Pérolas, porcos e patetas

No "BBB", o temor de pertencer ao esquisito grupo dos que "são de ler livro" fala por si só

"GRAÇAS A Deus, nunca fui de ler livro." A frase, definitiva, é de uma das ilustres celebridades criadas no laboratório do "BBB", um tal de Fernando. É má política ficar indignado com aquilo que já sabemos não ser digno de atenção, mas, ainda assim, por vezes a estupidez dá tais sustos na gente que é difícil ficar impassível. Neste caso, o mais intrigante não é, evidentemente, o fato de o moço não ser de "ler livros". A cultura escrita não goza lá de muito prestígio entre nós, brasileiros, falando de maneira bem genérica. Se consideramos o microcosmo do "BBB" -gente jovem, considerada bonita, com pendores exibicionistas, ambição de se tornar celebridade e propensa a ganhar dinheiro fácil-, o índice deve tender a quase zero. O mais revelador é o alívio com que ele se expressa, como a dizer: "Graças a Deus não fui amaldiçoado com essa estranhíssima vontade, esse gosto bizarro, esse defeito de caráter". Qual é, exatamente, a ameaça que se pensa haver nos livros, ficamos sem saber, mas o temor de pertencer ao esquisito grupo daqueles que "são de ler livro" fala por si só. Por outro lado, é nesses momentos de espontaneidade real que o "BBB" tem algum interesse. Embora aqueles que chegaram ao programa não sejam, a rigor, representativos de nada, nessas brechas escapa o que vai na cabeça dessas moças e rapazes, de certa forma parecidos com os que estão do lado de fora. O desprestígio do conhecimento letrado é marca funda da sociedade brasileira -e quando é formulado com tanta veemência e clareza, é preciso prestar atenção.

Enquanto isso, na universidade de Aguinaldo Silva, o pau come. Na novela "Duas Caras", a instituição de ensino é palco de uma luta renhida entre aqueles que "querem estudar" -para vencer na vida, não mais do que isso; estudar aqui tem um valor de troca muito claro- e o bando de baderneiros e oportunistas, identificados como "de esquerda", que querem tumultuar o projeto "eficiente" do reitor, um ex-militante convertido ao ensino privado. Todos estudam lá -as mulatas sestrosas da favela, as patricinhas do condomínio, a mulher adulta que volta à sala de aula. Só não se sabe, ao certo, o que se estuda -embora haja gente empunhando livros e cadernos, não há uma indicação sequer (nem nos diálogos, nem nas trajetórias dos personagens) de que, em uma universidade, ao contrário dos shoppings do ensino, deva se produzir conhecimento e que o conhecimento de verdade é transformador. Justamente o que deve temer o "brother" Fernando.

[Bia Abramo. Folha de São Paulo, 03/02/2008]
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