As críticas raivosas contra Obama possuem fundo racista?

Antonio Caño
Jimmy Carter, com maior êxito em seu atual papel de consciência nacional do que no anterior de presidente, chamou a atenção sobre uma suspeita que vinha sendo alimentada nos corredores políticos nas últimas semanas: a agressiva campanha de críticas contra Barack Obama é inspirada pelo racismo. "Creio que em grande medida as manifestações de animosidade contra o presidente se baseiam no fato de ele ser negro."
Em princípio, se poderia pensar que se trata da clássica tática desqualificadora usada no jogo político: é mais fácil negar a autoridade moral de quem critica - racista, fascista, comunista, xenófobo ou machista - do que aceitar os erros de quem é criticado. No caso de Obama certamente se podem detectar erros, sobretudo em sua gestão da reforma da saúde, que merecem ser destacados com toda a paixão e energia que cada sociedade democrática permita. E esta, que se gaba de ser a mais livre do mundo, permite muito.
Mas também é verdade que parte da paixão que se viu nos EUA recentemente não parece justificável unicamente pela discrepância política. Parece ocultar algo mais, parece afetar um substrato emocional mais profundo e delicado do que a irritação por uma gestão do governo. Parece ser, poderia ser, um resíduo racista.
Sem ir mais longe, a manifestação do último fim de semana em Washington. O mais sintomático não é que fosse exclusivamente branca. Nem sequer que alguns dos participantes exibissem símbolos nazistas. O mais significativo dessa manifestação era a expressão de incredulidade, de plena negação da legitimidade - um colunista conservador escreve presidente entre aspas -, em relação à figura que ocupa a Casa Branca. E esse sentimento não pode estar muito alheio à circunstância de ele ser negro.
Outro exemplo pode ser a polêmica pelo grito de "Está mentindo!" que o congressista Joe Wilson proferiu contra Obama durante seu discurso no Capitólio na semana passada. A colunista Maureen Dowd talvez tenha ido longe demais ao escrever que na realidade o que Wilson quis dizer foi "Está mentindo, garoto!", usando o termo ("boy") com que os senhores brancos se referiam a seus escravos negros.
É um recurso literário, provavelmente. Mas Wilson é da Carolina do Sul, o mesmo estado a que pertence James Clyburn, o congressista negro de maior nível, e ambos sabem quem é quem no sul em matéria de racismo. Clyburn conhece muito bem Wilson, e por isso exigiu que este se desculpasse publicamente no Congresso, e por isso, diante de sua negativa, insistiu em exigir a censura oficial que a Câmara dos Deputados aprovou na segunda-feira.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

[El Pais, 18/09/2009]
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