Seria Tintin racista?

História da mais famosa personagem de Hergé que se passa no Congo é vista como preconceituosa
Por Izabela Moi

No mesmo ano em que o centenário do artista belga Hergé (1907-1983) é celebrado, “Tintin”, o personagem que o fez famoso no mundo inteiro, é acusado de racista e se torna foco de debate nos Estados Unidos, Europa, Austrália e África do Sul.
No final de julho, o segundo exemplar da série de 23 aventuras do jovem jornalista ao redor do mundo, “Tintin no Congo”, saiu das prateleiras da seção de infantis e migrou para a área destinada a adultos nas livrarias depois que a obra foi acusada pela Comissão pela Igualdade Racial (CRE) do Reino Unido. O volume, de 1931, conta a história na então colônia belga em fim dos anos 20. E ali, claro, o personagem central, loiro de olhos azuis, vindo da metrópole, é tratado como rei pelos congoleses - estes retratados, segundo o comunicado oficial da CRE, como “quase macacos, meio selvagens, falando como imbecis”.
A origem da reação da organização governamental foi uma carta escrita pelo advogado inglês David Enright. Em meados do mesmo mês, ao entrar numa das livrarias da rede, em Londres, Enright sentiu seus filhos de 2 e 7 anos ameaçados pela imagem dos nativos mostrados ali. A esposa de Enright é negra, nascida no continente africano, e seus filhos são, portanto, também negros.
O Congo Belga tornou-se independente em 1960, mas logo após a Segunda Guerra, em 1946, o próprio Hergé fez uma revisão do volume, considerando que continha uma visão por demais “colonialista e paternalista”. O artista retirou, por exemplo, uma aula que Tintin dava aos congoleses – na primeira edição, de geografia, sobre a “sua pátria, a Bélgica”, substituindo-a então por uma de matemática.
Após o pronunciamento da CRE, a editora sul-africana Human & Rousseau, a maior do país , que distribui livros por todo o continente, declarou publicamente que não vai traduzir o volume, por considerá-lo ofensivo. A rede de livrarias Borders mudou os livros de lugar, que já vêm com um prefácio explicativo, definitivamente para a seção de adultos também em suas lojas nos Estados Unodos e na Austrália (além do Reino Unido). A cadeia de livrarias WH Smith fez o mesmo.
No início de agosto, o debate cruzou as fronteiras da língua inglesa e veio se instalar no universo francófono. O congolês Bienvenu Mbutu Mondondo, 38, estudante de ciência política na Bélgica, deu entrada em um processo contra a empresa Moulinsart (que detém os direitos mundiais de comercialização) para impedir a circulação de “Tintin no Congo”.
A diferença aqui é que o debate tem outro tom. Na Bélgica, e principalmente na França, onde o personagem é quase tão adorado quanto Asterix e Obelix, as opiniões discutem o fato como censura anacrônica, ditadura do politicamente correto, criminalização de idéias sem referência ao contexto, ofensa à liberdade artística.
O jornalista e crítico literário Pierre Assouline, por exemplo, cujo blog sobre literatura no “Le Monde” é um dos mais populares na área, e também biógrafo do artista belga, acredita que o autor é fruto (e quase vítima) de sua época. Seu principal argumento é que ninguém escapou das “caricaturas” de Hergé, de comunistas a judeus. Por que os negros escapariam?
O CRAN, organização não-governamental equivalente ao CRE, mas francês, sabe que o debate tem de ser levado ainda com mais cuidado por aqui. Patrick Lozès, presidente do conselho, disse à EntreLivros que preparam um pronunciamento para o início de setembro, pois acredita que esta questão tem de ser compreendida por um público maior que aqueles que se sentem pessoalmente ofendidos pelo quadrinho.
O escritor alemão, e premiado pelo Nobel, Gunter Grass não escapou do debate sobre seu passado nazista, com ou sem contexto. Por que Hergé escaparia?


[Do site da revista EntreLivros]
1 Response
  1. Anônimo Says:

    Oi, tudo bem?
    acabo de descobrir seu blog, e estou gostando
    gostei muito do post
    parabéns