Chile: Governo reprime nova revolta contra uso de verba pública para educação privada

Tarde de Santiago na última quinta-feira [26/06]. Enquanto no Palácio La Moneda preparavam a abertura da exposição em homenagem ao centenário de Salvador Allende (1908-1973), ouviam-se sirenes de carros da polícia ali perto, onde ficam algumas das principais faculdades e colégios públicos.
Era mais um round dos confrontos entre estudantes universitários e secundaristas contra a lei de reforma educacional proposta pelo governo -e já aprovada na Câmara-, que consideram uma maquiagem na legislação da ditadura.
Os enfrentamentos aconteciam um dia após 4.500 estudantes marcharem na capital, reprimidos pelos truculentos carabineiros, a polícia militarizada, que os dispersava com jato de água e gás lacrimogêneo.
No fim de maio de 2006, menos de dois meses depois do início do governo Bachelet, os secundaristas protagonizaram a maior mobilização desde o fim da ditadura em 1990, imediatamente batizada com simpatia de "rebelião dos pingüins", por causa da gravata do uniforme.
O governo criou uma comissão, com participação dos alunos, para discutir a nova LGE (Lei Geral de Educação). Os estudantes deixaram a instância alegando não serem ouvidos.
O tema de fundo é o repasse de recursos estatais a administradores privados de colégios, que podem cobrar uma pequena soma ou nada dos alunos que acolhem. Além disso, os colégios possuem critérios próprios de seleção.
Os estudantes, apoiados pelo sindicatos dos professores, exigem que a subvenção seja eliminada e que o país priorize a educação pública.
Com divisões na própria base e sem maioria no Congresso, o governo negociou com a direita, defensora das subvenções, e passou a lei na Câmara. Falta ainda o Senado.
A nova LGE não elimina o repasse, mas aumenta a fiscalização da educação sob gerência privada e acaba com ao processo de seleção nesses colégios.
Segundo o jornal "La Nación", o governo repassa anualmente US$ 3 bilhões à rede de ensino, US$ 1,1 bilhão às escolas públicas e US$ 1,6 bilhão à rede subvencionada, que atende 500 mil alunos a mais do que a primeira. A diferença equivale a 34% a mais.
"Sabemos que no sistema neoliberal é impossível que a educação seja só pública. Mas o que não aceitamos é dar dinheiro aos privados", diz Rubén Azócar, 18, que a Folha reencontrou depois depois de dois anos, igualmente participando de uma assembléia estudantil.
Já fora da escola secundária pública e fazendo cursinho pago -"faltaram só cinco pontos para eu entrar em direito"-, cabelo crescido, Azócar tinha aparência abatida.
"Não nos resta opção a não ser continuar mobilizados. O governo fala de melhora do índice de pobreza, do analfabetismo. Mas é só massificação. Queremos qualidade."

Plebiscito
Alunos e professores preparam um plebiscito como última tentativa de pressionar e parar a tramitação do projeto, já que a volta dos "pingüins" às ruas não tem tanto apelo midiático como ocorreu em 2006.
O senador Juan Pablo Letelier, que pertence à ala à esquerda do Partido Socialista, parou na última quinta-feira para falar com estudantes que protestavam. Depois, falou à Folha. "A lei da ditadura me causa um mal-estar físico. É uma aberração. Mas o que os estudantes não entendem é matemática. Não temos os votos para fazer uma mudança profunda."
O senador é filho do diplomata Orlando Letelier, assassinado em Washington em 1976 pela polícia política do regime de Augusto Pinochet. (FM)

[Folha de São Paulo, 29/06/2008]
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