Migrações Sul-Sul já são metade do total

Surgimento de ilhas de prosperidade em meio à miséria faz de países que antes eram escalas o destino final
SAMY ADGHIRNI

As recentes cenas de caça aos imigrantes na África do Sul jogaram luz sobre um fenômeno incontrolável e pouco estudado ainda: o das migrações entre países em desenvolvimento.
Os contornos do problema só começaram a ser definidos em 2007, quando o Banco Mundial publicou o primeiro levantamento já feito sobre as chamadas migrações Sul-Sul, essencialmente clandestinas.
O estudo mostrou que esses fluxos aumentaram em 75% desde os anos 70, segundo estimativas que levaram em conta avaliações de organismos internacionais e dados colhidos em 56 países.
O mesmo documento avalia que as migrações Sul-Sul representam hoje metade de todos os movimentos migratórios. A Organização Internacional para Migração (OIM) diz que 70% desses fluxos ocorrem entre países em desenvolvimento.
Parte desse avanço se deve à fragmentação da antiga União Soviética em novos países, o que transformou em migrações internacionais deslocamentos antes considerados internos.
Conflitos e catástrofes naturais também causam grandes movimentos transnacionais, principalmente na África e na Ásia. Mas o salto nas migrações Sul-Sul se deve principalmente à criação pela economia globalizada de ilhas de prosperidade em regiões miseráveis.
A violência antiimigrante das últimas semanas fez da África do Sul o exemplo mais eloqüente. Estima-se que pelo menos mil pessoas cruzem a cada dia as porosas fronteiras que separam o razoavelmente próspero país de seus vizinhos. A maior parte dos clandestinos é de zimbabuanos, alguns com diplomas universitários, que aceitam todo tipo de emprego, de guardador de carro a serviços domésticos.
Problema semelhante ocorre em países como Índia, Malásia e até mesmo Brasil, transformados pelo crescimento econômico em "eldorado" aos olhos dos vizinhos mais pobres.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) encara o problema como uma equação laboral entre oferta e demanda. "Em alguns países cuja economia cresce, há setores que precisam de mão-de-obra, e os imigrantes estão dispostos a preencher esses espaços", diz Rodrigo Penna, da OIT.
Especialista no assunto, a filipina Dovelyn Agunias afirma que "as pessoas vão para onde os empregos estão".
O porta-voz da OIM, Jean-Philippe Chauzy, cita como exemplo a criação de camarão na Tailândia, um trabalho árduo geralmente feito por imigrantes do Laos e do Vietnã.

Mudança de rumo
O desenvolvimento econômico transformou países que antes eram plataformas de trânsito rumo ao mundo rico em cobiçados destinos finais. O norte do Marrocos está repleto de acampamentos de imigrantes subsaarianos que desistiram de tentar chegar à Europa pelo estreito de Gibraltar e hoje alimentam a economia informal do país africano.
No México, há grandes populações de trabalhadores do Caribe e da América Central que já não pensam em migrar aos Estados Unidos.
Na maioria das vezes, os imigrantes enfrentam a rejeição da população e a repressão das autoridades, a exemplo do que ocorre na Europa e nos EUA. Agressões e até assassinatos são freqüentes na Rússia. Em alguns países árabes, clandestinos não denunciam o trabalho em condições desumanas por medo de serem deportados.
"Essas pessoas sofrem muito e carecem de amparo até para retornar a seus países de origem", relata Chauzy, da OIM.

Bons anfitriões
Na contramão dessa tendência, a Venezuela permite que estrangeiros recebam assistência oficial do Estado, inclusive na área de saúde. O Brasil também é tido como tolerante com os trabalhadores bolivianos e paraguaios.
Mas é no golfo Pérsico que vigora a mais bem sucedida política de assimilação da mão de obra imigrante. As monarquias petrolíferas fornecem desde a década de 70 contratos de trabalho de até dois anos a milhares de filipinos e malaios dispostos a trabalhar nas áreas de serviço e construção.
As atitudes benevolentes de alguns governos reforçam a tese defendida pelo Banco Mundial de que as migrações geram crescimento econômico tanto para o país de origem como para o país de destino.

[Folha de São Paulo, 08/06/2008]
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