José Andrés Rojo
Alto e magro, com sua branca palidez, José Saramago (nascido em Azinhaga, Portugal, em 1922) disse neta quinta-feira (14/6) que é preciso perder a paciência e demonstrá-lo diante de um mundo que está correndo para o abismo, que é incapaz de questionar as limitações de uma democracia governada pelos ricos e onde a esquerda é cada vez mais "idiota". "Uivemos!", ele pediu na Torre de Don Borja, recuperando a frase do "Livro das Vozes" ("Uivemos, disse o cachorro") que precede seu romance "Ensaios sobre a Lucidez".
"Não deixo de me fazer sempre a mais banal das perguntas", havia dito pouco antes. "O que é que estou fazendo aqui? Não estou buscando uma finalidade, não espero que me examinem e que me aprovem ou não. Pergunto-me se aproveitei o tempo, em quê o desperdicei. Não somos nada mais que um monte de cheios e vazios, e vivemos com uma terrível má consciência. É que sabemos que não deveríamos viver assim. O mundo é um horror; a vida, um desastre. Mas não percebemos que tudo pode mudar. É preciso mudar a vida. Se não mudarmos de vida, não mudaremos a vida."
Pouco depois, o escritor português ligava o triturador. "Agora o cidadão serve para votar, e depois até logo!" E passa os quatro anos seguintes recolhido, sem participar do andamento das coisas, fora do jogo. Tudo se reduz, no máximo, a trocar um governo por outro. "O mundo democrático é dirigido por organismos que não são democráticos", comentou depois, e referiu-se a diversas organizações internacionais. Então chegou a hora de uivar, foi essa sua conclusão.
"Estamos no fim de uma civilização", a que surgiu do Iluminismo, da Enciclopédia e da Revolução Francesa está indo para o buraco. E referiu-se veladamente à Polônia ao indicar que chegará o dia em que os cidadãos europeus escolherão nas urnas um regime fascista. A escritora colombiana Laura Restrepo havia definido Saramago em sua intervenção, aludindo ao que diz um de seus personagens, como "um cético do tipo radical".
O autor de "O Ano da Morte de Ricardo Reis", "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" e "A Balsa de Pedra", entre outros, e prêmio Nobel de Literatura em 1988, encerrou ontem o encontro internacional de literatura ibero-americana Lições e Mestres, que também celebrou em sua primeira edição as obras de Carlos Fuentes e Juan Goytisolo. A filosofia do encontro foi a proximidade.
A Fundação Santillana e a Universidade Internacional Menéndez Pelayo propuseram para as sessões uma espécie de café literário, montado na Torre de Don Borja, e ali, ao redor de pequenas mesas, sentaram-se escritores e críticos, editores e professores, jornalistas e tradutores. Estiveram, entre outros, Julio Ortega, José María Pérez Gay, Héctor Aguilar Camín, Sergio Ramírez, Carmen Iglesias, José María Ridao, Linda Levine, Juan Francisco Ferré e Carlos Reis.
Este último celebrou na obra de Saramago - que foi apresentada neta quinta pela vice-reitora da UIMP, Virginia Maquieira - sua capacidade de subverter as imagens estabelecidas. Ontem também falaram autores como Nino Judice, que indicou que em sua obra a ficção se transforma em história, ou como Fernando Iwasaki, que comentou que Saramago soube refletir em seus livros "a natureza social da condição humana".
Mas foi Laura Restrepo a encarregada de elogiar a obra de Saramago. "Esse é o odor do ser humano, nos indica a obra de Saramago", disse, "anda por aqui, segue-o, tomou este atalho, esse é o odor que desprende, essa é a cor de sua aura, essa a ferocidade de sua luta...". E reconheceu que Maria, do "Evangelho Segundo Jesus Cristo", é o personagem que lhe toca mais fundo: não a Madona que tem o menino nos braços, mas a Pietá, a mulher que sustenta o filho morto. Essa homenagem a todas as mães que, como tantas colombianas, "dão a vida a seus filhos para entregá-los à morte". E quase no final comentou que a obra de Saramago sussurra: "Isto é entre você e mim". E acrescentou que as histórias que ele conta tratam "no fundo somente de você, que lê isto, e de mim, que o escrevo". O resto são palavras.
[El Pais, 15/06/2007 - Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves]
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