Uma terra de descrentes, para não dizer de ateus

Peter Steinfels

Phil Zuckerman passou 14 meses na Escandinávia, conversando com centenas de dinamarqueses e suecos sobre religião. Não foi fácil.
Qualquer um que tenha observado um pouco mais sabe que a Dinamarca e a Suécia estão entre os países menos religiosos do mundo. Pesquisas de opinião sobre a crença em Deus, a importância da religião na vida das pessoas, acreditar na vida depois da morte ou frequentar a igreja mostram isso de forma consistente.
Também é notório que a Dinamarca e a Suécia dividem o primeiro lugar nas listas dos países com melhor expectativa de vida, bem-estar infantil, escolaridade, igualdade econômica, qualidade de vida e competitividade.
Apesar de bem documentados, estes dois conjuntos de fatos vão de encontro à crença de muitos americanos de que uma sociedade sem muita religião seria, nas palavras de Zuckerman, "de uma imoralidade feroz, repleta de mal e extremamente corrompida".
É por isso que ele insiste que, de certa forma, o que ele e sua mulher e filhos viveram foi basicamente o oposto: "uma sociedade - evidentemente irreligiosa - que era, acima de tudo, moral, estável, humana e profundamente boa".
Zuckerman, sociólogo que dá aulas no Pitzer College em Claremont, Califórnia, documentou suas descobertas sobre religião na Dinamarca e na Suécia no livro "Society Without God" ["Sociedade Sem Deus"] (New York University Press, 2008). As pessoas poderão ficar surpresas com suas descobertas, assim como ele ficou.
Muitos céticos que ele entrevistou, tanto informalmente quanto em sessões estruturadas, gravadas e transcritas, eram tudo menos antirreligiosos, por exemplo. Eles normalmente se recusavam a concordar com o rótulo de "ateu". A maioria de fato havia sido batizada, e muitos foram crismados ou se casaram na igreja.
Apesar de negarem a maior parte dos ensinamentos tradicionais do cristianismo, consideram a si mesmos de cristãos, e a maioria estava contente em permanecer na Igreja Nacional Dinamarquesa ou na Igreja da Suécia, ramificações tradicionais do luteranismo.
Ao mesmo tempo, eles se mostravam "normalmente hesitantes ou indispostos a falar comigo sobre religião", disse Zuckerman, "e uma vez que eram encorajados a isso, geralmente tinham muito pouco a dizer sobre o assunto".
Será que eram reticentes porque consideram religião, como os escandinavos geralmente fazem, como um assunto privado e pessoal? Será que, talvez, como argumentou um bispo luterano na Dinamarca, uma religiosidade profunda só será descoberta se alguém arranhar essa superfície taciturna?
"Passei um ano arranhando", escreve Zuckerman. "Eu arranhei e arranhei e arranhei".
E ele concluiu que a "religião não era na verdade um assunto tão privado, pessoal, mas, sobretudo, não se tratava de um assunto". Seus entrevistados simplesmente não se preocupavam com isso.
Além dessa reticência, Zuckerman encontrou o que ele chama de "indiferença benigna" e até um "total esquecimento". A palavra chave nessa descrição da indiferença benigna é "bom". A religião, na visão deles, é "boa". Jesus "era um homem bom que ensinou algumas coisas boas". A Bíblia "está cheia de boas histórias de boa moral, não é mesmo?".

Para além dessa noção de bom, existe um esquecimento total.
Dinamarqueses e suecos inteligentes e com boa escolaridade reagiram às perguntas básicas de Zuckerman sobre Deus, Jesus, morte, entre outras, como se fossem uma completa novidade. "Na verdade nunca pensei sobre isso", respondeu um dos entrevistados, acrescentando: "É divertido responder a esse tipo de pergunta sobre as quais eu nunca, nunca pensei".
Essa indiferença ou esquecimento dos assuntos religioso é às vezes seguida com sutileza. "Na Dinamarca", disse um pastor a Zuckerman, "a palavra 'Deus' é uma das mais constrangedoras que você pode dizer. As pessoas prefeririam sair peladas pela cidade a falar sobre Deus".
Um homem contou do choque que levou quando um colega, depois de alguns drinques, confessou acreditar em Deus. "Espero que você não me ache uma pessoa ruim", disse o colega.
Conformidade social ou não, Zuckerman ficou profundamente impressionado com o jeito direto com que muitas vezes seus entrevistados falavam sobre a morte, sem medo ou ansiedade, e sua notável falta de busca existencial pelo sentido da vida.
Inúmeros pensadores, tanto crentes quanto ateus, propuseram a idéia de um instinto religioso inato. Segundo eles, confrontados com o mistério da morte ou com o quebra-cabeça do sentido da vida, é inerente ao ser humano se voltar para a religião ou algo parecido. Baseado em sua experiência na Escandinávia, Zuckerman discorda.
"É possível que exista uma sociedade na qual a maioria das pessoas não teme tanto a morte", concluiu, "e ao mesmo tempo não se dedicam muito a pensar sobre o sentido da vida".
Será que esses escandinavos estão aí para provar que Sócrates estava errado e a vida sem exame definitivamente vale à pena? Zuckerman enfatiza que seus entrevistados não eram de forma alguma niilistas desesperados, mas "em sua maioria, pessoas felizes e satisfeitas" que "em geral têm vidas produtivas, criativas e contentes".
Andre Comte-Sponville, filósofo francês cujo "Little Book of Atheist Spirituality" ["Pequeno Livro da Espiritualidade Atéia"] (Viking, 2007) foi discutido aqui há duas semanas, sustenta que os indivíduos podem viver bem sem religião, mas que a sociedade, ou até a humanidade como um todo, precisa de um conjunto de limites que devem ser considerados "sagrados", pelo menos no sentido de algo "que justifique, se necessário, o sacrifício de nossas vidas".
Uma fidelidade a valores herdados, uma "não-religiosidade" que é "mais do que uma casca vazia ou uma forma elegante de amnésia" é a resposta ateísta de Comte-Sponville para sua própria pergunta: "O que restará do ocidente cristão quando deixar de ser cristão?".
Ele poderá encontrar encorajamento na Escandinávia e na descrição de Zuckerman da "religião cultural" que descobriu lá. Os entrevistados afirmam que o cristianismo parece ter tudo a ver com "feriados, músicas, histórias e comida" mas pouco a ver com Deus ou Credo, tudo a ver com rituais que marcam importantes passagens da vida mas pouco a ver com os significados religiosos desses rituais.
Outros podem ficar confusos ou até mesmo repelidos por essa aparente dissonância, mas Zuckerman, comparando-a à experiência de muitos judeus nos Estados Unidos e Israel, faz um esforço para compreendê-la, e sugere que isso merece muito mais estudo em todo o mundo.

Essa religião cultural pode explicar em parte os aspectos da Dinamarca e da Suécia que ele admira.
Em certo ponto, ele pergunta a Jens, um ateu de 68 anos, sobre as fontes da cultura extremamente ética da Dinamarca. Jens responde: "Somos luteranos em nossas almas - eu sou um ateu, mas ainda tenho as percepções luteranas de muitos: de ajudar nosso semelhante. Sim. É uma idéia moral velha e boa."

[The New York Times, 01/03/2009]
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