Fotógrafo André Zucca registrou cenas amenas do cotidiano da cidade em 1941, durante domínio do país pelos alemães
Imagens provocam críticas por não mostrarem o lado dos que resistiram aos nazistas; legendas dirão que autor era colaboracionista
Imagens provocam críticas por não mostrarem o lado dos que resistiram aos nazistas; legendas dirão que autor era colaboracionista
LENEIDE DUARTE-PLON
A França ainda não acabou de ajustar contas com o passado ligado à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial e ao colaboracionismo com o ocupante. Prova disso é que nos últimos dias uma polêmica ocupou a imprensa francesa em torno da legitimidade da exposição de fotos de André Zucca, da Paris de 1941.
Tudo nessa exposição de fotos parece incomodar. A começar pelo título original. "Ela deveria se chamar "Parisienses sob a Ocupação" e não "Os parisienses sob a Ocupação'", dizia o historiador Jean-Pierre Azéma, autor do prefácio do livro com as fotos da exposição, antes mesmo de o título ser mudado, na última sexta.
Como muitos, ele pensa que fotos de parisienses vivendo normalmente ocultam a realidade trágica dos resistentes e a perseguição dos judeus.
As belas fotos de Zucca foram encomendadas pelo invasor nazista para publicação na revista alemã "Signal", célebre pela qualidade da fotografia, mas acabaram não sendo publicadas. Eram fotos de propaganda, pois a revista era diretamente ligada a Goebbels.
Isso não estava dito explicitamente quando a exposição foi inaugurada na Biblioteca da Cidade de Paris, no bairro do Marais, onde fica até julho. Depois da crítica de um importante jornalista, os organizadores acrescentaram um texto explicativo informando que o "privilégio" de fotografar a cidade era dado a poucos fotógrafos, escolhidos a dedo pelos alemães.
Os caros e raros filmes Agfacolor eram fornecidos somente a esses fotógrafos. Por isso, há tão poucas imagens dessa época. As fotos existentes foram feitas por fotógrafos que trabalhavam sob estrito controle.
As 270 fotos inéditas da exposição têm um grande valor histórico, mas mostram uma Paris descontraída, com uma vida quase normal em diversos bairros emblemáticos. Zucca fotografa as elegantes corridas de cavalo de Auteuil, fachadas de cinemas, bairros chiques ou mais populares como o mercado Les Halles, que desapareceu.
Os parisienses parecem despreocupados, sentados nos cafés, entrando ou saindo do metrô ou de cinemas.
Algumas fotos mostram um aspecto light da ocupação, com tropas alemãs descendo a avenida Champs Elysées depois da troca diária de guarda do Arco do Triunfo ou a rue de Rivoli enfeitada com a bandeira do Reich. Na cidade, aqui e ali podem ser vistos letreiros em alemão. Imagens históricas que ainda incomodam muito.
Resistência ausente
Na mesma cidade e época, toda tentativa de resistência era fortemente reprimida pelo ocupante alemão. A ausência da realidade da guerra chocou alguns e gerou a polêmica.
Na última segunda, o prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, anunciou que a exposição continua, mas a prefeitura vai organizar debates com historiadores sobre o uso da fotografia como instrumento histórico.
Além disso, as fotos vão ganhar legendas mais explícitas para que fique claro que foram feitas por um colaboracionista e sob encomenda dos nazistas. Os cartazes espalhados pela cidade foram retirados.
André Zucca foi um dos mais ativos fotógrafos da imprensa de antes da guerra. Ele trabalhou como repórter especial de grandes revistas como "Life" e "Paris-Match". No fim da guerra, foi julgado por colaboração com o ocupante, mas não foi condenado à morte. Mudou de nome, de cidade e morreu longe de Paris.
[Folha de São Paulo, 27/04/2008]
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