De Marie Delcas
Ele era chamado de Tirofijo, "aquele que acerta na mosca". É um apelido que já diz muito sobre o personagem, também dotado de uma capacidade um tanto estranha. Esta terá permitido a Manuel Marulanda Vélez sobreviver por mais de meio-século travando combates no meio da selva. O chefe histórico das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc, morreu, em 26 de março de 2008, de uma crise cardíaca. Ele tinha 78 anos.
O governo colombiano andou comemorando o falecimento do "instigador da violência armada". Desde então, os diferentes canais de televisão vêm exibindo programas nos quais são lembrados os inúmeros crimes atribuídos às suas tropas.
"Manuel Marulanda foi um grande guerreiro que conseguiu perder todas as oportunidades de fazer a paz que estiveram ao seu alcance", comenta Gustavo Petro, um senador de esquerda. "Quando a Colômbia estiver finalmente pacificada e se voltar para o passado, ela acabará aceitando a seguinte realidade: ele foi um personagem crucial da história do século 20".
Manuel Marulanda nasceu em 1930, perto da aldeia de Genova, situada no centro-oeste do país, no conturbado relevo da Cordilheira dos Andes. Do seu "território" no meio da selva, ele viu se sucederem mais de quinze presidentes da república.
"Eu não estive à procura da guerra, foi a guerra que veio me buscar. Quando não existe outra escolha entre a perspectiva de ser degolado e a de se refugiar no meio da selva, é preciso ser muito estúpido para ficar parado por aí, à espera dos seus carrascos", contou Marulanda numa entrevista concedida ao "Le Monde" em 2001. Naquela época, as Farc estavam comprometidas com um processo de paz na região. E, uma vez não faz costume, o velho guerrilheiro recebeu alguns jornalistas para um almoço.
Incansavelmente, Manuel Marulanda volta a falar a respeito da "Violencia", aquela guerra civil que tomou conta da Colômbia durante os anos 1950, deixando mais de 300 mil mortos, e que serviu como embasamento para a sua lenda. Fugindo das perseguições desencadeadas pelos conservadores então no poder, os camponeses liberais decidem refugiar-se na selva, onde iniciam um movimento de resistência. Desse mato, Manuel Marulanda nunca mais sairá. Junto com os seus primos e seus vizinhos, ele inventa a luta armada e aprende as técnicas de comando.
"Nós não tínhamos nem uma carabina sequer, naquela época; nós lutávamos apenas com flechas e lanças", recordou-se Manuel Marulanda, às gargalhadas.
Foi apenas dez anos mais tarde que ele aprenderia a existência e as idéias do filósofo Karl Marx (1818-1883). A revolução cubana projeta então as suas brasas sobre o continente. Em 1964, Manuel Marulanda funda as Farc, no que vem a ser a sua maneira de criar vínculos com o Partido Comunista. Mas o comandante guerrilheiro permanecerá um camponês, uma condição que impregna a sua alma. A última vez que ele viu uma cidade foi em 1963. A chegada de comandantes guerrilheiros de origem urbana em nada alterará a natureza da organização rebelde. Até hoje ainda, as Farc continuam se definindo e se considerando como um movimento de autodefesa camponês.
Um grande estrategista, mas um péssimo orador
Será preciso esperar até o ano de 1982 para que a Colômbia descubra o rosto do guerrilheiro, quando o então presidente da república Belisario Betancourt tenta pela primeira vez negociar a paz. Na ocasião, a televisão entrevista um homem trajando uma camisa de pano xadrez que não olha para a câmera e se expressa num péssimo espanhol. Dizem que o comandante supremo das Farc é inteligente, ardiloso e um grande estrategista, mas ele revela ser um péssimo orador.
"Manuel Marulanda nunca pronunciou qualquer discurso, nem escreveu qualquer texto, até onde é possível se lembrar", sublinha o cientista político Ricardo Garcia. Entretanto, em momento algum a legitimidade do comandante guerrilheiro chegou a ser questionada pelos seus homens. Em momento algum as Farc ficaram divididas, e nunca um guerrilheiro se arriscou a tentar tomar o lugar de Manuel Marulanda. A este respeito, as fotos disponíveis da guerrilha são muito significativas: todos os guerrilheiros estão armados, exceto Tirofijo, que, há muito tempo deixou de carregar uma arma.
Manuel Marulanda assistiu, com a mais completa indiferença, à queda do muro de Berlim, em 1989. Ele tem mais o que fazer. O dinheiro e as armas afluem, proporcionados pelos seqüestros e pela cocaína. As Farc estão crescendo a olhos vistos e vão ampliando o seu controle do território. A organização armada mostra-se capaz então de reunir mais de 8.000 homens para infligir severas derrotas ao exército. O poder acaba cedendo e aceita criar uma zona desmilitarizada de 42 mil quilômetros no território com o objetivo de negociar a paz.
A partir daquele momento, a silhueta um pouco arqueada e o passo lento de Manuel Marulanda se tornarão familiares para a população. Todas as noites, os chefes guerrilheiros aparecem no jornal televisivo. Mas, num país já transformado pelo processo de urbanização, o seu discurso anacrônico não convence ninguém. Além disso, as exações da guerrilha se tornaram intoleráveis. Mas, Manuel Marulanda "não acredita nas pesquisas de opinião". Do seu ponto de vista, a insurreição popular está prestes a arrebentar, e ela conduzirá os seus homens ao poder. As negociações não saem da estaca zero. As Farc tiram proveito da trégua parcial para se reforçarem militarmente.
Em fevereiro de 2002, o governo resolve encerrar de uma vez por todas a farsa do processo de paz. Três semanas mais tarde, Ingrid Betancourt, então candidata à presidência da República, é seqüestrada. O mundo descobre então o drama dos seqüestros na Colômbia. As Farc passam a figurar nas listas das organizações terroristas. Manuel Marulanda não gosta nem um pouco desta novidade, ele que se considerava à frente de um exército de liberação nacional.
Cansados de um conflito que não faz o menor sentido para eles, os colombianos conduzem então ao poder um presidente "de pulso firme", Álvaro Uribe, que jura resolver de uma vez por todas o conflito com as Farc. O exército retoma a ofensiva e obriga os guerrilheiros a recuarem nas profundezas da selva e nas montanhas. Manuel Marulanda não reapareceu em público desde 2002. Em diversas ocasiões, a imprensa repercute diferentes rumores a respeito da sua saúde, da qual dizem que ela é periclitante. Os militares sugerem que haveria uma marginalização do veterano à frente das Farc.
Contudo, os documentos que foram apreendidos recentemente nos arquivos do computador de Raúl Reyes, o porta-voz das Farc que foi abatido em março, evidenciam que Manuel Marulanda dirigiu até o fim a sua organização. Os seus últimos e-mails remontam a fevereiro de 2008.
"Marulanda? É a figura paterna que mantém unida toda a grande família das Farc", explicou Olivo Saldaña, um desertor das Farc. Uma figura paterna que, havia anos continuava mantendo dezenas de reféns no meio da floresta.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
[Le Monde]
Ele era chamado de Tirofijo, "aquele que acerta na mosca". É um apelido que já diz muito sobre o personagem, também dotado de uma capacidade um tanto estranha. Esta terá permitido a Manuel Marulanda Vélez sobreviver por mais de meio-século travando combates no meio da selva. O chefe histórico das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc, morreu, em 26 de março de 2008, de uma crise cardíaca. Ele tinha 78 anos.
O governo colombiano andou comemorando o falecimento do "instigador da violência armada". Desde então, os diferentes canais de televisão vêm exibindo programas nos quais são lembrados os inúmeros crimes atribuídos às suas tropas.
"Manuel Marulanda foi um grande guerreiro que conseguiu perder todas as oportunidades de fazer a paz que estiveram ao seu alcance", comenta Gustavo Petro, um senador de esquerda. "Quando a Colômbia estiver finalmente pacificada e se voltar para o passado, ela acabará aceitando a seguinte realidade: ele foi um personagem crucial da história do século 20".
Manuel Marulanda nasceu em 1930, perto da aldeia de Genova, situada no centro-oeste do país, no conturbado relevo da Cordilheira dos Andes. Do seu "território" no meio da selva, ele viu se sucederem mais de quinze presidentes da república.
"Eu não estive à procura da guerra, foi a guerra que veio me buscar. Quando não existe outra escolha entre a perspectiva de ser degolado e a de se refugiar no meio da selva, é preciso ser muito estúpido para ficar parado por aí, à espera dos seus carrascos", contou Marulanda numa entrevista concedida ao "Le Monde" em 2001. Naquela época, as Farc estavam comprometidas com um processo de paz na região. E, uma vez não faz costume, o velho guerrilheiro recebeu alguns jornalistas para um almoço.
Incansavelmente, Manuel Marulanda volta a falar a respeito da "Violencia", aquela guerra civil que tomou conta da Colômbia durante os anos 1950, deixando mais de 300 mil mortos, e que serviu como embasamento para a sua lenda. Fugindo das perseguições desencadeadas pelos conservadores então no poder, os camponeses liberais decidem refugiar-se na selva, onde iniciam um movimento de resistência. Desse mato, Manuel Marulanda nunca mais sairá. Junto com os seus primos e seus vizinhos, ele inventa a luta armada e aprende as técnicas de comando.
"Nós não tínhamos nem uma carabina sequer, naquela época; nós lutávamos apenas com flechas e lanças", recordou-se Manuel Marulanda, às gargalhadas.
Foi apenas dez anos mais tarde que ele aprenderia a existência e as idéias do filósofo Karl Marx (1818-1883). A revolução cubana projeta então as suas brasas sobre o continente. Em 1964, Manuel Marulanda funda as Farc, no que vem a ser a sua maneira de criar vínculos com o Partido Comunista. Mas o comandante guerrilheiro permanecerá um camponês, uma condição que impregna a sua alma. A última vez que ele viu uma cidade foi em 1963. A chegada de comandantes guerrilheiros de origem urbana em nada alterará a natureza da organização rebelde. Até hoje ainda, as Farc continuam se definindo e se considerando como um movimento de autodefesa camponês.
Um grande estrategista, mas um péssimo orador
Será preciso esperar até o ano de 1982 para que a Colômbia descubra o rosto do guerrilheiro, quando o então presidente da república Belisario Betancourt tenta pela primeira vez negociar a paz. Na ocasião, a televisão entrevista um homem trajando uma camisa de pano xadrez que não olha para a câmera e se expressa num péssimo espanhol. Dizem que o comandante supremo das Farc é inteligente, ardiloso e um grande estrategista, mas ele revela ser um péssimo orador.
"Manuel Marulanda nunca pronunciou qualquer discurso, nem escreveu qualquer texto, até onde é possível se lembrar", sublinha o cientista político Ricardo Garcia. Entretanto, em momento algum a legitimidade do comandante guerrilheiro chegou a ser questionada pelos seus homens. Em momento algum as Farc ficaram divididas, e nunca um guerrilheiro se arriscou a tentar tomar o lugar de Manuel Marulanda. A este respeito, as fotos disponíveis da guerrilha são muito significativas: todos os guerrilheiros estão armados, exceto Tirofijo, que, há muito tempo deixou de carregar uma arma.
Manuel Marulanda assistiu, com a mais completa indiferença, à queda do muro de Berlim, em 1989. Ele tem mais o que fazer. O dinheiro e as armas afluem, proporcionados pelos seqüestros e pela cocaína. As Farc estão crescendo a olhos vistos e vão ampliando o seu controle do território. A organização armada mostra-se capaz então de reunir mais de 8.000 homens para infligir severas derrotas ao exército. O poder acaba cedendo e aceita criar uma zona desmilitarizada de 42 mil quilômetros no território com o objetivo de negociar a paz.
A partir daquele momento, a silhueta um pouco arqueada e o passo lento de Manuel Marulanda se tornarão familiares para a população. Todas as noites, os chefes guerrilheiros aparecem no jornal televisivo. Mas, num país já transformado pelo processo de urbanização, o seu discurso anacrônico não convence ninguém. Além disso, as exações da guerrilha se tornaram intoleráveis. Mas, Manuel Marulanda "não acredita nas pesquisas de opinião". Do seu ponto de vista, a insurreição popular está prestes a arrebentar, e ela conduzirá os seus homens ao poder. As negociações não saem da estaca zero. As Farc tiram proveito da trégua parcial para se reforçarem militarmente.
Em fevereiro de 2002, o governo resolve encerrar de uma vez por todas a farsa do processo de paz. Três semanas mais tarde, Ingrid Betancourt, então candidata à presidência da República, é seqüestrada. O mundo descobre então o drama dos seqüestros na Colômbia. As Farc passam a figurar nas listas das organizações terroristas. Manuel Marulanda não gosta nem um pouco desta novidade, ele que se considerava à frente de um exército de liberação nacional.
Cansados de um conflito que não faz o menor sentido para eles, os colombianos conduzem então ao poder um presidente "de pulso firme", Álvaro Uribe, que jura resolver de uma vez por todas o conflito com as Farc. O exército retoma a ofensiva e obriga os guerrilheiros a recuarem nas profundezas da selva e nas montanhas. Manuel Marulanda não reapareceu em público desde 2002. Em diversas ocasiões, a imprensa repercute diferentes rumores a respeito da sua saúde, da qual dizem que ela é periclitante. Os militares sugerem que haveria uma marginalização do veterano à frente das Farc.
Contudo, os documentos que foram apreendidos recentemente nos arquivos do computador de Raúl Reyes, o porta-voz das Farc que foi abatido em março, evidenciam que Manuel Marulanda dirigiu até o fim a sua organização. Os seus últimos e-mails remontam a fevereiro de 2008.
"Marulanda? É a figura paterna que mantém unida toda a grande família das Farc", explicou Olivo Saldaña, um desertor das Farc. Uma figura paterna que, havia anos continuava mantendo dezenas de reféns no meio da floresta.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
[Le Monde]
Em relação a Marulanda, eu prefiro o cham-lo de líder Histórico das FARC pois ao chama-lo de chefe, nos remonta a construção caricaturada de alguém que não era legítimo e sim, o era para a queles que o seguia nas selvas Colombianas em formação de um Governo paralelo alternativo, controlou regiões, implantou formas de governo diferente do oficial no país e chegou no auge da guerrilha a formar um Exército de homens e mulheres treinados de aproximadamente 10.000 "FARQUISTAS".
Alguém que consegue "legionar" esta quantidade de soldados não pode ter a alcunha de "CHEFE".