Em "Bombas sobre São Paulo", Ilka Stern Cohen descreve bem o clima daquela época
RICARDO BONALUME NETO
Bombardeio de artilharia ou por aviões, tanques rondando as ruas, tiroteios por soldados bem armados e escombros em toda parte.
São Paulo já teve seu momento Bagdá, e este pequeno livro ilustrado relembra bem o que aconteceu. "Bombas sobre São Paulo - A Revolução de 1924" é pequetito, mas cumpridor.
Existem períodos ou acontecimentos históricos que costumam ser negligenciados por algum motivo. História também tem moda.
A rebelião constitucionalista de 1932 foi bem mais estudada do que o conflito político de 1924; mesmo a saga dos 18 do Forte de Copacabana ganhou mais destaque. Quem olha a profusão de fotos de destruição deste livro da historiadora Ilka Stern Cohen fica se perguntando como é que se pôde ignorar a Revolução de 1924.
"Para além das explicações atreladas à história política, entretanto, penso que o principal motivo desse "esquecimento" seja o fato de que fundamentalmente não há o que comemorar: a Revolução de 1924 foi um desastre que afetou seus promotores, seus oponentes e, em especial, os habitantes da cidade de São Paulo, que invariavelmente relembram, quando inquiridos ou relidos, a dimensão da tragédia: vidas interrompidas, milhares de feridos, privações, mortes, fome e frio", afirma a autora.
Resumidamente, na madrugada do dia 5 de julho do ano de 1924, unidades rebeldes do Exército e da Força Pública (hoje Polícia Militar) ocuparam as ruas de São Paulo. O objetivo era organizar uma "marcha revolucionária" em direção ao Rio de Janeiro para depor o presidente da República, Arthur Bernardes.
Mas houve confronto com tropas legalistas e a luta se estendeu a vários pontos da cidade, envolvendo milhares de combatentes durante 20 dias.
O que espanta nesse conflito é o pouco caso que os dois lados tinham com a cidade e seus moradores. Fábricas, prédios públicos, áreas residenciais eram bombardeados sem nenhuma precisão -ou intenção- cirúrgica.
Legendas imprecisas
A autora reuniu um bom conjunto de fotos que, por sorte, já vieram com legendas impressas. Sem dúvida isso facilitou a identificação, mas trouxe certa preguiça. As legendas poderiam ter sido mais bem trabalhadas em vez de meramente repetir o que está escrito na foto. Uma foto também é um documento histórico e tem de ser tratada como tal.
Por exemplo, a foto com a legenda simples "Trincheira na rua Sete Abril" mostra um grupo de soldados posando. Há vários tipos de uniforme e mesmo homens com roupa civil. Quem são eles? Revoltosos ou legalistas? Que fazem ali? Que armas portam? Faltam respostas a estas e outras perguntas.
O livro não se limita a relatar os confrontos. Há também uma bem feita descrição da cidade daquela época, algo difícil de reconhecer pelo paulistano de 2007. "De fato, percorrer as memórias e procurar os vestígios de 1924 na cidade de hoje é um desafio: são quase irreconhecíveis as paisagens fotografadas naquele ano", diz Cohen.
Em compensação, soa incrivelmente atual a mentalidade da época, especialmente da elite, de valorizar o que é importado em detrimento do nacional, revelada em anúncios de jornal ou nomes de lojas em francês.
O escritor Monteiro Lobato era um dos que ironizava essa mania caipira pelo estrangeirismo. Mas a velha mania continua, bastando ver qualquer anúncio de jornal com o nome de prédios novos; e a fixação em grifes só mudou de endereço, da velha rua "chic" 15 de Novembro para os atuais "shoppings".
BOMBAS SOBRE SÃO PAULO - A REVOLUÇÃO DE 1924, Ilka Stern Cohen, Ed. Unesp
Folha de São Paulo, 02/06/2007
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