Adeus, homo economicus

Anatole Kaletsky*

Adam Smith foi um economista? John Maynard Keynes, David Ricardo ou Joseph Schumpeter também foram? Segundo os padrões dos economistas acadêmicos de hoje, a resposta é não. Smith, Ricardo e Keynes não produziram modelos matemáticos. O trabalho deles carecia do "rigor analítico" e da lógica dedutiva precisa exigida pela economia moderna. E nenhum deles produziu uma previsão econométrica (apesar de Keynes e Schumpeter terem sido matemáticos competentes). Se qualquer um destes gigantes da economia se candidatasse hoje a um emprego em uma universidade, eles seriam rejeitados.

Se você acha que estou exagerando, pergunte a si mesmo que papel os economistas acadêmicos exerceram na atual crise. Quantos tiveram algo útil a dizer a respeito do maior colapso em 70 anos? A verdade é ainda pior do que esta questão retórica sugere: não apenas os economistas, como profissão, fracassaram em conduzir o mundo para fora da crise, como também foram os principais responsáveis por nos conduzir até ela.

Um estudo do Fundo Monetário Internacional a respeito de 72 recessões em 63 países, apontou que em apenas quatro destes casos os economistas previram uma recessão três meses ou mais antes do evento. A economia deveria reconhecer que, como disciplina, ela não envolve previsão, mas sim explicação e descrição. Smith, Ricardo e Schumpeter explicaram por que as economias de mercado geralmente funcionam surpreendentemente bem, frequentemente desafiando as expectativas do bom senso. Outros explicaram por que as economias capitalistas podem sofrer colapsos sérios e então o que precisa ser feito. Esta foi a missão de Keynes, Milton Friedman, Walter Bagehot e, ao seu modo, Karl Marx. E os economistas que nos botaram nesta confusão viam a si mesmos como autoproclamados sucessores destes grandes teóricos.

Os economistas acadêmicos até o momento escaparam de grande parte da culpa pela crise. A revolta popular se concentrou nos culpados mais óbvios: banqueiros gananciosos, políticos mercenários, reguladores sonolentos ou financiadores hipotecários imprudentes. Mas por que estes bodes expiatórios se comportaram do modo como se comportaram? A resposta foi belamente apresentada por Keynes há 70 anos: "Homens práticos, que acreditavam estar isentos de qualquer influência intelectual, geralmente são escravos de algum economista defunto. Loucos com autoridade, que escutam vozes no ar, estão destilando o frenesi de algum escriba acadêmico de alguns anos atrás".

O que os "loucos com autoridade" ouviram desta vez foi o distante eco de um debate entre os economistas acadêmicos, que teve início nos anos 70, sobre investidores "racionais" e mercados "eficientes". Este debate teve início tendo como fundo o choque do petróleo e a estagflação, tendo sido em sua época um passo adiante no nosso entendimento sobre o controle da inflação. Mas, no final, foi um debate vencido pelo lado que na verdade estava errado. E usando como alicerce os dois adjetivos tranquilizadores, racional e eficiente, os economistas acadêmicos vitoriosos ergueram uma enorme estrutura de modelos teóricos, prescrições regulatórias e simulações de computador que permitiram aos políticos e banqueiros práticos construírem torres de dívidas podres e políticas ruins.

O escândalo da economia moderna é que estas duas falsas teorias -que não são apenas enganadoras, mas altamente ideológicas- se tornaram altamente predominantes na academia (especialmente nas escolas de administração e negócios), no governo e nos próprios mercados. Apesar de nenhuma teoria ser totalmente dominante nos principais departamentos de economia, ambas são encontradas em todos os livros importantes e fizeram parte importante da ortodoxia "neokeynesiana", que foi o resultado final da crise que se seguiu após a tentativa de Milton Friedman de derrubar Keynes. O resultado é que estas duas teorias têm mais poder do que seus seguidores percebem.

A hipótese das expectativas racionais -ou REH, na sigla em inglês- desenvolvida nos anos 1970 por dois economistas de Chicago, Robert Lucas e Thomas Sargent, afirmava que a economia de mercado deveria ser vista como um sistema mecânico regido, como um sistema físico, por leis econômicas bem definidas que são imutáveis e universalmente entendidas. Apesar de sua implausibilidade óbvia e dos ataques persistentes a ela, especialmente por parte da esquerda, a REH continuou sendo altamente estimada pelas universidades e entidades financiadoras como a base mais aceitável para uma pesquisa acadêmica séria.

Por que esta teoria abstrata se tornou tão poderosa e por que sua influência é ainda tão danosa? A resposta está na interação da economia com a ideologia política. A REH foi desenvolvida originalmente como um complemento e entrincheiramento da revolução contra a economia keynesiana. A REH apresentava um mundo no qual as políticas keynesianas nunca poderiam funcionar, porque todo mundo passou a acreditar na doutrina monetarista de que os gastos do governo no final geram inflação -e como todos acreditavam nisso, eles seguiam suas expectativas racionais aumentando imediatamente preços e salários, impedindo assim até mesmo um breve aumento do emprego.

Apesar de nunca ter existido uma evidência empírica da REH, a teoria tomou de assalto a economia acadêmica por dois motivos. Primeiro, a suposição de leis claramente definidas e expectativas idênticas eram facilmente traduzíveis em modelos matemáticos simples -e esta facilidade matemática logo passou a ser vista como um objetivo acadêmico mais importante do que uma correspondência com a realidade ou um poder de previsão. Em outras palavras, se a teoria não se encaixa nos fatos, ignore os fatos. Como o mundo pôde permitir que posturas altamente não científicas dominassem uma disciplina acadêmica séria, especialmente uma tão importante para a sociedade como a economia?

A resposta está, ironicamente, no fato da economia ser muito importante politicamente: o segundo grande mérito das expectativas racionais está em sua conclusão ideológica chave -a de que políticas deliberadas de estímulo macroeconômico por parte de governos e bancos centrais nunca conseguiriam reduzir o desemprego e apenas exacerbariam a inflação. O fato do ativismo do governo estar condenado ao fracasso era exatamente o que os políticos, banqueiros centrais e líderes empresariais dos períodos Thatcher e Reagan queriam ouvir.

Para piorar ainda mais as coisas, as expectativas racionais gradualmente se fundiram à teoria relacionada dos mercados financeiros "eficientes". Ela estava ganhando terreno nos anos 70, por motivos semelhantes -uma combinação atrativa de facilidade matemática e ideológica. Esta era a hipótese do mercado eficiente, ou EMH (na sigla em inglês), desenvolvida por outro grupo de acadêmicos influenciados por Chicago, que receberam prêmios Nobel enquanto suas teorias começavam a esgarçar na costura. A EMH, como as expectativas racionais, presumia que havia um modelo bem definido de comportamento econômico e que os investidores racionais o seguiriam; mas acrescentava outro passo.

Na versão forte da teoria, os mercados financeiros, por estarem lotados de uma infinidade de agentes racionais e competitivos, sempre estabeleceriam preços que refletiriam toda a informação disponível da forma mais precisa possível. Nenhum investidor poderia "derrotar o mercado" -muito menos um regulador poderia esperar aprimorar os sinais do mercado ao substituir seu próprio julgamento. Mas se os preços refletiam perfeitamente toda a informação, por que os preços flutuavam constantemente e o que estes movimentos significavam? A EMH cortou este nó górdio com uma simples suposição: os movimentos do mercado são flutuações aleatórias insignificantes, que equivalem a jogar uma moeda ou ao "caminhar aleatório" de um marinheiro bêbado.

Esta visão que parece anárquica era na verdade bastante tranqüilizadora. Se os movimentos do mercado eram realmente como atirar uma moeda, eles poderiam ser totalmente irregulares a curto prazo, mas muito previsíveis a longo prazo, como os lucros de um cassino. Especificamente, as analogias do atirar de moedas e caminhar de bêbado mostravam implicitamente o que os estatísticos chamam de distribuição de probabilidade gaussiana ou "normal". E a matemática das distribuições gaussianas (mais o que é chamado de "lei dos grandes números") revela que perturbações catastróficas são altamente improváveis de ocorrer. Por exemplo, se as flutuações diárias de Wall Street seguissem uma distribuição normal, é possível "provar" que as chances de um movimento maior do que 25% em um dia são de cerca de uma em 3 trilhões. O fato de que pelo menos quatro eventos financeiros estatisticamente "impossíveis" ocorreram em apenas 20 anos -nos mercados de ações em 1987, nos títulos em 1994, nas moedas em 1998 e nos mercados de crédito em 2008- significaria, segundo os padrões normais, o fim da EMH. Mas como no caso das expectativas racionais, os fatos foram rejeitados enquanto a teoria continuou reinando suprema, apesar de que com alguma recalibração.

E o que deve ser feito? Há duas opções. Ou a economia deve ser abandonada como disciplina acadêmica, se transformando em um mero anexo à coleção de estatísticas industriais e sociais, ou deve passar por uma revolução intelectual. Os programas de pesquisa dominantes devem ser reconhecidos como fracassos, e os economistas devem reabrir seu campo a uma série de abordagens especulativas, extraindo entendimentos da história, psicologia e sociologia, assim como aplicar os métodos de historiadores, teóricos políticos e até mesmo jornalistas, e não apenas os de matemáticos e estatísticos. Ao mesmo tempo, eles devem limitar suas ambições a explicar apenas o que as ferramentas da economia nos permitem entender.

Todas essas abordagens heterodoxas apresentam dois elementos em comum -elas rejeitam as ortodoxias ideológicas das expectativas racionais e mercados eficientes, assim como a exigência metodológica igualmente opressora de que entendimentos econômicos devem ser expressados em formulas matemáticas.

Smith, Keynes, Schumpeter e todos os outros economistas realmente grandes estavam interessados na realidade econômica. Eles estudaram o comportamento humano real em mercados que de fato existiam. Seus entendimentos vieram de conhecimento histórico, intuição psicológica e entendimento político. Suas ferramentas analíticas eram palavras, não matemática. Eles persuadiam com eloquência, não apenas com lógica formal. É possível ver por que muitos dos acadêmicos de hoje temem um retorno da economia às suas raízes.

O establishment acadêmico resiste duramente a essas mudanças de paradigma, como demonstrou Thomas Kuhn, o historiador da ciência que cunhou a frase nos anos 60. Essa mudança não será fácil, apesar do fracasso óbvio da economia acadêmica. Mas agora os economistas enfrentam uma escolha clara: abraçar novas ideias ou devolver suas verbas públicas e prêmios Nobel, juntamente com os bônus dos banqueiros que vocês justificaram e inspiraram.

* Anatole Kaletsky é o economista chefe da GaveKal Research.
Tradução: George El Khouri Andolfato

[The Prospect, 18/04/2009]
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