Eric Weiner*
O trabalho de Michael Cronin como funcionário de admissão de alunos na universidade faz com que ele tenha de viajar duas ou três vezes por ano à Índia. Ele já havia visitado os pontos turísticos mais comuns - templos, monumentos, mercados - quando um dia cruzou com um panfleto que divulgava "turismo na favela".
"Aquilo ressoou em mim imediatamente", diz Cronin, que estava hospedado no elegante Taj Hotel em Bombaim, onde, conforme ele próprio notou, uma garrafa de champanhe custa o equivalente a dois anos de salário de muitos indianos. "Mas eu não sabia o que esperar".
Pouco tempo depois, Cronin, 41, já estava desviando de esgotos a céu aberto e se agachando para evitar fios elétricos expostos enquanto passeava pela favela de Dharavi, onde vive mais de um milhão de pessoas. Ele participou de um jogo de críquete e visitou a pequena indústria local, com fábricas de bordado e curtume, que silenciosamente prospera na favela. "Nada é considerado lixo aqui", diz. "Tudo é reutilizado".
Cronin levou um susto quando um homem, "com certeza bêbado", roubou algum dinheiro de seu bolso, mas o passeio de duas horas e meia mudou sua imagem da Índia. "Todo mundo na favela quer trabalhar, e todos querem melhorar a si mesmos", disse.
O turismo em favelas, ou "pobrismo", como é chamado por alguns, está em alta. Das favelas do Rio de Janeiro às "townships" de Johannesburgo, passando pelos lixões do México, os turistas estão trocando, pelo menos por algum tempo, as praias e museus pelas populosas, sujas - e, sob vários aspectos, surpreendentes - favelas. Quando o britânico Chris Way fundou a Reality Tours and Travel em Mumbai há dois anos, mal conseguia reunir clientes para fazer um passeio por dia. Hoje, ele coordena dois ou três passeios diários e recentemente expandiu seu negócio para a zona rural.
Turismo em favelas não é para qualquer um.
Os críticos dizem que observar os mais pobres entre os pobres não é turismo. É voyeurismo. Segundo eles, os passeios são uma exploração e não têm vez no itinerário dos viajantes mais éticos.
"Você gostaria que pessoas parassem em frente à porta da sua casa todos os dias, ou duas vezes por dia, tirassem fotos de você e fizessem comentários sobre o seu estilo de vida?", pergunta David Fennell, professor de turismo e meio ambiente na Universidade de Brock, em Ontário. O turismo em favela, diz ele, é apenas mais um nicho que o turismo encontrou para explorar. O objetivo real, ele acredita, é fazer com que os ocidentais do primeiro mundo se sintam melhor em relação à sua situação de vida. "Isso reforça, em minha mente, o quanto eu tenho sorte - ou o quanto eles não têm", diz.
Não é bem assim, dizem os defensores do turismo nas favelas. Ignorar a pobreza não vai fazer com que ela desapareça. "O turismo é uma das poucas maneiras pelas quais eu ou você seremos capazes de entender o que significa a pobreza", diz Harold Goodwin, diretor do Centro Internacional de Responsabilidade no Turismo em Leeds, na Inglaterra. "Simplesmente fechar os olhos e fingir que a pobreza não existe me parece negar nossa humanidade".
A questão mais importante, diz Goodwin e outros especialistas, não é se os passeios nas favelas deveriam existir, mas sim como eles devem ser conduzidos. Eles limitam as excursões a grupos pequenos, que interagem respeitosamente com os moradores? Ou fazem o passeio de ônibus, com os turistas tirando fotos pelas janelas como num safári?
Muitos organizadores de passeios são sensíveis às acusações de exploração. Alguns encorajam - e pelo menos um deles exige - que os participantes tenham um papel ativo em ajudar os moradores. Um grupo ligado à igreja em Mazatlan, no México, organiza passeios ao lixão local, onde as pessoas sobrevivem com o que encontram no meio do lixo, parte dele vindo de um resort de luxo nas proximidades. O grupo não cobra nada, mas pede aos participantes que ajudem a fazer sanduíches ou a encher garrafas com água filtrada. Os passeios se mostraram tão populares que, durante a alta temporada, o grupo tem de recusar participantes. "Vemos nosso trabalho como uma ponte para conectar os turistas ao mundo real", diz Fred Collom, o pastor que coordena os passeios. Segundo consta, o turismo nas favelas começou no Brasil há 16 anos, quando um jovem chamado Marcelo Armstrong levou alguns turistas para a Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro. Sua empresa, Favela Tour, cresceu e deu origem a uma meia dúzia de imitadores. Hoje, em qualquer dia no Rio, dezenas de turistas sobem em minivans e motos e se aventuram por lugares em que mesmo a polícia brasileira não tem coragem de pisar. Os organizadores insistem que os passeios são seguros, apesar de sempre checarem as condições de segurança. Luiz Fantozzi, que fundou a empresa carioca Be a Local Tours, diz que pelo menos uma vez por ano ele chega a cancelar um passeio por questões de segurança.
Os passeios podem ser seguros, mas também são tensos. Rajika Bhasin, uma advogada de Nova York, lembra-se de que, em um determinado momento do passeio na favela, o guia disse a todo mundo para parar de tirar fotos. Um jovem se aproximou do grupo, sorrindo e segurando uma arma engatilhada. Bhasin disse que ela não se sentiu exatamente ameaçada, "apenas muito alerta em relação ao ambiente em volta, e consciente do fato de que eu estava no território desse rapaz."
Ainda assim, diz ela, a experiência, que incluiu a visita a algumas galerias que mostravam o trabalho de artistas locais, foi positiva. "Honestamente, posso dizer que foi uma experiência transformadora", disse Bhasin. Apesar de compreender as críticas, ela defende: "Isso tem muito a ver com quem você é e porque está fazendo o passeio".Chuck Geyer, de Reston, Virgínia, chegou a Mumbai para fazer um passeio armado com lenços sanitários e com a expectativa de ver a miséria humana encarnada. Mas saiu com uma idéia diferente. Em vez de ser abordado por mendigos, Geyer acabou ganhando presentes: frutas e tintura para passar nas mãos e no rosto, uma vez que os moradores celebravam o festival hindu de Holi. "Fiquei chocado com a amistosidade e graciosidade dessas pessoas", diz Geyer. Os defensores do turismo nas favelas dizem que esse é o ponto: mudar a reputação das favelas, um turista por vez. Os organizadores dos passeios dizem que oferecem empregos para os guias locais e uma chance de vender souvenires. Way prometeu investir 80% de seu lucro na favela de Dharavi.
O problema, entretanto, é que a empresa de Way ainda precisa receber algum lucro com os passeios, pelos quais ele cobra 300 rúpias (cerca de US$ 7,50). Depois de ser atacado pela imprensa indiana ("uma crítica justa", admite Way), ele abriu um centro comunitário na favela com seu próprio dinheiro. O centro oferece aulas de inglês, e o próprio Way coordena um clube de xadrez. Muitos das agências que fazem passeios nas favelas no Brasil também investem parte de seus lucros nas comunidades. Fantozzi contribui com uma escola e uma creche. Mas o turismo de favela não se restringe a caridade, dizem seus defensores, ele também alimenta um espírito empreendedor. "No início, os turistas eram cercados por mendigos, mas agora não mais", diz Kevin Outterson, um professor de leis de Boston que já fez vários passeios nas favelas. Fantozzi explicou aos moradores, diz Outterson, "que você não vai conseguir nada do meu grupo mendigando, mas se você produzir algo, eles comprarão."
Mesmo os críticos do turismo em favelas admitem que ele permite que alguns dólares circulem nas comunidades, mas dizem que isso não é um substituto para programas de desenvolvimento.
O professor Fennell, de Ontário, imagina se o retorno relativamente insignificante do turismo pode fazer alguma diferença. "Se você está tão preocupado em ajudar essas pessoas, então assine um cheque", diz.
*Eric Weiner é autor do livro "A Geografia da Felicidade: Um rabugento em busca dos lugares mais alegres do mundo"
Tradução: Eloise De Vylder
[The New York Times, 09/03/2008]
O trabalho de Michael Cronin como funcionário de admissão de alunos na universidade faz com que ele tenha de viajar duas ou três vezes por ano à Índia. Ele já havia visitado os pontos turísticos mais comuns - templos, monumentos, mercados - quando um dia cruzou com um panfleto que divulgava "turismo na favela".
"Aquilo ressoou em mim imediatamente", diz Cronin, que estava hospedado no elegante Taj Hotel em Bombaim, onde, conforme ele próprio notou, uma garrafa de champanhe custa o equivalente a dois anos de salário de muitos indianos. "Mas eu não sabia o que esperar".
Pouco tempo depois, Cronin, 41, já estava desviando de esgotos a céu aberto e se agachando para evitar fios elétricos expostos enquanto passeava pela favela de Dharavi, onde vive mais de um milhão de pessoas. Ele participou de um jogo de críquete e visitou a pequena indústria local, com fábricas de bordado e curtume, que silenciosamente prospera na favela. "Nada é considerado lixo aqui", diz. "Tudo é reutilizado".
Cronin levou um susto quando um homem, "com certeza bêbado", roubou algum dinheiro de seu bolso, mas o passeio de duas horas e meia mudou sua imagem da Índia. "Todo mundo na favela quer trabalhar, e todos querem melhorar a si mesmos", disse.
O turismo em favelas, ou "pobrismo", como é chamado por alguns, está em alta. Das favelas do Rio de Janeiro às "townships" de Johannesburgo, passando pelos lixões do México, os turistas estão trocando, pelo menos por algum tempo, as praias e museus pelas populosas, sujas - e, sob vários aspectos, surpreendentes - favelas. Quando o britânico Chris Way fundou a Reality Tours and Travel em Mumbai há dois anos, mal conseguia reunir clientes para fazer um passeio por dia. Hoje, ele coordena dois ou três passeios diários e recentemente expandiu seu negócio para a zona rural.
Turismo em favelas não é para qualquer um.
Os críticos dizem que observar os mais pobres entre os pobres não é turismo. É voyeurismo. Segundo eles, os passeios são uma exploração e não têm vez no itinerário dos viajantes mais éticos.
"Você gostaria que pessoas parassem em frente à porta da sua casa todos os dias, ou duas vezes por dia, tirassem fotos de você e fizessem comentários sobre o seu estilo de vida?", pergunta David Fennell, professor de turismo e meio ambiente na Universidade de Brock, em Ontário. O turismo em favela, diz ele, é apenas mais um nicho que o turismo encontrou para explorar. O objetivo real, ele acredita, é fazer com que os ocidentais do primeiro mundo se sintam melhor em relação à sua situação de vida. "Isso reforça, em minha mente, o quanto eu tenho sorte - ou o quanto eles não têm", diz.
Não é bem assim, dizem os defensores do turismo nas favelas. Ignorar a pobreza não vai fazer com que ela desapareça. "O turismo é uma das poucas maneiras pelas quais eu ou você seremos capazes de entender o que significa a pobreza", diz Harold Goodwin, diretor do Centro Internacional de Responsabilidade no Turismo em Leeds, na Inglaterra. "Simplesmente fechar os olhos e fingir que a pobreza não existe me parece negar nossa humanidade".
A questão mais importante, diz Goodwin e outros especialistas, não é se os passeios nas favelas deveriam existir, mas sim como eles devem ser conduzidos. Eles limitam as excursões a grupos pequenos, que interagem respeitosamente com os moradores? Ou fazem o passeio de ônibus, com os turistas tirando fotos pelas janelas como num safári?
Muitos organizadores de passeios são sensíveis às acusações de exploração. Alguns encorajam - e pelo menos um deles exige - que os participantes tenham um papel ativo em ajudar os moradores. Um grupo ligado à igreja em Mazatlan, no México, organiza passeios ao lixão local, onde as pessoas sobrevivem com o que encontram no meio do lixo, parte dele vindo de um resort de luxo nas proximidades. O grupo não cobra nada, mas pede aos participantes que ajudem a fazer sanduíches ou a encher garrafas com água filtrada. Os passeios se mostraram tão populares que, durante a alta temporada, o grupo tem de recusar participantes. "Vemos nosso trabalho como uma ponte para conectar os turistas ao mundo real", diz Fred Collom, o pastor que coordena os passeios. Segundo consta, o turismo nas favelas começou no Brasil há 16 anos, quando um jovem chamado Marcelo Armstrong levou alguns turistas para a Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro. Sua empresa, Favela Tour, cresceu e deu origem a uma meia dúzia de imitadores. Hoje, em qualquer dia no Rio, dezenas de turistas sobem em minivans e motos e se aventuram por lugares em que mesmo a polícia brasileira não tem coragem de pisar. Os organizadores insistem que os passeios são seguros, apesar de sempre checarem as condições de segurança. Luiz Fantozzi, que fundou a empresa carioca Be a Local Tours, diz que pelo menos uma vez por ano ele chega a cancelar um passeio por questões de segurança.
Os passeios podem ser seguros, mas também são tensos. Rajika Bhasin, uma advogada de Nova York, lembra-se de que, em um determinado momento do passeio na favela, o guia disse a todo mundo para parar de tirar fotos. Um jovem se aproximou do grupo, sorrindo e segurando uma arma engatilhada. Bhasin disse que ela não se sentiu exatamente ameaçada, "apenas muito alerta em relação ao ambiente em volta, e consciente do fato de que eu estava no território desse rapaz."
Ainda assim, diz ela, a experiência, que incluiu a visita a algumas galerias que mostravam o trabalho de artistas locais, foi positiva. "Honestamente, posso dizer que foi uma experiência transformadora", disse Bhasin. Apesar de compreender as críticas, ela defende: "Isso tem muito a ver com quem você é e porque está fazendo o passeio".Chuck Geyer, de Reston, Virgínia, chegou a Mumbai para fazer um passeio armado com lenços sanitários e com a expectativa de ver a miséria humana encarnada. Mas saiu com uma idéia diferente. Em vez de ser abordado por mendigos, Geyer acabou ganhando presentes: frutas e tintura para passar nas mãos e no rosto, uma vez que os moradores celebravam o festival hindu de Holi. "Fiquei chocado com a amistosidade e graciosidade dessas pessoas", diz Geyer. Os defensores do turismo nas favelas dizem que esse é o ponto: mudar a reputação das favelas, um turista por vez. Os organizadores dos passeios dizem que oferecem empregos para os guias locais e uma chance de vender souvenires. Way prometeu investir 80% de seu lucro na favela de Dharavi.
O problema, entretanto, é que a empresa de Way ainda precisa receber algum lucro com os passeios, pelos quais ele cobra 300 rúpias (cerca de US$ 7,50). Depois de ser atacado pela imprensa indiana ("uma crítica justa", admite Way), ele abriu um centro comunitário na favela com seu próprio dinheiro. O centro oferece aulas de inglês, e o próprio Way coordena um clube de xadrez. Muitos das agências que fazem passeios nas favelas no Brasil também investem parte de seus lucros nas comunidades. Fantozzi contribui com uma escola e uma creche. Mas o turismo de favela não se restringe a caridade, dizem seus defensores, ele também alimenta um espírito empreendedor. "No início, os turistas eram cercados por mendigos, mas agora não mais", diz Kevin Outterson, um professor de leis de Boston que já fez vários passeios nas favelas. Fantozzi explicou aos moradores, diz Outterson, "que você não vai conseguir nada do meu grupo mendigando, mas se você produzir algo, eles comprarão."
Mesmo os críticos do turismo em favelas admitem que ele permite que alguns dólares circulem nas comunidades, mas dizem que isso não é um substituto para programas de desenvolvimento.
O professor Fennell, de Ontário, imagina se o retorno relativamente insignificante do turismo pode fazer alguma diferença. "Se você está tão preocupado em ajudar essas pessoas, então assine um cheque", diz.
*Eric Weiner é autor do livro "A Geografia da Felicidade: Um rabugento em busca dos lugares mais alegres do mundo"
Tradução: Eloise De Vylder
[The New York Times, 09/03/2008]
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