Hubert Prolongeau Enviado especial a Uagadugu (Burkina Fasso) e a Dacar (Senegal)
Ele conta e reconta o dinheiro em suas mãos. 250 francos. Ainda não é o suficiente. Será que ele vai conseguir? Assim como ocorre todo fim de tarde, esta criança está com medo. Caso ele não trouxer toda a quantia combinada, os 350 francos CFA (R$ 1,42) que o seu professor corânico exige, ele sabe que castigos esperam por ele. Será que vai fugir, optar por não voltar, tal como fizeram antes dele, na semana anterior, dois dos seus condiscípulos? Mas, assim fazendo, ele nada conseguirá, a não ser ficar no olho da rua, misturado aos bandos de adolescentes quase sempre drogados dos quais ele tem pouco ou nada a esperar. Então, ele tenta novamente, estendendo a mão. Ele tem 9 anos. É um "talibê", um aluno de escola corânica, condenado na maior parte do tempo a ser um mendigo, um fugitivo.
Ele conta e reconta o dinheiro em suas mãos. 250 francos. Ainda não é o suficiente. Será que ele vai conseguir? Assim como ocorre todo fim de tarde, esta criança está com medo. Caso ele não trouxer toda a quantia combinada, os 350 francos CFA (R$ 1,42) que o seu professor corânico exige, ele sabe que castigos esperam por ele. Será que vai fugir, optar por não voltar, tal como fizeram antes dele, na semana anterior, dois dos seus condiscípulos? Mas, assim fazendo, ele nada conseguirá, a não ser ficar no olho da rua, misturado aos bandos de adolescentes quase sempre drogados dos quais ele tem pouco ou nada a esperar. Então, ele tenta novamente, estendendo a mão. Ele tem 9 anos. É um "talibê", um aluno de escola corânica, condenado na maior parte do tempo a ser um mendigo, um fugitivo.
Por todo lugar, no oeste da África, as mesquitas estão brotando. Em Burkina Fasso, em Uagadugu, no bairro de Hamdalaye ou naquele de Poutenga, as suas torres de terra erguem-se para o céu. Em volta delas, dentro de pequenas (pequenas demais...) casas, podem ser encontradas numerosas escolas corânicas. Como a de Cheikh Youssef. À noite, quando o sol já se pôs em "Uaga" e quando brilham os fulgores das lâmpadas de petróleo, uma turma de cerca de sessenta crianças ouve o professor, compartilhando um Alcorão por grupos. Os mais novos já estão dormindo, deitados sobre as pernas dos seus companheiros. Na encruzilhada ao lado da escola, um grupo de doze jovens está esperando, à beira do "asfalto". Eles são da etnia "peul", e antigos alunos do professor. Eles optaram por fugir e, desde então, andam a esmo pelas ruas.
Os professores, em muitos casos, vieram do campo junto com os seus alunos. Eles nada recebem para cuidar das crianças, mas o seu papel deveria ser acomodá-las e alimentá-las. Na escola de Cheikh Youssef, uma única sala abriga os alunos. Cerca de vinte deles cabem no recinto. Os outros dormem do lado de fora. Quando alguém lhe pergunta por que, Cheikh Youssef responde que esta é a vontade de Alá, e que tudo aquilo que as crianças aprendem da sua palavra justifica este pequeno sacrifício. Mas, o que será que eles aprendem? Aos 11 anos, Baari Sule fugiu da sua casa na aldeia de Logo, onde ele vivia brigando, e refugiou-se na escola corânica de Poutenga. Lá, ele cansou de tanto moer o sorgo. Não conseguiu aprender a ler, e quase nunca consegue matar a sua fome. Regularmente, ele era enviado para mendigar. Muito rapidamente, as suas jornadas acabaram se limitando a isso. Ele fugiu, mais uma vez.
Assim como ele, muitos acabam desistindo. Um dia, eles se vão, cansados desta tirania, das críticas, das surras quando eles não trazem o dinheiro exigido. "Eles sempre pegavam tudo o que eu tinha", conta Dieudonné Ouedraogo, 13 anos, "e eu só comia para valer quando alguém me dava alimentos e que eu podia fazê-lo às escondidas". Ele permaneceu por três anos na sua escola, dos 9 aos 12 anos. Então, ele se encheu de tudo isso. Numa certa noite, ele não voltou. Ele guardou para ele o produto da sua mendicância. Desde então, ele voltou a cruzar com os outros. Volta e meia, ele volta e fica largado novamente na frente da escola. Só que ele se mantém à distância.
As ruas de Uagadugu estão repletas desses talibês fugitivos. Eles podem ser reconhecidos pela sua "maleta", a grande lata de conservas de tomates, cortada em dois que eles carregam amarrada em volta do pescoço, e na qual as pessoas enfiam algumas moedas ou alimentos. À noite, eles dão uma volta pelos "maquis", os restaurantes locais, para recuperar os restos. Não raro a colheita é abundante: ninguém morre de fome em "Uaga". Os talibês têm a sorte de despertar de vez em quando a piedade, diferentemente das outras crianças de ruas, as quais são consideradas - nem sempre erradamente, aliás - como ladrões e drogados. Estes são chamados de "bacoramans" em Uagadugu, e de "fakhman" em Dacar.
Mais a leste, a capital do Senegal não é poupada por essas crianças errantes. Elas são vistas nos sinais vermelhos, nas encruzilhadas, perto dos restaurantes, vestindo farrapos, enquanto a sarna ou todo tipo de micose corroem os seus membros e seu crânio, não raro raspado. Em muitos casos são migrantes, oriundos do campo ou dos países vizinhos. Segundo a Unicef, 45% dessas pequenas vítimas são das etnias Peul e Toucouleur; mais da metade é proveniente da Guiné-Bissau e 26% de Casamance. Nesta população, 60% dos marabutos (sacerdotes islâmicos) corruptos que operam na capital senegalesa vêm da Guiné-Bissau. Não raro eles afluem para a cidade, acompanhados pelos seus talibês. Dacar é difícil. Os bandos que a povoam são mais violentos do que aqueles de Uagadugu. Mas os crimes que eles aprontam são os mesmos. Ali, os daara, os estabelecimentos corânicos, estão instalados já faz muito tempo. Por muito tempo eles constituíram um ramo alternativo ao sistema educativo oficial, uma herança da colonização francesa.
Duas confrarias religiosas, os mourides e os tidjanes, dividiam entre si as formações, que passavam pela alfabetização em árabe, o ensino do Alcorão e dos seus valores, e uma formação profissional. A mendicância, mesmo que sempre tivesse havido um debate doutrinal sobre o ensino da sua prática, e mesmo se certas escolas a rejeitassem, fazia parte deste ensino, com o objetivo de ensinar a humildade às crianças: eles deviam passar uma hora por dia indo de casa em casa e trazer de volta algo para comer. Uma hora por dia... Atualmente, a maior parte dos talibês errantes em Dacar se dedica a mendigar de seis a dez horas. "A sua presença é a prova de uma perda de rumo do ensino corânico. Ela é também, e infelizmente, a conseqüência de um desmoronamento muito forte da solidariedade familiar africana", comenta com despeito um assistente social. "Os parentes enviam as suas crianças para as daara, quase sempre sabendo o que espera por elas".
Durante os anos 1970, algumas daara começaram a se instalar na cidade, para onde o êxodo rural empurrava muitas famílias. A grande onda de seca de 1975 acelerou o fenômeno. Muitos marabutos, geralmente alheios às confrarias, começaram a abrir escolas, as quais não demoraram a se revelar perfeitamente indignas. A mendicância nelas se desenvolveu até se tornar o seu principal objetivo. Thierno tem 10 anos. Ele é aluno de uma daara de Dacar. "Foi o meu irmão mais velho que levou para a casa do marabuto. Os meus pais queriam que eu estudasse lá. Eles moram em Guiné Conakry, e nos enviaram para tentar a nossa sorte em Dacar". À noite, Thierno dorme no mercado de Sandanga, o grande mercado da cidade, uma toca de traficantes onde os policiais com freqüência intervêm com violência. De manhã, ele mendiga; depois, às 14h, ele vai para a sua daara, onde tem aula de Alcorão até as 17h. Então, ele retorna para as ruas. Se ele conseguir trazer 350 francos, ele é autorizado a comer na escola. De vez em quando, o professor lhe dá comida fiado. Mas ele precisa compensar no dia seguinte aquilo que ele não ganhou na véspera.Algumas escolas têm cerca de sessenta alunos: a 300 francos por dia e por talibê, a relação custo-benefício é mais que boa... "O meu pai quer isso, então eu fico", suspira, apertando contra a sua barriga a lata de conserva onde uma boa alma colocou três colheradas de arroz e um pouquinho de frango. Às sextas-feiras, dia de orações, é preciso trazer 525 francos CFA (R$ 2,13). Para compensar os dias em que nada dá certo, Thierno tem a sua "banqueira": uma mulher do mercado de Sandanga, uma vendedora de frutas que guarda para ele o seu dinheiro nos dias em que ele tem "demais", e que lhe devolve nos dias em que ele não consegue o suficiente.Caso ele nada trouxer, ele é surrado. Ou castigado. Foram publicadas fotos que chocaram a muita gente; elas mostravam crianças acorrentadas pelos pés. "Certa vez, eu não tinha feito as minhas lições; eu fiquei acorrentado todas as noites durante várias semanas", conta Bassirou, 15 anos, que fugiu da sua daara e, desde então, vem errando pelas ruas da capital.
Esta exploração está começando a mexer com as multidões. No Senegal, o grande escritor Cheikh Hamidou Kane, autor de "A Aventura Ambígua" (1961), um famoso romance africano que conta, entre outros, a juventude do romancista numa daara onde o marabuto não estava para brincadeira, decidiu defender os talibês. Uma associação foi criada, a Parrer (Parceria para a retirada e a reinserção das crianças de rua), que reúne intelectuais, homens de negócios, responsáveis de organizações e chefes religiosos, com o objetivo de pôr fim ao escândalo das crianças de ruas e àquele dos talibês mendigos.
Em 10 de outubro de 2006, um "conselho presidencial sobre as crianças de ruas" chamou a atenção para o problema, e estabeleceu conexões entre ele e um "documento de estratégia de redução da pobreza" elaborado em 2002. "Durante 18 meses", explica o escritor, "nós vamos testar diversos módulos de inserção dessas crianças: pode ser ajudar as famílias pobres em meio rural, ou ainda ajudar os marabutos a melhorarem as daara. É preciso insistir nesta função dos chefes religiosos na modernização das escolas corânicas". Então, ele volta a sua cólera para outros. "Em minha opinião, os pais são os principais responsáveis".Pais esses que nem sempre sabem o que está acontecendo. Em Dacar, o pronto-socorro social de vez em quando traz crianças talibês fugitivas de volta para a sua casa. É o caso de Barafa. Ele mora em Touba, uma cidade religiosa que está se tornando a segunda cidade do país. Com toda a sua boa-fé, o seu pai e a sua mãe entregaram Barafa a uma escola de Gossas, uma aldeia próxima a Touba. "Ele precisava aprender o que é realmente o Alcorão para tornar-se um homem", diz o pai. Barafa aprendeu, sobretudo, a lavrar as terras do seu professor. Cansado, ele partiu para Dacar, caminhando dezenas de quilômetros a pé até alcançar a capital.
Hoje, acabam de reconduzi-lo para a sua casa. Ele foi difícil de convencer. No carro, ele fica encolhido, em silêncio; os seus olhos inquietos devoram uma paisagem que ele conhece bem demais. A sua mãe não ousa beijá-lo. O pai olha para ele, sentado num canto, cabisbaixo, teimoso. É preciso praticamente forçá-lo para que ele se decida a falar, e então ele começa aos poucos a contar, a dizer o que lhe dá na telha. Os seus irmãos e irmãs, preocupados, dão uma olhada pela porta aberta. Eles decidem que Barafa ficará por um tempo em casa, e depois tentará acompanhar as aulas de uma outra daara, em Touba, desta vez um estabelecimento sério. Ele conseguiu sair da sua encrenca. Segundo estimativas, existem 8.000 talibês mendigos que erram pelas ruas de Dacar.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
[Le Monde, 09/09/2007]
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