Suborno, tráfico de influência e manipulação de informações tornaram a United Fruit decisiva para a política da América Central até os anos 1960, defende Peter Chapman
PETER CHAPMAN
No início da manhã de 3 de fevereiro de 1975, um homem se atirou pela janela de seu escritório, 44 andares acima da Park Avenue, em Nova York. Ele usou sua pasta para quebrar a janela e depois a atirou antes de saltar, espalhando papéis por vários quarteirões.
O vidro caiu sobre o tráfego na hora do rush, mas surpreendentemente ninguém ficou ferido. O corpo pousou longe da via, perto de uma agência do correio.
Os funcionários ajudaram o pessoal da emergência a limpar a bagunça para que os negócios do dia pudessem prosseguir.
Um policial que esteve no local falou sobre o egoísmo dos "saltadores", que não pensam nas pessoas "lá embaixo". Aquele saltador foi rapidamente identificado como Eli Black, executivo-chefe da United Fruit Company, que fez enormes lucros com bananas desde o final do século 19.
A United Fruit dominou os negócios e a política na América Central. Foi a primeira corporação moderna realmente multinacional, disseminando o espírito do capitalismo liberal.
Mas, além de colher as frutas da região, a empresa exerceu uma influência formidável sobre os pequenos países, que eram muitas vezes governados por ditaduras corruptas.
A United Fruit deu ao mundo não apenas bananas, mas também "repúblicas de bananas".
Suborno
Soube-se que Black, um pai de família dedicado, havia subornado o presidente de Honduras, Oswaldo Lopez Arellano, com US$ 1,25 milhão [R$ 2,49 milhões] para animá-lo a derrubar um cartel das bananas que se opunha à United Fruit.
A notícia estava prestes a sair na imprensa americana. As plantações da United Fruit na América Central também enfrentavam prejuízos com furacões e uma nova doença. Diante da desgraça e do fracasso, Black tirou a própria vida. Sua morte foi chocante, sobretudo porque ele tinha a reputação de ser um homem de moral elevada.
Wall Street ficou escandalizada, as ações da companhia despencaram e foram confiscados seus livros contábeis para evitar "novas violações da lei".
Depois a empresa desapareceu da vista do público e parece ter sido apagada da mente coletiva.
A United Fruit não existe mais, mas seu legado para os negócios mundiais persiste.
Suas atividades em Cuba, onde ela era considerada um símbolo do imperialismo americano, foram importantes para a ascensão de Fidel Castro e a revolução cubana no final dos anos 1950.
Sua participação na invasão da Baía dos Porcos, em 1961, numa tentativa inútil de derrubar Castro, levou à crise dos mísseis cubanos.
Enquanto o mundo se encontrava à beira do holocausto nuclear, poucos poderiam imaginar que ele tivesse algo a ver com bananas.
A United Fruit teve início na década de 1870, quando Minor Cooper Keith, um jovem e rico nova-iorquino, decidiu cultivar bananas como negócio secundário junto de uma ferrovia que estava construindo na Costa Rica.
Os dois empreendimentos progrediram, e em 1890 ele estava casado com a filha de um ex-presidente do país e possuía vastas plantações de bananas em terras doadas pelo Estado.
As bananas eram enviadas a Nova Orleans e Boston, onde a demanda logo superou a oferta.
Keith associou-se a Andrew Preston, um importador de Boston, e em 1899 eles fundaram a United Fruit. As bananas vendiam bem por causa de seu charme tropical: eram exóticas, um luxo que só os ricos podiam se permitir.
Mas o rápido crescimento da produção da United Fruit fez os preços caírem. A companhia criou um mercado de massa nas cidades industriais do nordeste e centro-oeste dos EUA.
A banana burguesa tornou-se definitivamente proletária.
Na década de 1920, o império da United Fruit havia-se espalhado por toda a América Central, incluindo Jamaica, Cuba e República Dominicana.
Na América do Sul a empresa possuía pedaços da Colômbia e do Equador. Ela veio a dominar os mercados da banana na Europa e nos EUA, com a ajuda de sua "grande frota branca" de cem navios refrigerados, a maior marinha privada do mundo.
A "Big Mike"
Existem mais de 300 variedades de banana, mas a United Fruit só cultivava uma: a Gros Michel, ou "Big Mike".
Essa variedade agradava à maioria dos paladares; não era grande nem pequena demais, amarela ou doce demais -era até um pouco insossa. Ela foi a precursora dos produtos transnacionais que temos hoje.
No lugar de Big Mike leia-se Big Mac.
Mas a produção em massa cobrou seu preço. Em 1903, a doença atingiu as plantações da United Fruit no Panamá. Uma série de patógenos atacou intensamente as plantações e descobriu-se que a banana tinha uma fragilidade genética.
Suas sementes não são bem dotadas para a reprodução, então os plantadores tiravam mudas de uma planta para criar outra.
A banana é um clone, com cada geração menos resistente que a anterior. (Em 2003, a "New Scientist" relatou que a banana estava morrendo e poderia ter apenas uma década de vida. Cientistas de engenharia genética foram chamados para salvá-la, até agora sem sucesso.)
Embora a banana estivesse doente, a United Fruit a comercializava como um produto exemplar da boa saúde. As doenças da banana não afetam os seres humanos, e dizia-se que a fruta curava muitos problemas: obesidade, pressão sanguínea, prisão de ventre e até depressão.
Em 1929, a United Fruit criou seu próprio "departamento educacional", que fornecia às escolas americanas kits de aprendizado enaltecendo os benefícios da banana e as boas obras da empresa.
Enquanto isso, o departamento de "economia doméstica" da United Fruit inundava as donas-de-casa com receitas de banana.
Uma das campanhas publicitárias de maior sucesso da empresa começou em 1944, para a reforçar o perfil da fruta após sua escassez na Segunda Guerra.
Ela apresentava a Señorita Chiquita Banana, uma banana de desenho animado que cantava e dançava em exuberante estilo latino. A Señorita Chiquita se parecia muito com Carmen Miranda, a "Brazilian bombshell" que, com seu chapéu "tutti-frutti", encantava Hollywood na época.
As vendas logo recuperaram os níveis de antes da guerra.
Nos anos 1960, a banana se tornara um acompanhamento inseparável do cereal matinal para a maioria das crianças americanas. E hoje, em países como os EUA e Reino Unido, ela superou a maçã como fruta mais popular.
No Reino Unido os números indicam que mais de 95% das famílias compram bananas semanalmente, e gasta-se mais dinheiro com elas do que com qualquer outro artigo de supermercado, fora petróleo e bilhetes de loteria.
Ao longo dos anos, a United Fruit lutou firmemente por menos impostos e regulamentação branda.
No início do século 20, leis antitruste incômodas foram aprovadas nos EUA para combater comportamentos empresariais como fixação de preços e outras práticas monopolistas.
Os impostos sobre as grandes corporações foram elevados para financiar benefícios assistenciais nos EUA e nos Estados de Bem-Estar Social europeus.
Mas, com seu centro de operações distante dos legisladores de Washington, a United Fruit basicamente escapou de tudo isso.
Empresa impiedosa
A empresa também adquiriu a reputação de ser impiedosa quando contrariada e agiu para remover governos que não acatavam seus desejos.
A United Fruit havia mostrado primeiramente sua natureza violenta na invasão de Honduras, em 1911, planejada por Sam Zemurray, o "Homem Banana", um sócio da United Fruit que mais tarde dirigiria a companhia.
Os esforços de Zemurray e da United Fruit para iniciar a produção em Honduras tinham sido bloqueados pelo governo local, temeroso do poder que ela poderia exercer.
A United Fruit não foi dissuadida com facilidade. Zemurray financiou uma invasão, liderada por sujeitos empreendedores como o "General" (auto-nomeado) Lee Christmas e o solucionador de problemas independente Guy Molony, o "Metralhadora".
Graças à United Fruit, muitos outros exercícios de "mudança de regime" foram efetuados em nome da banana.
Em 1941, a empresa contratou um novo consultor, Edward Bernays, um sobrinho de Sigmund Freud que havia adaptado as primeiras disciplinas da psicanálise ao mundo do mercado.
Bernays é conhecido como o "pai das relações-públicas", autor do livro seminal "Propaganda" (1928), em que afirma que a "minoria inteligente" da sociedade tem o dever de manipular a "mente grupal" que não pensa.
Sempre, para Bernays, em prol da liberdade e da democracia.
A United Fruit estava preocupada com sua imagem. Na América Central, era conhecida como "el pulpo" (o polvo) -com tentáculos por toda parte.
Nos EUA, os territórios da United Fruit eram considerados problemáticos e proibidos.
Sob a orientação de Bernays, a empresa começou a gerar um fluxo constante de informação para a mídia a respeito de seu trabalho, rebatizando a região de "América do Meio".
Terror comunista
Em 1954, Bernays exerceu seus poderes de manipulação para se livrar do governo da Guatemala. Eleito democraticamente, ele desapropriara grandes áreas de terras improdutivas da United Fruit para dá-las a agricultores.
A reação de Bernays foi chamar jornalistas simpáticos às opiniões da companhia. Foram enviados em missões de "levantamento de fatos" na América Central, sobretudo na Guatemala, onde seguiram falsas histórias sobre tiros e bombas.
Em suas reportagens, a Guatemala tornou-se um lugar dominado pelo "terror comunista".
A empresa também procurou amigos em altas posições, tanto nos corredores do poder como nos escritórios onde se tomavam as grandes decisões.
Durante a crise da Guatemala, John Foster Dulles, um dos estadistas mais estimados do mundo, era secretário de Estado. Seu irmão, Allen Dulles, era o chefe da CIA [agência de inteligência americana]. Ambos foram assessores jurídicos da United Fruit. Juntos, orquestraram o golpe que derrubou o governo guatemalteco em 1954.
Apesar de sua triste reputação, a United Fruit costumava fazer gestos filantrópicos. O infeliz Eli Black ajudou a cunhar a expressão "responsabilidade social corporativa", quando, referindo-se à ajuda enviada às vítimas do terremoto de 1972 na Nicarágua, descreveu as ações da companhia como "nossa responsabilidade social".
E, nos anos 1930, Sam Zemurray doou parte de sua fortuna para uma clínica infantil em Nova Orleans. Mais tarde ele deu US$ 1 milhão [R$ 1,99 milhão] para a Universidade Tulane, na mesma cidade, para financiar pesquisas sobre a "América do Meio"; ele também financiou uma cadeira de professor em Harvard apenas para mulheres.
A filantropia, porém, não impediu os abusos da United Fruit, e nos anos 1950 o governo americano decidiu que era necessário agir. As atividades da companhia tinham gerado um tal sentimento antiamericano na América Latina que revolucionários de esquerda como Fidel Castro e Che Guevara prosperaram.
E, assim, Washington começou a tirar parte das terras da United Fruit.
Ironicamente, Castro se beneficiou da presença da United Fruit em Cuba. Seu pai, um plantador de cana-de-açúcar, arrendava terra da companhia e ganhou dinheiro bastante para dar uma boa educação a seus filhos.
Guevara tinha lutado contra a United Fruit e a CIA durante o golpe na Guatemala; a partir daí ele afirmou que a América Latina não tinha alternativa senão a "luta armada".
Em 1959, Castro e Guevara tomaram o poder em Cuba e expulsaram o regime de Fulgencio Batista, apoiado pelos EUA.
Como um ditador agonizante, a United Fruit reagiu -e quase levou o mundo consigo. Em 1961, emprestou parte de sua "grande frota branca" para a CIA e os exilados cubanos nos EUA que planejavam derrubar Castro.
Quando a invasão da Baía dos Porcos falhou, Castro, temendo outro ataque, trouxe armamentos da União Soviética, provocando a crise dos mísseis de 1962.
A United Fruit continuou batalhando na década de 1960, com seu produto cada vez mais afetado por doenças. A Big Mike minguou, morreu e deu lugar à banana de sobremesa que a maior parte do mundo desenvolvido come atualmente, a Cavendish.
Black assumiu a empresa em 1970, imaginando que poderia resgatar o colosso que havia sido.
O início dessa década, porém, foi um período terrível para a imagem das corporações multinacionais.
Principalmente as companhias de petróleo, que fizeram enormes lucros com a crise depois da guerra de 1973 no Oriente Médio, causando a ruína inflacionária de países ricos e pobres igualmente.
Estorvo
A United Fruit tornou-se um estorvo. Estava frágil, e, quando seu valor acionário despencou, os contabilistas entraram em cena -o que pareceu uma seleção natural.
Depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, em um espírito renovado de globalização, as principais companhias bananeiras do mundo empunharam a bandeira do livre mercado antes carregada pela United Fruit.
Mas Chiquita, Del Monte, Dole (EUA) e Noboa (Equador) não tinham nada parecido com a força individual da United Fruit, embora ainda fossem uma presença formidável. Juntas, eram chamadas de "Wild Bunch", a "Penca Selvagem".
Nos anos 1990, os EUA levaram seu caso à Organização Mundial do Comércio, o novo tribunal superior da globalização.
As empresas alegavam que os países da Europa Ocidental protegiam injustamente os produtores das chamadas bananas "fairtrade" [comércio justo] nas antigas colônias européias, por meio de um complexo sistema de cotas e licenças.
A Penca Selvagem caracterizou isso como um colonialismo repaginado e assistencialismo estatal fora de moda e, em seu lugar, promoveu suas próprias bananas "free trade" [comércio livre].
No novo milênio, depois do que havia se transformado numa guerra comercial generalizada, os europeus recuaram e aceitaram fazer concessões. Mas o fizeram com certo rancor, protestando que Washington havia mais uma vez aceitado a manipulação de interesses limitados.
Alguns falaram num retorno das "forças antigas e obscuras". Pensavam na United Fruit.
Quanto à banana, as doenças que afetam as variedades atuais podem torná-las incapazes de sobreviver em sua forma de produção em massa.
Talvez as bananas devam ser cultivadas em mais variedades e em áreas menores. Mais de um século após a United Fruit transformar a banana em alimento para as massas, talvez ela volte a ser artigo de luxo.
PETER CHAPMAN é autor de "Jungle Capitalists - A Story of Globalisation, Greed and Revolution (ed. Canongate). Este texto foi publicado no "Financial Times". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
[Folha de São Paulo, 20/05/2007]
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