Grécia: A revolta de uma geração desapontada

Manfred Ertel e Daniel Steinvorth

A convulsão social violenta que seguiu-se ao assassinato de um adolescente de 15 anos colocou a Grécia à beira de uma crise política. As manifestações marcam uma explosão de ira por parte dos jovens do país, que contam com poucas perspectivas de obter um lugar para si em uma sociedade na qual todas as iniciativas estão sufocadas.

O clima no auditório lotado fazia lembrar os protestos dos movimentos estudantis de 1968. Centenas de jovens entravam no salão escuro, sentavam-se nos degraus das escadas ou subiam nas mesas. Eles gritavam "assassinos" e "porcos" - a aplaudiam estrondosamente os pedidos de vingança. A fumaça de cigarros e o cheiro de suor pesavam no ar.

Jorgos Barutas, 29, precisou esforçar-se para fazer-se ouvir. O engenheiro de computação, exibindo uma barba de cinco dias e óculos com aros de aço, estava à beira das fileiras de cadeiras inclinadas e gritava para a platéia com uma voz grave. "Temos que manter a pressão até que o governo renuncie". Aplausos. "Precisamos transformar os protestos em um movimento político". Aplausos. "Temos que formular objetivos políticos". Novamente, aplausos estrondosos. Barutas desceu do palanque, sentindo-se satisfeito, e os estudantes deixaram o salão.

Fora do campus da Universidade Politécnica de Atenas, tais declarações políticas altaneiras são rapidamente esquecidas. Incêndios e os restos calcinados de barricadas feitas às pressas bloqueiam os caminhos para os salões de palestras. Figuras vestidas de preto e usando máscaras de esqui fazem gestos ameaçadores e dão empurrões para impedir que pessoas de fora entrem.

Contêineres de lixo estão em chamas em frente à entrada da universidade, e nas ruas laterais, jovens montam barreiras entre carros queimados e quiosques, ou pilhas de pedras do tamanho exato para serem arremessadas.

É o quinto dia da intensa rebelião de jovens em Atenas. Os protestos tiveram início no distrito de Exarchia - um nicho tradicional de artistas, anarquistas e intelectuais de esquerda - e espalharam-se rapidamente pelo país inteiro. Eles também geraram protestos violentos nas grandes cidades de Tessalonica, Patras e Heraklion - e em 20 outras cidades gregas.

Depois que a polícia matou a tiros Alexandros Grigoropoulos, um adolescente de 15 anos, uma semana atrás, em um sábado, houve protestos violentos em ilhas gregas como Lesbos, onde a polícia usou gás lacrimogêneo contra os manifestantes. Só em Atenas centenas de lojas foram destruídas e saqueadas, escolas interromperam as aulas e as universidades cancelaram palestras. Faltando apenas alguns dias para o Natal, "a cidade ficou paralisada", diz o porta-voz do governo, Evangelos Antonaros.

No decorrer dos últimos sete dias, uma onda de protestos chegou a disseminar-se para grandes cidades européias. Simpatizantes ocuparam os consulados gregos em Berlim e Londres, anarquistas organizaram manifestações de solidariedade em Barcelona, Roma e Copenhague, e a sensação de indignação chegou até a Nova York.

A Politécnica de Atenas, no centro de Exarchia, é o foco dos protestos e um local repleto de simbolismo para os esquerdistas gregos. Foi lá que os estudantes entrincheiraram-se dentro dos prédios da universidade em 1973 para protestarem contra a junta militar. Quando os tanques derrubaram os portões em 17 de novembro e acabaram com o levante esquerdista, pelo menos 34 jovens morreram e 800 ficaram feridos.

Atualmente, o relativamente grande movimento anarquista Bloco Negro, na capital grega, identifica-se fortemente com a tradição daqueles jovens rebeldes dos anos setenta. Durante anos, eles vêm incendiando postos policiais, bancos e instituições estatais. "Sob uma perspectiva estatística, há ataques como este todos os dias", afirma um especialista em segurança.

Uma lacuna crescente de prosperidade entre jovens e velhos.
A morte do estudante proporcionou pela primeira vez um apoio generalizado aos anarquistas do Bloco Negro - e colocou o país à beira de uma crise política. "Um jovem morto por uma bala da polícia é a pior coisa que pode acontecer", reconhece Antonaros. Mas ele acrescenta: "Isto não tem nada a ver com convulsão social".

É verdade que as rebeliões, que continuaram até o fim de semana, e especialmente a simpatia óbvia pelos jovens manifestantes, são uma expressão do desapontamento generalizado do povo grego com o governo e o sistema político. A classe política do país vem perdendo credibilidade há anos devido ao enriquecimento ilícito, às propinas e à "corrupção generalizada", diz um diplomata da União Européia. No decorrer dos últimos meses, vários ministros tiveram que renunciar devido a alegações de corrupção, sendo que o mais recente foi o antecessor do porta-voz do governo, Antonaros, e o ministro da Marinha Mercante, ambos muito próximos ao primeiro-ministro conservador Costas Karamanlis.

Para tornar a situação ainda mais difícil, a Grécia enfrenta uma situação financeira precária. Embora o crescimento médio da economia tenha sido de 4,3% desde 2000, a Grécia possui um dos maiores índices de inflação da zona do euro, em torno de 4,5%. O índice de desemprego de 7,5% continua dentro das normas européias, mas a lacuna de prosperidade entre a geração mais velha - trabalhadores e funcionários públicos veteranos - e os jovens que acabam de sair da faculdade continua aumentando. Quase um quarto de todos os adultos com menos de 29 anos encontra-se desempregado.

A atual crise não atingiu apenas os perdedores tradicionais da modernização, tais como indivíduos de estratos com menos vantagens educacionais e imigrantes. Desta vez, jovens com educação superior de famílias de classe média de boa situação financeira também precisam trabalhar em empregos desqualificados para manterem-se à tona. Devido à falta de renda, muitos jovens gregos moram com os pais até depois dos 30 anos de idade. "O sistema é ajustado às necessidades dos que estão estabelecidos e dos indivíduos mais velhos", afirma o sociólogo Stratos Georgoulas, da Universidade Egéia em Lesbos. "E os jovens estão sofrendo devido a isso".

Esperanças e oportunidades frustradas
Os especialistas econômicos passaram a referir-se à geração ? 700 (geração US$ 935), e o líder estudantil Barutas é um exemplo típico disso: ele cursou engenharia elétrica durante cinco anos na Politécnica de Atenas, e formou-se com notas excelentes. Agora ele trabalha como professor de uma escola de segundo grau ganhando oito euros líquidos por hora, 12 horas por semana, o máximo permitido. Tais empregos são freqüentemente limitados por contratos de quatro ou cinco meses. "Como é que eu vou viver e constituir família ganhando isso?", questiona o engenheiro.

"Aproximadamente 21% da população têm diploma universitário, de forma que nem todo especialista em línguas e literatura pode tornar-se imediatamente professor", diz o governo. "A geração atual de jovens acalentou grandes sonhos", rebate o professor de arquitetura Stavros Stavrides. "E agora esses sonhos e oportunidades foram frustrados".

Stavrides juntou-se a vários dos seus colegas em apoio aos protestos. "Temos dezenas de milhares de jovens que estão se rebelando e o governo não sabe como responder a essa situação", diz Nikos Belavilas, professor de planejamento urbano. "O sistema político não conseguiu integrar os jovens", acrescenta o sociólogo Georgoulas. "E é por isso que as coisas estão explodindo".

A sensação geral de frustração e impotência entre os manifestantes também é compartilhada pelo polícia, que é mal treinada e precisa defender constantemente a sua reputação contra as alegações generalizadas de infiltração direitista e xenofobia. O professor Belavilas fala de uma "brutalidade dos Bálcãs" que a tropa policial de choque utilizou contra os jovens manifestantes. Nos últimos anos foi registrado um número cada vez maior de mortes, e o tiroteio fatal em Exarchia é apenas um dentre vários exemplos disso.

A violência que se seguiu faz com que vários gregos mais velhos recordem-se do período de guerra civil de 1946 a 1949. E o cenário lembra de fato uma guerra civil: os jovens agrupam-se nas ruas e nas praças, ou sob a proteção das manifestações de massa, e jogam pedras, garrafas e pedaços de madeira contra a polícia que avança. Pequenos grupos de hooligans saqueadores, incluindo crianças, marcham pelos movimentados distritos comerciais. Armados de martelos e canos de ferro, eles quebram vitrines e janelas de automóveis, e incendeiam veículos e barricadas. Quando mais escura a noite, mais violenta a rebelião.

"Somos todos responsáveis"
Chocada pela reação furiosa à morte do jovem a tiros, a polícia desta vez está agindo com certa moderação ou respondendo com gás lacrimogêneo. E quando as unidades especiais, usando capacetes e escudos, avançam contra os manifestantes, estes recuam rapidamente para ruas vicinais escuras, seguindo geralmente para o campus da Politécnica.

O clima no campus lembra o de um festival ao ar livre. Por trás das barricadas nas entradas do campus e das faixas com slogans, fogueiras enormes ardem luminosas e o roque pesado ressoa pelas noites amenas. Há abundância de cerveja, e depois as garrafas vazias chovem sobre os policias que aventuram-se a chegar muito perto da universidade. Lá, os manifestantes são praticamente inatingíveis. Após a experiência fatal com as forças armadas em 1973, a universidade não pode ser invadida pela polícia, e tornou-se um paraíso anarquista. E um número surpreendentemente elevado de gregos acha que isso é bom.

Petros Markaris está sentado na sua cadeira e encontra-se indignado - mas não apenas por causa da destruição. O escritor de 71 anos de idade, cujos romances descrevem as razões subjacentes pelas quais os jovens estão rebelando-se na Grécia, diz que pressentiu os protestos. "Nós somos responsáveis por este surto de violência porque nós próprios o cultivamos", afirma Markaris.

A seguir ele desabafa a sua raiva, um ressentimento profundo devido ao fato de o seu país ser o palco de uma série infindável de escândalos, e de os "grupos corruptos" na política, na igreja, nas associações e nos sindicatos contarem com liberdade para saquear os bens públicos a bel prazer. Ele afirma que nenhum indivíduo dos dois campos políticos dominantes - nem os conservadores de centro-direita nem os socialistas, ambos dominados por clãs familiares - permitirão que os jovens tomem os seus lugares na sociedade. A Grécia de hoje sufoca todas as iniciativas.

"Os turistas alemães adoram a Acrópoles e a nossa história", afirma o escritor. "Mas os dias nos quais a Grécia foi uma civilização avançada acabaram há muito tempo".

Tradução: UOL
[Der Spiegel, 16/12/2008]
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