Mistério da "terra dos gêmeos" no Brasil: Algo na água? Mengele?

Alexei Barrionuevo, em Cândido Godói

No alto do morro atrás da casa de sua família, Derli Grimm ajoelhou-se e tomou um gole de um tubo preto fino vindo de uma nascente de água natural.
Como tantos outros neste vilarejo rural, quase inteiramente de imigrantes alemães, Grimm, 19, acredita que há algo na água -talvez um estranho mineral- responsável pela extraordinária concentração de gêmeos.
"Não dá para explicar tudo por genética", disse Grimm, que também é gêmeo.
Os geneticistas gostariam de discordar, mas tampouco têm uma explicação completa para os 38 pares de gêmeos entre as 80 famílias que moram em uma área de quatro quilômetros quadrados.
O mistério persistiu por décadas, atraindo a atenção internacional e inspirando livros e investigações por geneticistas. Essa é uma das razões pela qual os moradores não estão com pressa de tentar provar sua teoria sobre a água. Eles estão muito ocupados posando para jornalistas e atraindo turistas com seu título da "capital dos gêmeos do mundo."
Alguns pesquisadores sugeriram a possibilidade mais sombria que Josef Mengele, o médico nazista conhecido como "anjo da morte", estava envolvido. Segundo os moradores, Mengele andou por esta região no sul do Brasil posando como veterinário nos anos 60, em torno do início da explosão da ocorrência de gêmeos.
Em um livro publicado no ano passado, um jornalista argentino, Jorge Camarasa, sugeriu que Mengele conduziu experimentos com mulheres do local que resultaram em um índice mais alto de gêmeos, muitos deles louros de olhos claros. Os experimentos, segundo os moradores, podem ter envolvido novos tipos de drogas e preparações, ou até a inseminação artificial que Mengele alegava conhecer em vacas e humanos.
Entretanto, nem Camarasa nem qualquer outro defensor da teoria de Mengele foi capaz de provar que o fugitivo nazista conduziu experimentos em Cândido Godói. Mengele, que morreu no Brasil em 1979, era famoso por seus experimentos muitas vezes fatais com gêmeos em Auschwitz, um esforço ostensivo para produzir uma raça ariana superior para Hitler.
"As pessoas que estão especulando sobre Mengele o fazem para vender livros", disse Paulo Sauthier, historiador que dirige o museu local. "Ele estudou o fenômeno dos gêmeos na Alemanha, não aqui".
Um cartaz na entrada de Cândido Godói diz: "Cidade jardim e cidade dos gêmeos". Mais de 80% de seus 6.700 moradores tem descendência alemã. Eles começaram a chegar em torno da Primeira Guerra Mundial, atraídos pela perspectiva de terra barata, clima agradável e incentivos do governo brasileiro para colonizar a região.
O fenômeno dos gêmeos está centrado no assentamento de 300 pessoas de São Pedro, parte de Cândido Godói onde moram os Grimm. Sauthier, gêmeo, nasceu aqui em 1964. Sua mãe, da família Grimm, vem de uma das oito famílias originais que se estabeleceram em São Pedro em 1918.
Mesmo hoje eles vivem em relativo isolamento. Ainda usam carros de boi na lavoura e falam um dialeto alemão entre si.
Foi no início dos anos 90 que a alta proporção de gêmeos foi observada. Logo, as câmeras chegaram de toda parte. Líderes da cidade declararam São Pedro como o local com a mais alta concentração de gêmeos do mundo. (Um porta-voz do livro de recordes Guinness não pôde confirmar essa alegação, dizendo que o Guinness não acompanhava essa categoria).
Hoje, os moradores apreciam a atenção. No ano passado, na sexta festa bianual dos gêmeos, eles ergueram uma estátua de uma mulher segurando um menino num braço e uma irmã gêmea no outro e instalaram uma fonte da fertilidade que acende à noite.
Como muitos outros gêmeos aqui, Fabiane e Tatiane Grimm, 22, tiram fotos para caçadores de gêmeos desde pequenas. Quando um jornalista e um fotógrafo apareceram sem avisar, sua mãe chamou-as no estábulo para que tomassem banho antes de tirarem as fotos.
"Não é um mistério para mim", disse Fabiane, cuja família tem cinco pares de gêmeos. "Meu irmão se casou com uma prima de terceiro grau. Há muitos casos assim, as pessoas casam com primos ou outros familiares próximos."
Entretanto, para alguns, o mistério permanece. Há uma década, Anencir Flores da Silva, médico da cidade e ex-prefeito de Cândido Godói, procurou resolvê-lo e, desde então, entrevistou mais de 100 pessoas. Ele acredita que as pessoas esconderam informações sobre Mengele.
"Em uma região cheia de nazistas, alguns mantêm silêncio, por medo", disse o médico. "É importante descobrirmos a verdade."
O livro que ele ajudou a escrever sobre os gêmeos, publicado em 2007, conta sobre várias visitas que Mengele fez à região, usando nomes falsos.
"Estou convencido de que Mengele esteve na região observando o fenômeno dos gêmeos", disse Silva. Segundo ele, um homem que se identificou como Rudolf Weiss atendeu mulheres com varizes e algumas vezes prestou serviços odontológicos. Alguns moradores disseram a ele que um alemão ia de casa em casa com um laboratório móvel, coletando amostras e atendendo as mulheres.
Sauthier, o historiador, disse que não havia provas para tanto e que a comunidade alemã não merecia ser associada a "um criminoso como Mengele".
"Não há simpatizantes nazistas nesta região", disse ele, apesar de admitir um interesse histórico pelos artefatos nazistas, inclusive uma lata de leite de metal de 1937 com uma suástica em seu museu e uma foto de crianças em Cândido Godói segurando bandeiras com a suástica, incluída no livro de Silva.
Geneticistas dizem que a explicação mais provável para os gêmeos é o isolamento genético e o entrecruzamento. Dra. Úrsula Matte, geneticista de Porto Alegre, descobriu que, de 1990 a 1994, 10% dos nascimentos de São Pedro foram de gêmeos, comparados com 1,8% do Estado do Rio Grande do Sul.
Não há evidências do uso de contraceptivos ou drogas de fertilidade entre as mulheres. Entretanto, uma predisposição genética aos gêmeos seria mais provável se a maior parte dos pares fosse idêntica, derivada de um único óvulo fertilizado. Em vez disso, Matte observou que a maioria era de gêmeos fraternos, produzidos pela fertilização de dois óvulos por dois espermatozóides; tais gêmeos são associados com fatores como etnia, idade materna e histórico familiar. Entretanto, Matte não chegou a conclusões firmes para explicar o fenômeno em São Pedro.

Então, a especulação continua.
Sauthier acredita que as nascentes de água privadas como a que Derli Grimm usa contêm um mineral que afeta a ovulação. "Até hoje, ninguém avaliou a água", disse ele, observando que, na última década, a cidade passou a usar água de poço, explicação possível para o recente declínio dos nascimentos de gêmeos.
Testar a água das nascentes seria caro e exigiria alguma hipótese que indicasse o que procurar, disse Matte. Ela duvida que a cidade promova fortemente esse tipo de análise. "Eles gostam de manter o mistério", disse ela.

Tradução: Deborah Weinberg

[The New York Times, 24/02/2009]
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