Brasileiros rememoram a epopéia do Batalhão de Suez

Contingente, parte de tropa de paz da ONU, viu-se preso em meio à Guerra dos Seis Dias

Ao longo de dez anos, após a Guerra de Suez (1956), mais de 6.000 brasileiros ficaram baseados na faixa de Gaza; grupo foi o 20º contingente

GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK


Os israelenses abriram fogo contra o forte. Eles já haviam tomado quase toda a faixa de Gaza. Vendo que os seus disparos não eram respondidos, os soldados de Israel resolveram cessar o fogo e entrar no forte.
"Foram os piores minutos da minha vida com as balas zunindo em cima de nós em todas as direções." Assim um cabo brasileiro, e não um guerrilheiro palestino ou um soldado egípcio, descreveu em seu diário pessoal um episódio da Guerra dos Seis Dias, que completou 40 anos na última terça-feira.
Fernando Vargas, que tinha 19 anos na época, era membro do Batalhão de Suez. Esse grupamento do Exército brasileiro fez parte da Unef (forças de paz da ONU), que foi enviado para a região após a Guerra de Suez, em 1956. Ao longo de dez anos, mais de 6.000 militares brasileiros ficaram baseados na faixa de Gaza em 20 contingentes. Vargas integrava o 20º e último, composto por mais de 400 homens, em sua maioria por gaúchos.
Esses brasileiros são alguns dos raros observadores internacionais que presenciaram a guerra que mudaria para sempre a face do Oriente Médio.
Dias antes do início dos combates, o líder do Egito Gamal Abdel Nasser ordenara que a Unef se retirasse. As centenas de brasileiros, no entanto, permaneceram em Gaza porque o governo do Brasil não tinha logística para retirá-los.
Todos os países com tropas na área, menos a Índia, conseguiram remover seus militares a tempo, sem colocá-los em risco. Baseados em Rafah, os brasileiros foram literalmente pegos no meio do fogo cruzado de israelenses e egípcios.

Grupo levou 40 dias para voltar para o Brasil

O episódio descrito acima ficou conhecido como o dos "Seis do Buraco". Fernando Vargas e outros cinco militares brasileiros foram alvejados pelos israelenses, que os confundiram com guerrilheiros palestinos.
Após vários minutos sob tiros vindos de todos os lados, os brasileiros, escondidos em um buraco, conseguiram se explicar para os israelenses. Ainda assim, o Exército de Israel os fez prisioneiros, saqueando parte dos equipamentos.
Em outro incidente, o militar brasileiro Paulo Marchiori foi pego como refém pelos egípcios quando dirigia um veículo da ONU. Horas depois, os israelenses capturaram os soldados do Egito. Marchiori, equivocadamente, foi considerado egípcio por Israel. Sem falar inglês ou hebraico, o soldado foi salvo por um brasileiro que havia imigrado para Israel e servia no Exército judeu. Libertado, foi levado para o acampamento brasileiro em Rafah.
Já o cabo Carlos Adalberto Ilha de Macedo, que trabalhava como enfermeiro no Exército, teve menos sorte. Quando os israelenses entraram metralhando o campo do Brasil em Rafah, ele foi alvejado por um tiro no pescoço e morreu. Foi a única baixa brasileira. Os indianos perderam 32 homens em conseqüência do conflito no qual Israel, em apenas seis dias, derrotaria três Exércitos árabes -o egípcio, o sírio e o jordaniano- e praticamente triplicaria o tamanho de seu território.

Sem retirada
De acordo com Vargas, Israel não tinha conhecimento de que forças da ONU ainda estavam em Gaza, uma vez que elas haviam recebido ordem para se retirar. Como conseqüência, os israelenses confundiam os brasileiros com palestinos.
Apenas no dia 12 de junho, após o fim da guerra, os brasileiros conseguiram sair de Gaza e seguir para Israel.
Gaza, em relatos dos militares brasileiros postados no site www.batalhaodesuez.com.br, era uma cidade limpa, com largas avenidas. Já nos campos de refugiados a situação era precária. Os palestinos se dividiam entre dois tipos para os brasileiros: os amigos, chamados por eles de "habibs", e os guerrilheiros, "fedahim".
Os brasileiros da Unef não podiam ir a Israel entre 1956 e 1967, a não ser em visitas ilegais a kibutz. Quando viajaram para Ashdod, depois da guerra, ficaram surpresos. "A diferença era gritante. Em Israel, tudo era verdejante, com as pessoas trabalhando", disse Vargas em entrevista à Folha, por telefone, do Rio de Janeiro.
Ao chegarem à cidade portuária israelense, os brasileiros puderam enfim embarcar para o Brasil no Soares Dutra -um navio que levava carregamento de café para a Itália. Ainda assim, após escalas na Itália, no Chipre, na França e na Espanha, os membros da Unef desembarcaram no Recife apenas no final de julho, mais de 40 dias após a retirada de Gaza.
De lembrança, os brasileiros possuem, além das fotos, o Nobel da Paz recebido coletivamente em 1988 por todos os membros de forças de paz da ONU até aquele ano. E, curiosamente, a homenagem no nome de um campo de refugiados em Rafah, o campo Brasil, localizado onde antes estava o contingente brasileiro. (GC)

[Folha de São Paulo, 10/06/2007]
1 Response
  1. Anônimo Says:

    Realmente foi uma coisa terrivel, eu estavas presente no meio deste combate entre Israel e Egito, só estou vivo e tambem aos demais companheiros pela Graça de Deus, foram as primeiras missões dos Jatos Mirage frances, que abateram todos os Migs russos, ainda em território Egipcios, sem levantar vôo, tamanha era o conhecimento pelos espiões Israelenses.