometia-lhes um Estado autônomo. Em vez disso, o líder turco Kemal Ataturk deu mais tarde ordens para esmagar as lutas independentistas. As perspectivas de um Curdistão independente ficaram mais enterradas quando a Turquia se aliou ao Irã e Iraque para, em 1937, assinar o pacto de Saadabad, destinado a coordenar esforços para acabar com os "grupos armados".
Nos anos 70, com ajuda norte-americana, israelense e iraniana, eles foram usados para enfraquecer o regime ba’athista. O partido Ba’ath (de Saddan Hussein) tinha acabado de tomar o poder quando o dirigente histórico dos curdos iraquianos, Mustapha Barzani – pai de Massud Barzani, atual líder do Partido Democrático do Curdistão (PDK) –, lançou a velha reivindicação de seu povo. Vivia-se, então, em plena guerra fria e a aproximação entre Bagdá e a União Soviética preocupava Henry Kissinger e os Estados Unidos. A partir de 1972, os curdos passaram a receber uma ajuda financeira norte-americana e israelense, além de gozarem do apoio do xá do Irã. O relatório confidencial Pike, redigido pela CIA em 1975, explicava: ao apoiar o movimento de Mustapha Barzani, Washington – aliás, como Teerã – não pretendia a vitória dos rebeldes e, sim, manter “um nível de hostilidade suficientemente forte” para enfraquecer o regime ba’athista, dissuadindo-o de aventureirismos internacionais.
Por ocasião da guerra árabe-israelense de 1973, seguindo as orientações de conselheiros israelenses, os curdos estavam prestes a lançar uma ofensiva contra o exército iraquiano, mas Kissinger dissuadiu-os com firmeza e os peshmergas (guerrilheiros) obedeceram. Em março de 1974, também foi devido aos conselhos dos Estados Unidos e do Irã que Mustapha Barzani recusou um acordo proposto por Bagdá (um território autônomo bastante grande, em troca do fim da luta armada) e rejeitou uma oferta de mediação soviética.
Alguns meses mais tarde, no dia 6 de março de 1975, Saddam Hussein e o xá do Irã assinaram um acordo em Argel: em troca da suspensão da ajuda de Teerã ao movimento rebelde de Mustapha Barzani, Bagdá aceitava que a fronteira Sul entre os dois países fosse fixada no estreito de Chat-Al-Arab. Sem a ajuda, da qual haviam se tornado totalmente dependentes, os autonomistas curdos sofreram uma derrota acachapante: 200 mil refugiaram-se no Irã. Questionado sobre as conseqüências de sua política, Kissinger respondeu: “Ações clandestinas não podem ser confundidas com obras missionárias.”
Em 1984, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) pegava em armas para reivindicar um Estado - a sua luta já fez mais de 30 mil mortos.
Num artigo de agosto de 2006, a Economist escrevia que "é difícil determinar com precisão o grau de liberdade que merecem os curdos da região, e até que ponto devem poder - e ser encorajados a - gozar de um autogoverno num canto do Médio Oriente que é já de si um isqueiro de rivalidades sectárias e étnicas".
Só mais recentemente, com a entrada na União Européia no horizonte, é que a Turquia começou a tratar melhor os curdos (até 1991 era ilegal falar curdo sem ser em casa). "A região autônoma do Iraque, com bandeira própria, parlamento e Exército, fez aumentar o orgulho e a confiança curda por todo o lado", adiantava o mesmo artigo.

Os curdos voltaram ao noticiário diário a partir da ofensiva do PKK e da ameaça de invasão pela Turquia da região curda do Iraque.

Saiba mais sobre o PKK:
Fundado em 1978, luta por um território nacional para os curdos, que incluiria parte do Leste da Turquia.- É a principal força política e armada entre a população curda.
- Há cerca de 40 milhões de curdos no mundo (o maior povo sem pátria) espalhados por vários países. Além da Turquia, Iraque, Síria e Irã têm grandes populações curdas.
- É considerado ilegal.
- O maior líder foi Abdullah Ocalan, já morto. Ocalan foi condenado à morte por traição e separatismo.
- Sob orientação de esquerda, desenvolve guerrilha popular e separatista.
- Tem cerca de 15 mil homens destinados a combate e outros 60 mil militantes.
- Seu braço político é Frente de Libertação Nacional do Curdistão (FLNK).
- É acusado de estar por trás da maioria dos ataques a alvos turcos desde 1984.
[fonte: Globo on line]
0 Responses