Philipp Wittrock, em Gägelow, Alemanha
Os políticos levaram 15 anos para chegar lá - mas em 20 minutos viram tudo o que precisavam. Escondida sob guardas chuvas, a delegação do parlamento estadual de Mecklenburgo-Pomerânia Ocidental caminhou pelas vielas lamacentas da aldeia. O ministro do interior estadual, Lorenz Caffier, e seu grupo ouviram descrentes as histórias do prefeito -histórias sobre visitantes afugentados, casas incendiadas, animais empalados na cerca do jardim e tiros nas florestas.
Os políticos tinham vindo visitar Jamel, um pequeno vilarejo nas planícies frias do norte da Alemanha, perto da costa do mar Báltico. Queriam ver com os próprios olhos se os rumores eram verdadeiros - se Jamel de fato estava sob controle de neonazistas.
Eles usaram palavras como "assustador" e "deprimente" para descrever o que viram e ouviram e prometeram criar uma "ampla estratégia contra a direita". Quando partiram da aldeia naquele dia triste de janeiro, um homem filmou os estranhos visitantes da porta de sua casa. Era Sven K., de 30 anos - demolidor famoso por ser neonazista.
"Tudo da direita"
Pessoas como Sven K. - e seus amigos e familiares - são a razão pela qual o prefeito, Uwe Wandel, diz: "Desistimos de Jamel". Wandel, 49, é prefeito de Gägelow há apenas seis meses. Suas palavras, longe de soarem resignadas, parecem mais uma análise factual. Nem um único banco se dispõe a emitir créditos para projetos em Jamel, diz ele. De fato, um plano de reconstrução desenvolvido para a cidade há anos vem juntando poeira desde então.
Wandel estima que mais da metade das três dúzias dos moradores da aldeia seja de radicais de direita. "Aqui é tudo da direita", diz ele, apontando sua caneta para o mapa da aldeia fornecido pelo GoogleEarth. "Sim, você pode dizer que desistimos", ele diz novamente acenando com a cabeça, como se expressasse aprovação por sua própria avaliação da situação.
Wandel talvez não esteja há muito tempo no cargo, mas mora na região desde 1983 e conhece bem demais a história de Jamel. Nada do que contam é exagero, enfatiza.
Começou em 1992, no dia 19 de abril - domingo de páscoa. Cerca de 120 neonazistas ergueram a Reichskriegsflagg, um símbolo usado pelo partido nazista de Hitler, em frente a uma casa de fazenda antiga no final da Forstrasse. Eles queriam celebrar o 103º aniversário de nascimento de Hitler. "Vamos expulsar vocês a fogo", teriam dito os radicais de direita à família G., ao lado. A família havia reclamado anteriormente da música neonazista constante e pagou um preço alto pelas reclamações: invasões e pneus rasgados foram o início. Depois, um dia, encontraram suas galinhas mortas penduradas na cerca do jardim.
Festejando com os nazistasNo domingo de páscoa de 1992, a família se entrincheirou dentro da casa. O prefeito na época, Fritz Kalf, estava lá, armado. Quando a polícia foi chamada, apenas quatro policiais apareceram - e não ousaram entrar na casa onde os nazistas estavam festejando. Mais tarde, três dúzias de policiais apareceram e puseram fim à festa, mas não antes das portas e janelas da casa da família G. terem sido destruídas, junto com o carro de Kalf. Os culpados sumiram na escuridão. De fato, o único a ser multado naquela noite foi o prefeito - por porte de arma sem permissão.
O que se seguiu parece uma cronologia do terror - terror contra qualquer um que pensasse em se mudar para este canto aparentemente pacífico e remoto.
A família G. se segurou por mais três anos, antes de deixar a aldeia para sempre. Surgiram pessoas interessadas pela casa, mas foram rapidamente afugentadas. A casa em Forstrasse 10 foi incendiada pela primeira vez em 1996. Depois, houve uma invasão e a mobília foi destruída. Depois, há poucos anos, um casal estrangeiro decidiu gastar milhares de euros para reformar a casa - apesar de ser recebido com palavras "caiam fora" pichadas na parede. No dia em que planejavam se mudar, a casa foi incendiada novamente. Exasperados, desistiram.
Não foi o único caso de incêndio criminoso. Quando dois potenciais compradores foram ver uma casa nos limites da cidade, ela também foi incendiada na noite seguinte. Um alcoólatra local assumiu a responsabilidade, mas ninguém acreditou. Seu julgamento terminou em absolvição.
O KommandantEm 1996, a casa de fazenda de 200 anos, onde o aniversário de Hitler havia sido celebrado quatro anos antes, foi condenada por "razões de segurança". Sven K. e sua família deixaram a aldeia temporariamente, mas logo retornaram e mudaram-se para uma casa próxima. Um novo proprietário quis renovar a casa de fazenda decrépita e abrir uma pousada aconchegante. Não demorou para a idéia ser engavetada, e o homem, afugentado por ameaças e vandalismo.
Depois, na primavera de 2003, caçadores informaram que tinham visto um grupo neonazista treinando nas florestas perto de Jamel. Tempo considerável se passou antes da polícia ler o relatório. Vários meses depois, os policiais ainda encontraram cartuchos de balas no fundo das trincheiras no campo de batalha e um cartaz dizendo "Cuidado! Armas de fogo em uso! O Kommandant". Eles descobriram um jipe camuflado em Jamel, decorado com símbolos usados pelo Wehrmacht sob Adolf Hitler. Dentro havia armas de ar comprimido e pistolas.
Sven K. é o "Kommandant". Em abril de 2004, os exercícios militares na floresta levaram-no a ser acusado de "formação de grupo armado". Não era a primeira vez que rompia a lei. A promotoria perdeu a conta de quantas vezes Sven K. foi objeto de investigação criminal - o Departamento de Polícia em Schwerin diz, meramente, "inúmeras vezes". Ele foi acusado de invasão de domicílio, roubo e uso de símbolos proibidos, como a suástica - e foi condenado várias vezes. Ele também é acusado de ter instigado um ataque neonazista contra um grupo de jovens na Alemanha Ocidental.
As suásticas vistas em uma sinalização de Jamel há pouco tempo desapareceram. "Isso é deles, aquilo também", diz o prefeito Wandel, apontando para as poucas casas da Forstrasse. Vários carros estacionados nas garagens têm as palavras "Rapazes para o trabalho duro" em letras góticas. Um carro tem um adesivo que diz: "Não reclame, lute!"
Como na visita em janeiro pelos políticos, a chuva faz o entorno que é agradavelmente verde parecer deprimente. Não se vê ninguém. Baldes plásticos e pás estão jogados no parque infantil no meio do contorno no limite da cidade. A casa de fazenda é uma ruína, com o telhado parcialmente desmoronado e o terreno está cheio de lixo.
Em setembro de 2006, a casa foi vendida em um leilão por 18.000 euros (em torno de R$ 50.000). Sven K. fez uma oferta, mas o preço ficou alto demais para ele. O novo proprietário logo entrou em contato com a polícia; estava assustado. "Ele queria dar uma olhada em sua nova propriedade e estava com medo de ir para Jamel sozinho", lembra-se Klaus Wiechmann, porta-voz do departamento de polícia em Schwerin. O novo proprietário eventualmente visitou a ruína sinistra escoltado por patrulhas. Ainda não se sabe quais são seus planos para a propriedade.
A poucos metros da casa de fazenda, madeira e lixo estão empilhados formando um quadrado, no limite da estrada da aldeia, para serem queimados em uma das fogueiras periódicas - e ilegais - dos moradores.
Resgatar a aldeia dos neonazistas"Bem, você sabe, é assim nas pequenas aldeias. As pessoas fazem fogo aqui de vez em quando", diz Horst Lohmeyer, dando de ombros. Ele e sua mulher Birgit moram em Jamel há mais de três anos. Os Lohmeyer não têm nada a ver com o extremismo de direita. O músico, com cabelos grisalhos compridos e as insígnias da Alemanha Oriental em suas lapelas, construiu seu lar em um albergue do século 19, nos limites da cidade, com sua mulher, uma escritora. Eles querem eventualmente fazer do celeiro um centro cultural. Lentamente, começaram a entender, há alguns anos, que Jamel era considerada uma aldeia neonazista, mas não deixaram que isso os desanimasse. "Nunca fomos ameaçados", diz Lohmeyer, que nunca teve que lidar com Sven K.
E não havia razão para isso. Os Lohmeyer moram ligeiramente fora do centro, na parte da aldeia abrigada por enormes árvores de tília e borbo - que o prefeito acredita não ser dominada por radicais de direita.
Apesar dessa distância saudável, os Lohmeyer não querem deixar o lugar para os neonazistas. O casal organizou um pequeno festival de música em sua propriedade, no início de julho, trazendo bandas de rock, música latina e folk para se apresentarem em um pequeno palco atrás do albergue. O tempo estava ruim, e apenas 100 pessoas fizeram a viagem para a aldeia remota - "mas foi um bom começo", diz Horst Lohmeyer.
Tarde demais?
Ainda mais porque tudo ficou calmo - nem os militantes de direita nem os de esquerda foram até a aldeia. Sven K., preocupado que antifascistas de esquerda pudessem usar o festival como cobertura para lançar um ataque, enviou um vigia para observar o evento. Como não apareceram militantes, o próprio Sven foi até lá tomar uma cerveja com sua família no dia seguinte - "com as crianças e tudo, completamente normal e pacífico", lembra-se Lohmeyer.
Talvez o concerto marque um novo início para Jamel, e talvez o mesmo possa ser dito da visita simbólica, há muito devida, pelos políticos. Jamel ficou mais tranqüila. "Nenhuma investigação está ocorrendo presentemente, nem por crimes políticos nem por crimes normais", diz um porta-voz da polícia. A polícia aumentou sua presença em Jamel há anos, enfatiza.
O prefeito Wandel, entretanto, sabe que a calma pode ser enganosa. Afinal, os radicais de direita efetivamente controlam a cidade. Depois de sua breve visita em janeiro, o político Robert Nieszery advertiu que "a única razão pela qual Jamel está tranqüila é porque a cidade é habitada quase exclusivamente por neonazistas".
Tradução: Deborah Weinberg
[Der Spiegel, 05/09/2007]
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