Parentes de "Luzia" viveram na Colômbia

Novo estudo sugere que indígenas parecidos com aborígenes da Austrália habitaram região de Bogotá por 8 milênios Evidências sugerem que encontro de povos antigos com índios atuais ocorreu com coexistência, e não genocídio, como se achava

CLAUDIO ANGELO, EDITOR DE CIÊNCIA


A família de Luzia, o crânio humano mais antigo das Américas, não pára de crescer. Após demonstrarem que os primeiros povoadores do continente eram grupos humanos fisicamente distintos dos índios atuais, antropólogos brasileiros sugerem agora que esses grupos ocuparam um território muito maior do que se supunha, e por muito mais tempo.
Num estudo publicado na edição deste mês do periódico "American Journal of Physical Anthropology", os pesquisadores liderados por Walter Neves, da USP, afirmam que os chamados paleoíndios sobreviveram na Colômbia, perto de Bogotá, durante 8.000 anos.
Isso reforça a tese de que, quando os avós dos índios atuais vieram da Ásia para as Américas, eles não encontraram um continente vazio; ao contrário, a terra tinha donos, que acabaram se extinguindo por razões desconhecidas.
Paleoíndio é o nome dado por Neves aos esqueletos antigos (de mais de 8.000 anos de idade) que, como Luzia, se parecem mais com populações atuais da África subsaariana e da Austrália do que com os mongolóides (asiáticos típicos), como os índios atuais.
Datada de 11.500 anos atrás, a mulher desenterrada em Lagoa Santa (MG) é a peça-chave da teoria desenvolvida por Neves e pelo argentino Héctor Pucciarelli para explicar o povoamento das Américas. Segundo a dupla, uma primeira onda migratória de "luzios" veio da Ásia e foi sendo substituída por populações mongolóides que chegaram depois.
Os motivos e a data do desaparecimento ainda não estão claros: há quem sugira que essas populações "negróides" simplesmente evoluíram para uma aparência mongolóide.
Neves aposta em competição por recursos ou mesmo em extermínio. Isso explicaria por que os esqueletos de paleoíndios são quase todos muito antigos e concentrados em áreas isoladas, como Lagoa Santa e a Baja Califórnia, no México.

Amor e não guerra
O novo estudo pinta um quadro mais "paz e amor" do povoamento, contrariando as idéias do próprio Neves. Ele e seus colegas Mark Hubbe, da USP, e Gonzalo Correal, da Universidade Nacional da Colômbia, analisaram 74 crânios humanos achados na região da Sábana (cerrado) de Bogotá.
Os esqueletos datam de dois períodos distintos: um de 11.000 a 6.000 anos atrás e outro de 5.000 a 3.000 anos atrás.
Embora fosse esperado que os crânios mais antigos tivessem morfologia semelhante à de Luzia -de fato, foi analisando os dados de Correal, nos anos 1980, que Neves e Pucciarelli começaram a formular sua teoria- os mais jovens surpreenderam os cientistas.
Afinal, se Neves estivesse certo, os paleoíndios colombianos deveriam ter sido exterminados pelos mongolóides tempos atrás. Diferentemente da Baja Califórnia, onde acredita-se que povos com feições "africanas" tenham sobrevivido isolados até o século 19, a Colômbia está bem "na passagem" das migrações humanas na América do Sul, e grupos que habitassem a região de Bogotá não teriam passado despercebidos.
Mais ainda: um dos crânios encontrados na amostra recente é claramente mongolóide.
"É claro que isso não tem relevância estatística nenhuma. Mas é muita coincidência esse crânio vir justamente de um sítio com cerâmica [marca registrada da agricultura]", diz Neves. Esse fato pode sugerir contatos entre os paleoíndios e mongolóides agricultores.
"Pode ter havido uma coexistência em regiões vizinhas durante algum tempo", afirma.
Neves, agora, quer voltar à Colômbia e estudar material com menos de 3.000 anos de idade. Ele quer saber se essa coexistência acabou em casamento, com cruzamentos entre as populações, ou em sangue.

[Folha de São Paulo, 16/06/2007]
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