Umberto Eco: A leal oposição

Umberto Eco
O cientista Edoardo Boncinelli deu recentemente uma série de aulas na Universidade de Bolonha sobre as origens e o desenvolvimento da teoria da evolução. A coisa que mais me surpreendeu não foi tanto as provas irrefutáveis; mas, sim, o fato de que não apenas os oponentes, mas também muitos dos defensores da teoria, têm ideias tão ingênuas e confusas sobre a evolução.
Uma ideia desse tipo é a crença de algumas darwinianos de que o homem descende dos macacos. (No mínimo, depois de testemunhar certos episódios racistas de nossa época, ficamos tentados a comentar, assim como fez o escritor Alexandre Dumas a um tolo que zombou de sua herança étnica mista: “Meu pai era mulato, meu avô era negro e meu tataravô era um macaco. Veja, senhor: minha família começa onde a sua termina.”)
O fato é que a ciência sempre desafia o senso comum, que normalmente é menos avançado do que as pessoas imaginam. Todas as pessoas escolarizadas sabem que a Terra gira em torno do Sol e não vice-versa. Mesmo assim, em nossas vidas cotidianas, ainda nos apegamos a percepções ingênuas, observando tranquilamente que o Sol está se “levantando” ou se “pondo”, ou está “alto no céu”.
E quantas pessoas de fato podem ser consideradas escolarizadas? Uma pesquisa de 1982 feita na França pela revista Science et Vie revelou que uma em cada três pessoas acreditava que o Sol girava em torno da Terra.
Tirei esta pérola da edição de abril de 2009 do “Les Cahiers de l'Institut” – a revista de um instituto internacional para pesquisa sobre “fous litteraires” (em outras palavras, todos os escritores mais ou menos loucos que defendem ideias improváveis). O artigo de Olivier Justafre tem como foco aqueles que negam que a Terra é redonda e que gira em torno do Sol.
Talvez não surpreenda que as pessoas, incluindo alguns acadêmicos importantes, ainda negassem a hipótese de Copérnico no final do século 17. Mas o fato de que ainda havia grandes oponentes à teoria nos séculos 19 e 20 é bastante alarmante. Embora Justafre limite-se estritamente à oposição francesa, há gente mais do que suficiente –desde Abbe Matalene, que em 1842 demonstrou que o diâmetro do Sol era de apenas 32 centímetros (uma ideia de Epicuro, 22 séculos antes), a Victor Marcucci, que acreditava que a Terra era plana e a Córsega ficava no centro dela.
Isto apenas no século 19 – a loucura continuou no século seguinte. Em 1907, Leon Max publicou o “Essai de Rationalization de la Science Experimentale” [“Ensaio de Racionalização da Ciência Experimental”] em uma editora científica de renome, e em 1936 um certo B. Raiovitch publicou “La Terre Ne Tourne Pas” [“A Terra Não Gira”] no qual argumentava que o Sol era menor do que a Terra e maior do que a Lua (enquanto em 1815 Abbe Bouheret havia sustentado o contrário). Em 1935, Gustave Plaisant, que descrevia a si mesmo como “um ex-aluno da Ecole Polytechnique” escreveu um livro dramaticamente intitulado “Tourne-T-Elle?” (“Será Que Ela Gira?”). E mesmo em 1965, Maurice Ollivier, que também se denominava “ex-aluno da Ecole Polytechnique”, escreveu um livro sobre a imobilidade da Terra.
O único livro mencionado no artigo de Justafre que não foi escrito por um francês foi um de Samuel Birley Rowbotham, escritor britânico que acreditava que a Terra era um disco localizado a 650 quilômetros do Sol, com o Polo Norte no centro. O trabalho de Rowbotham, intitulado “Zetetic Astronomy: Earth Not a Globe” [“Astronomia Zetética: A Terra Não É Um Globo”], foi publicado em forma de panfleto em 1849. Mas nas três décadas seguintes ele cresceu para se tornar um livro de 430 páginas e deu origem à Sociedade Zetética Universal, que sobreviveu até a 1ª Guerra Mundial.
Em 1956, um integrante da Sociedade Astronômica Real, Samuel Shenton, fundou a Flat Earth Society [Sociedade da Terra Plana], com a missão de levar adiante o legado de Rowbotham. Quando a Nasa produziu fotos da Terra vista do espaço nos anos 60, ninguém podia racionalmente negar que o planeta era esférico. Mas na visão de Shenton, as fotos apenas enganavam o olho destreinado: todo o programa espacial era uma fraude, incluindo o pouso na Lua da Nasa, cuja intenção foi fazer com que o público acreditasse que a Terra é redonda.
O sucessor de Shenton, Charles Kenneth Johnson, continuou a denunciar o golpe, escrevendo em 1980 que tanto Moisés quanto Colombo haviam conspirado para difundir a ideia de um globo giratório. Um dos argumentos de Johnson era de que, se a Terra de fato fosse uma esfera, então as superfícies das grandes massas de água também teriam que ser curvas. Mas ele havia checado as superfícies do Lago Tahoe e do Mar de Salton e não encontrou nenhuma curvatura.
Será que deveríamos de fato nos surpreender, então, com o fato de que ainda há pessoas que rejeitam a teoria da evolução?

Tradução: Eloise De Vylder
[The New York Times, 07/02/2010]
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