Elke Schmitter
"Persépolis", de Marjane Satrapi, o comovente relato em quadrinhos de sua vida durante e depois da Revolução Iraniana, foi adaptado para o cinema e promete se tornar um sucesso internacional de bilheteria. O filme combina habilmente o tema universal da ansiedade adolescente com um exame da guerra e ditadura.
Uma mulher iraniana de 37 anos foi surpreendentemente bem-sucedida no difícil negócio de fazer um filme graças a uma idéia simples que é tanto gentil quanto subversiva. "Persépolis", o filme baseado na álbum em quadrinhos de Marjane Satrapi de mesmo nome e co-dirigido por ela e Vincent Paronnaud, já está sendo exibido com sucesso em 10 países e deverá conquistar corações por todo o mundo, por mais improvável que pudesse parecer a princípio.
Por que improvável? Porque, em "Persépolis", Satrapi está apenas olhando para sua própria vida e contando a história de uma forma altamente despretensiosa. Ela cresceu em Teerã como parte de uma família amorosa de classe média crítica do regime do xá e depois testemunhou a derrubada deste em 1979, a ditadura fundamentalista subseqüente e a guerra entre o Irã e o Iraque.
Seus pais conseguiram que ela fosse levada para fora do país, para que pudesse freqüentar um colégio em Viena por alguns anos. Na juventude, ela retornou voluntariamente ao local sinistro que seu país de nascimento tinha se tornado. Então, após um casamento breve e infeliz, ela decidiu emigrar definitivamente para a França. Lá, a artista gráfica deu um tempo antes de decidir contar sua história na forma de uma graphic novel.
Mas as coisas não foram tão simples; foi como se Satrapi precisasse fazer algo para escapar de suas crescentes trevas interiores: "Eu poderia ter odiado para sempre e isto me tornaria como eles. Então disse a mim mesma: ei, faça o que os artistas fazem, pense a respeito e escreva".
E seu álbum em quadrinhos é realmente uma forma de literatura. A história é contada em imagens contrastantes em preto-e-branco com uma quantidade relativamente grande de texto ao lado de imagens fortes, que lembram entalhes em madeira. As imagens bidimensionais formam uma linguagem cinematográfica facilmente compreensível para todos.
A história se torna universal pelo fato da adolescente Marjane articular as dificuldades da puberdade com a mesma intensidade e na mesma voz ligeiramente histérica com que descreve o terror da guerra e da ditadura iraniana. A solidão da adolescente e o medo terrível de ser feia -sentidos tão profundamente em Teerã quanto em qualquer outro lugar- não são tratados como triviais nos quadrinhos e no cinema. Marjane nunca esquece a tensão entre as experiências dramáticas e os problemas aparentemente insignificantes pelos quais passa.
A colegial tinha acabado de escapar do pior de todos os mundos possíveis quando é retratada como absorta com os prazeres do consumismo, perambulando por um supermercado de Viena. O trauma moral de sobrevivente ainda consome sua alma sensível quando uma espinha a lança no desespero. E quando ela se apaixona e é traída, sua solitária existência de imigrante sofre um golpe final: "Eu resisti a uma revolução na qual perdi parte da minha família. Eu sobrevivi à guerra que me separou de meu país e minha família (...) uma história de amor banal quase acabou comigo".
O merecido sucesso de "Persépolis" também se deve à sua estética: o estilo ousado em preto-e-branco não apenas o salva de ser kitsch, mas também afasta os dilemas enfrentados por filmes politicamente comprometidos, especialmente quando vêm de outra tradição cultural; como representar ocasionalmente os sinistros mulás de forma que o espectador possa vislumbrar os seres humanos sob o turbante? Como dar a personagens femininas em mantos pretos algum tipo de personalidade? Como equilibrar de forma decente a tensão eterna entre a clareza de expressão e compromisso político de um lado, e o kitsch e a propaganda do outro?
A opção pela graphic novel, que abre mão da necessidade de sugerir cores, cheiros, clima ou profundidade cênica, remove o fardo da necessidade de manter o distanciamento interno e permite ao leitor o desenvolvimento de uma empatia com os elementos essenciais da história: quando pequenas silhuetas pretas são vistas cruzando um campo minado e explodindo em intervalos regulares, isto revela a insanidade da guerra entre Irã e Iraque de forma bem mais perturbadora do que um close em technicolor de alguém dando dramaticamente seu último suspiro.
Marjane Satrapi usa estas técnicas aparentemente simples para se esquivar não apenas de todas as formas de propaganda, mas também de nossos próprios hábitos visuais e expectativas. Subversiva, encantadora e cheia de humor, Satrapi criou uma obra de arte realmente grande.
Tradução: George El Khouri Andolfato
"Persépolis", de Marjane Satrapi, o comovente relato em quadrinhos de sua vida durante e depois da Revolução Iraniana, foi adaptado para o cinema e promete se tornar um sucesso internacional de bilheteria. O filme combina habilmente o tema universal da ansiedade adolescente com um exame da guerra e ditadura.
Uma mulher iraniana de 37 anos foi surpreendentemente bem-sucedida no difícil negócio de fazer um filme graças a uma idéia simples que é tanto gentil quanto subversiva. "Persépolis", o filme baseado na álbum em quadrinhos de Marjane Satrapi de mesmo nome e co-dirigido por ela e Vincent Paronnaud, já está sendo exibido com sucesso em 10 países e deverá conquistar corações por todo o mundo, por mais improvável que pudesse parecer a princípio.
Por que improvável? Porque, em "Persépolis", Satrapi está apenas olhando para sua própria vida e contando a história de uma forma altamente despretensiosa. Ela cresceu em Teerã como parte de uma família amorosa de classe média crítica do regime do xá e depois testemunhou a derrubada deste em 1979, a ditadura fundamentalista subseqüente e a guerra entre o Irã e o Iraque.
Seus pais conseguiram que ela fosse levada para fora do país, para que pudesse freqüentar um colégio em Viena por alguns anos. Na juventude, ela retornou voluntariamente ao local sinistro que seu país de nascimento tinha se tornado. Então, após um casamento breve e infeliz, ela decidiu emigrar definitivamente para a França. Lá, a artista gráfica deu um tempo antes de decidir contar sua história na forma de uma graphic novel.
Mas as coisas não foram tão simples; foi como se Satrapi precisasse fazer algo para escapar de suas crescentes trevas interiores: "Eu poderia ter odiado para sempre e isto me tornaria como eles. Então disse a mim mesma: ei, faça o que os artistas fazem, pense a respeito e escreva".
E seu álbum em quadrinhos é realmente uma forma de literatura. A história é contada em imagens contrastantes em preto-e-branco com uma quantidade relativamente grande de texto ao lado de imagens fortes, que lembram entalhes em madeira. As imagens bidimensionais formam uma linguagem cinematográfica facilmente compreensível para todos.
A história se torna universal pelo fato da adolescente Marjane articular as dificuldades da puberdade com a mesma intensidade e na mesma voz ligeiramente histérica com que descreve o terror da guerra e da ditadura iraniana. A solidão da adolescente e o medo terrível de ser feia -sentidos tão profundamente em Teerã quanto em qualquer outro lugar- não são tratados como triviais nos quadrinhos e no cinema. Marjane nunca esquece a tensão entre as experiências dramáticas e os problemas aparentemente insignificantes pelos quais passa.
A colegial tinha acabado de escapar do pior de todos os mundos possíveis quando é retratada como absorta com os prazeres do consumismo, perambulando por um supermercado de Viena. O trauma moral de sobrevivente ainda consome sua alma sensível quando uma espinha a lança no desespero. E quando ela se apaixona e é traída, sua solitária existência de imigrante sofre um golpe final: "Eu resisti a uma revolução na qual perdi parte da minha família. Eu sobrevivi à guerra que me separou de meu país e minha família (...) uma história de amor banal quase acabou comigo".
O merecido sucesso de "Persépolis" também se deve à sua estética: o estilo ousado em preto-e-branco não apenas o salva de ser kitsch, mas também afasta os dilemas enfrentados por filmes politicamente comprometidos, especialmente quando vêm de outra tradição cultural; como representar ocasionalmente os sinistros mulás de forma que o espectador possa vislumbrar os seres humanos sob o turbante? Como dar a personagens femininas em mantos pretos algum tipo de personalidade? Como equilibrar de forma decente a tensão eterna entre a clareza de expressão e compromisso político de um lado, e o kitsch e a propaganda do outro?
A opção pela graphic novel, que abre mão da necessidade de sugerir cores, cheiros, clima ou profundidade cênica, remove o fardo da necessidade de manter o distanciamento interno e permite ao leitor o desenvolvimento de uma empatia com os elementos essenciais da história: quando pequenas silhuetas pretas são vistas cruzando um campo minado e explodindo em intervalos regulares, isto revela a insanidade da guerra entre Irã e Iraque de forma bem mais perturbadora do que um close em technicolor de alguém dando dramaticamente seu último suspiro.
Marjane Satrapi usa estas técnicas aparentemente simples para se esquivar não apenas de todas as formas de propaganda, mas também de nossos próprios hábitos visuais e expectativas. Subversiva, encantadora e cheia de humor, Satrapi criou uma obra de arte realmente grande.
Tradução: George El Khouri Andolfato
[Der Spiegel, 16/11/2007]
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