No último domingo, assisti à estréia do quadro “É muita história”, do jornalista e escritor gaúcho Eduardo Bueno, no Fantástico, da Rede Globo. Tinha em mente que tratava-se de uma figura polêmica, principalmente para os acadêmicos e estudiosos da história, que questionam as fontes e o linguajar de seus livros - sucessos absolutos de vendas.
O tema do primeiro programa, obviamente, era o 7 de setembro. Com bastante estranheza vi meu colega de profissão vestido de D. Pedro I, cavalgando um cavalo de pau por São Paulo. Lembrei-me que havia lido sobre a intenção do quadro em apresentar uma passagem histórica com dramaturgia improvisada e conversas informais. Respirei fundo para dar mais uma chance ao programa, mas não consegui ser tolerante com a caricatura da história que saltou diante de meus olhos.
Logo no começo, Bueno levanta a lebre: “Desde o Dia do Fico, em janeiro de 1822, a independência do Brasil era só uma questão de tempo. Ao decidir ficar no Brasil, desobedecendo ao pai, Dom João XVI, e afrontando as cortes de Lisboa, Dom Pedro deu um passo sem volta. Por que, então, Pedro esperou até setembro para dar seu grito? Por que no dia 7? E por que no meio do nada, às margens do riacho Ipiranga?”.
Mas, ao invés de explicar, ou ao menos discutir, tudo que transcorreu de janeiro a setembro de 1822 – e até mesmo antes, chegando à revolução liberal do Porto em 1820, crucial para a compreensão do processo de independência – Bueno percorre outro caminho e narra apenas o dia 7 de setembro para o jovem Pedro. Passando por um breve comentário sobre as críticas da imprensa e citando como história oficial – e, portanto, descartável - a correspondência em que José Bonifácio informa ao futuro imperador a intenção portuguesa de retomar com força as rédeas coloniais, a conclusão, narrada por Pedro Bial, é que “viagens longas e estafantes, calúnias dos jornais, paixões arrebatadoras, rejeição e indigestão” são as causas da independência brasileira. Claro, em sua tese de que a independência foi declarada em “um dia de fúria de D.Pedro” isto faz sentido.
O que não faz sentido para mim é apresentar em cadeia nacional, na emissora com maior audiência, um programa como esse. Aliada à fórmula de “reconstituições históricas” – necessariamente entre aspas -, com Bueno vestido de D. Pedro, o que fica para o espectador é uma história fácil de digerir, mas perigosamente descontextualizada. Querer levar a história do país de uma forma palatável para o número imenso de pessoas que assistem ao Fantástico todos os domingos é uma coisa - fantástica aliás, com o perdão do trocadilho. Mas deixar que o 7 de setembro permaneça simplesmente como um dia de indigestão de um personagem de uma história bem mais ampla é outra muito diferente.
Para quem não assistiu, acesse: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/Fantastico/0,,AA1629846-4005,00.html
Maíra Kubík Mano
[Blog - Rev. História Viva, 10/09/2007]
O tema do primeiro programa, obviamente, era o 7 de setembro. Com bastante estranheza vi meu colega de profissão vestido de D. Pedro I, cavalgando um cavalo de pau por São Paulo. Lembrei-me que havia lido sobre a intenção do quadro em apresentar uma passagem histórica com dramaturgia improvisada e conversas informais. Respirei fundo para dar mais uma chance ao programa, mas não consegui ser tolerante com a caricatura da história que saltou diante de meus olhos.
Logo no começo, Bueno levanta a lebre: “Desde o Dia do Fico, em janeiro de 1822, a independência do Brasil era só uma questão de tempo. Ao decidir ficar no Brasil, desobedecendo ao pai, Dom João XVI, e afrontando as cortes de Lisboa, Dom Pedro deu um passo sem volta. Por que, então, Pedro esperou até setembro para dar seu grito? Por que no dia 7? E por que no meio do nada, às margens do riacho Ipiranga?”.
Mas, ao invés de explicar, ou ao menos discutir, tudo que transcorreu de janeiro a setembro de 1822 – e até mesmo antes, chegando à revolução liberal do Porto em 1820, crucial para a compreensão do processo de independência – Bueno percorre outro caminho e narra apenas o dia 7 de setembro para o jovem Pedro. Passando por um breve comentário sobre as críticas da imprensa e citando como história oficial – e, portanto, descartável - a correspondência em que José Bonifácio informa ao futuro imperador a intenção portuguesa de retomar com força as rédeas coloniais, a conclusão, narrada por Pedro Bial, é que “viagens longas e estafantes, calúnias dos jornais, paixões arrebatadoras, rejeição e indigestão” são as causas da independência brasileira. Claro, em sua tese de que a independência foi declarada em “um dia de fúria de D.Pedro” isto faz sentido.
O que não faz sentido para mim é apresentar em cadeia nacional, na emissora com maior audiência, um programa como esse. Aliada à fórmula de “reconstituições históricas” – necessariamente entre aspas -, com Bueno vestido de D. Pedro, o que fica para o espectador é uma história fácil de digerir, mas perigosamente descontextualizada. Querer levar a história do país de uma forma palatável para o número imenso de pessoas que assistem ao Fantástico todos os domingos é uma coisa - fantástica aliás, com o perdão do trocadilho. Mas deixar que o 7 de setembro permaneça simplesmente como um dia de indigestão de um personagem de uma história bem mais ampla é outra muito diferente.
Para quem não assistiu, acesse: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/Fantastico/0,,AA1629846-4005,00.html
Maíra Kubík Mano
[Blog - Rev. História Viva, 10/09/2007]
Viva Eduardo Bueno!! Que está abalando o monopólio do saber de vcs!!!!!