O criacionismo pode ser ensinado nas escolas em aulas de ciências?

NÃO

Educação e discurso científico

EM MINHA visão, a resposta à questão aqui proposta deve ser "não" - mas com importantes qualificações.
Antes de mais nada, é preciso dizer que este é um debate interessante, no qual devemos exprimir nossas posições com clareza, evitando a todo custo usar nossos argumentos apenas em favor do proselitismo. Mais do que apenas tomar partido, é preciso esclarecer o que está em jogo. O espaço é curto, mas vejamos alguns pontos.
Em artigo recentemente publicado no periódico internacional "Cultural Studies of Science Education", em colaboração com Eduardo Mortimer (UFMG), defendi que, de um lado, professores de ciências sempre devem ter em conta a diversidade das visões de mundo dos estudantes em suas aulas. Isso significa que deve haver, sim, espaço para a discussão de diferentes perspectivas sobre fenômenos que a ciência explica, incluindo o criacionismo, desde que representado na sala, e não só na perspectiva cristã, mas em todas as perspectivas presentes entre os estudantes.
Mas, de outro lado, os professores nunca devem perder de vista que o objetivo do ensino de ciências é, como deveria ser óbvio, ensinar o conhecimento científico. Assim, é necessário, sim, que os professores estimulem os estudantes para que compreendam as idéias científicas - e tal como elas se apresentam no conhecimento científico atualmente aceito.
Seria certamente um rompimento do contrato didático entre professores, alunos, pais e administradores se, nas aulas de ciências, não se tivesse como objetivo ensinar ciências, mas idéias oriundas de diferentes tradições culturais. Nunca é demais repetir: professores de ciências estão ali para ensinar ciências! Por isso, minha resposta à questão inicial é "não". Mas notem a qualificação importante: isso não significa não dar espaço a vozes discordantes do conhecimento científico.
Antes pelo contrário, o professor de ciências deve explorar essas vozes discordantes para discutir as variadas maneiras como os seres humanos compreendem e explicam o mundo e, mais, a importância de distinguir entre diversos discursos humanos, fundados em pressupostos distintos sobre o que constitui o mundo (pressupostos ontológicos) e sobre o que constitui conhecimento válido (pressupostos epistemológicos).
O discurso científico é, em termos epistemológicos, de caráter empírico, no sentido de que as afirmações que a ciência faz sobre o mundo devem ser sujeitas ao crivo da experiência, devem ser testadas contra o mundo empírico. Esse caráter empírico implica, por sua vez, que, em sua ontologia, o discurso científico assume um naturalismo metodológico. Na medida em que os sistemas naturais são os sistemas sobre os quais podemos coletar dados empíricos, somente estes figuram no discurso das ciências.
É importante diferenciar essa posição de um naturalismo metafísico: não se trata de dizer que entidades sobrenaturais (deuses, espíritos etc.) não existem (essa é uma crença como qualquer outra e, sinceramente, não é produtivo debater crenças tão fundamentais). Trata-se, antes, de dizer que essas entidades não figuram no discurso das ciências, porque afirmações que as empregam não podem ser testadas empiricamente. Esse discurso naturalista é legítimo. Isto também parece óbvio, mas é preciso destacar que, quando se discute pluralismo e respeito à diversidade, por vezes se perde de vista que também o discurso científico deve ser respeitado, deve ser reconhecido como legítimo.
Ademais, reunimos nossas crianças e adolescentes em salas de aula de ciências para aprender esse discurso científico sobre o mundo. Seria um desrespeito com os estudantes tanto negar-lhes a voz, quando discordarem desse discurso, quanto ter como objetivo ensinar-lhes idéias que não são científicas, como as criacionistas.
Essa posição me parece um bom caminho intermediário entre privar os sujeitos em sala de aula de exprimir suas concepções sobre o mundo e simplesmente querer ensinar o que não é ciência como se ciência fosse.

CHARBEL NIÑO EL-HANI, bacharel em ciências biológicas, mestre e doutor em educação, é professor do Instituto de Biologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e do Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da UFBA/UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana). É bolsista de produtividade em pesquisa 1-D do CNPq.


SIM


A teoria da evolução e os contos de fadas


A VISÃO das origens que emana da religião é, obviamente, criacionista. Opositores do criacionismo têm, então, feito uso desse fato para descaracterizá-lo como científico e, assim, não permitir sua entrada nas aulas de ciências.
Marcelo Leite, por exemplo, colunista desta Folha, refere-se ao criacionismo como a "doutrina segundo a qual Deus criou o mundo", o que reflete o equívoco em que se baseiam seus conhecimentos sobre o tema.
Do ponto de vista científico, o criacionismo resulta das seguintes perguntas: "O
que nos dizem os fatos da natureza e os resultados das pesquisas realizadas pelos cientistas (não importando suas ideologias) acerca das origens do universo e da vida? Falam eles de uma origem naturalista ou sobrenaturalista?".
São as respostas daí advindas que devem nortear nossos passos, obtidas sem recurso a conceitos religiosos.
Esse tipo de conduta tem produzido os resultados que constituem o corpo do que denominamos criacionismo e que nos leva a entender a origem sobrenaturalista do universo e da vida.
A julgar por essas considerações, pode-se concluir que o criacionismo não só pode como deve ser ensinado nas aulas de ciências de todos os níveis do nosso sistema educacional -e não só nessas aulas, mas onde quer que incida o tema "origens". Não fazê-lo é sonegar aos alunos importantes conhecimentos científicos que nos dão uma clara visão da estrutura do universo e, de modo muito particular, realçam a importância de cada uma de suas partes nesse contexto.
Infelizmente, hoje, os setores acadêmicos encontram-se dominados pelo
s evolucionistas, que não permitem que os criacionistas adentrem as salas de aula e também os impedem de publicar os seus trabalhos em revistas científicas por eles controladas.
Em seu artigo "Criacionismo no Mackenzie" (Mais!, 30/11), Marcelo Leite cita o que ele considera provas indiscutíveis do evolucionismo. Seria ótimo se tivéssemos mais espaço neste trabalho para mostrar que tais provas não são sustentadas nem mesmo por cientistas evolucionistas e, portanto, não passam de mais um equívoco de sua parte. Na página http://abpc.impacto.org/folha.htm, vamos expandir este artigo com os complementos que aqui não couberam.
Na verdade, entre outros, dois fatos impulsionaram a teoria da evolução: um deles foi a questão ideológica, porque a visão das origens que emana do ateísmo é a evolucionista, e
muitos evolucionistas são ateus ou simpatizantes do ateísmo. Isso fica claro nos escritos transparentes de Dawkins, mas também nos menos transparentes de outros autores em que se nota uma aversão à religião e conseqüente adesão ao evolucionismo.
O outro fato é o desconhecimento das bases da teoria das probabilidades. Tivessem algum conhecimento dessa parte da matemática, saberiam que não basta imaginar acontecimen
tos para que eles se tornem reais.
Para citar um único exemplo, as aves constroem seus ninhos e chocam seus ovos. Não os cucos, porém. Suas fêmeas não são acometidas daquele estado febril que lhes permitiria chocar seus ovos. Ela então leva um de seus ovos no bico até o ninho de uma chiadeira e, para não dar na vista, o substitui por um dos ovos que lá encontra, jogando o da chiadeira fora.
Esta, que de nada desconfia, se põe a chocar os ovos. Quando o pequeno cuco nasce, sendo um pássaro de porte maior, irá precisar de todo o alimento que seus pais postiços puderem obter. O filhote, então, logo em seus primeiros momentos de vida, inicia um movimento circular com o qual lança para fora ovos ou filhotes ali presentes, ficando só.
Agora, crer que essa estratégia de sobrevivência, tanto do cuco adulto quanto do cuco recém-nascido, pode ser produto das casualidades de um contexto naturalista é uma indicação de pouco conhecimento de matemática, em particular da teoria das probabilidades, de um mundo qu
e é mesmo o dos contos de fadas, em que sapos viram príncipes e a teoria da evolução ganha contornos de realidade.

CHRISTIANO P. DA SILVA NETO , professor universitário, mestre em ciências pela Universidade de Londres (Inglaterra), é presidente da ABPC (Associação Brasileira de Pesquisa da Criação).

[Folha de São Paulo, 06/12/2008]
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