Isabel Lafont
Em 1970, Cildo Meireles (nascido no Rio de Janeiro em 1948) estampou um eloqüente "Yankees go home" em várias garrafas de Coca-Cola. A obra foi completada com um gesto: o artista devolveu os vasilhames como se fossem simples garrafas. Cinco anos depois também gravou um acusador "Quem matou Herzog?" em notas de cruzeiros que, novamente, pôs em circulação. O jornalista Vladimir Herzog havia morrido nesse mesmo ano ("suicídio", segundo a versão oficial) depois de ser submetido a torturas.
Nesses projetos, intitulados "Inserções em circuitos ideológicos", Meireles, que na segunda-feira recebeu na Espanha o Prêmio Velázquez de Artes Plásticas 2008, uniu duas de suas pulsões. Experimentou com os meandros da arte conceitual, com a idéia -e não o objeto- da obra de arte. E ao mesmo tempo encontrou uma linguagem para o protesto político (o golpe de Estado de 1º de abril de 1964 deu início no Brasil a uma ditadura militar que durou até 1985). "A partir de 1969 me senti impelido a fazer peças políticas", explicou Meireles em Madri. "Creio que há trabalhos meus que são mais conceituais e outros que têm uma leitura política mais visível, mas sempre tive cuidado para não cair no panfletário", esclarece.
Mesmo em suas obras mais políticas Meireles, que deu continuidade a um movimento artístico iniciado no Brasil nos anos 1950 por nomes como Hélio Oiticica, Lygia Pape ou Lygia Clark, sempre indagou questões de linguagem e formais, a autoria, o anonimato... "Claro que há um discurso político! Eu escolhi as garrafas para fazer o que fiz, e não para fazer flores com elas. Mas também foi uma conquista da arte preservar e ampliar essa liberdade de expressão: quando se é artista, não se deve dar satisfação a ninguém".
Meireles foge do que chama de "literatite": "Esse excesso verbal, essa coisa aborrecida. Houve um momento em que ir a uma exposição de arte conceitual era um suplício", afirma. Por isso acredita que a arte "não pode abdicar da sedução". É o risco que surge quando a interpretação é superior à obra, "um retrocesso para a arte".
Por isso busca a interação, a relação sensorial com o público, e declara sua aspiração a superar o estritamente visual: "A verdadeira arte é a que se apresenta a um cego. O ser humano usa a todo instante outros sentidos, e alguns são mais importantes para a sobrevivência que a visão".
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
[El País, 12/06/2008]
Em 1970, Cildo Meireles (nascido no Rio de Janeiro em 1948) estampou um eloqüente "Yankees go home" em várias garrafas de Coca-Cola. A obra foi completada com um gesto: o artista devolveu os vasilhames como se fossem simples garrafas. Cinco anos depois também gravou um acusador "Quem matou Herzog?" em notas de cruzeiros que, novamente, pôs em circulação. O jornalista Vladimir Herzog havia morrido nesse mesmo ano ("suicídio", segundo a versão oficial) depois de ser submetido a torturas.
Nesses projetos, intitulados "Inserções em circuitos ideológicos", Meireles, que na segunda-feira recebeu na Espanha o Prêmio Velázquez de Artes Plásticas 2008, uniu duas de suas pulsões. Experimentou com os meandros da arte conceitual, com a idéia -e não o objeto- da obra de arte. E ao mesmo tempo encontrou uma linguagem para o protesto político (o golpe de Estado de 1º de abril de 1964 deu início no Brasil a uma ditadura militar que durou até 1985). "A partir de 1969 me senti impelido a fazer peças políticas", explicou Meireles em Madri. "Creio que há trabalhos meus que são mais conceituais e outros que têm uma leitura política mais visível, mas sempre tive cuidado para não cair no panfletário", esclarece.
Mesmo em suas obras mais políticas Meireles, que deu continuidade a um movimento artístico iniciado no Brasil nos anos 1950 por nomes como Hélio Oiticica, Lygia Pape ou Lygia Clark, sempre indagou questões de linguagem e formais, a autoria, o anonimato... "Claro que há um discurso político! Eu escolhi as garrafas para fazer o que fiz, e não para fazer flores com elas. Mas também foi uma conquista da arte preservar e ampliar essa liberdade de expressão: quando se é artista, não se deve dar satisfação a ninguém".
Meireles foge do que chama de "literatite": "Esse excesso verbal, essa coisa aborrecida. Houve um momento em que ir a uma exposição de arte conceitual era um suplício", afirma. Por isso acredita que a arte "não pode abdicar da sedução". É o risco que surge quando a interpretação é superior à obra, "um retrocesso para a arte".
Por isso busca a interação, a relação sensorial com o público, e declara sua aspiração a superar o estritamente visual: "A verdadeira arte é a que se apresenta a um cego. O ser humano usa a todo instante outros sentidos, e alguns são mais importantes para a sobrevivência que a visão".
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
[El País, 12/06/2008]
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