Richard Lapper, em Caracas
Enquanto a voz da cantora argentina Mercedes Sosa flutua em seu pequeno estúdio, Fernando Salas prepara-se para encerrar seu turno diário na Rádio Horizonte FM.
Salas, um ex-inspetor de obras, é um dos três apresentadores da estação, que oferece uma mistura de programas de entrevistas e música de esquerda, com artistas semelhantes a Sosa, para os poucos milhares de moradores de Santa Juana, uma área pobre da cidade venezuelana de Merida.
A estação é uma das cerca de 200 emissoras comunitárias que receberam licenças do governo do presidente Hugo Chávez, na linha de seu objetivo de "democratizar" a mídia de massa e estabelecer o que um ex-ministro chamou recentemente de "hegemonia do Estado na comunicação e na informação".
Essa política enfrentará seu teste mais duro neste fim de semana, quando o governo efetivar seu plano de terminar a concessão de televisão de 20 anos da Radio Caracas Televisión (RCTV), o canal privado mais antigo e mais popular do país.
As reportagens marcadamente partidárias da estação, como as de outras mídias de direita, contribuíram para a polarização política da Venezuela, e Chávez várias vezes alegou que ela apoiou o golpe que levou à sua breve saída do cargo, cinco anos atrás. No fim do ano passado Chávez anunciou que a licença da TV, que expira amanhã à noite, não seria renovada.
A abordagem dura do governo provoca aplausos em Santa Juana, segundo Salas. "Nós discutimos a questão em um de nossos fóruns noturnos e a maioria dos nossos ouvintes concorda que ela não deve continuar no ar por causa do que aconteceu", disse ele.
A política gera mais polêmica em outras partes do país. As novelas da Rádio Caracas como "The Ex" e "My Cousin Ciela" são populares, atraindo regularmente mais de 50% dos espectadores venezuelanos.
Duas pesquisas de opinião mostraram que mais de 70% dos venezuelanos, incluindo muitos seguidores de Chávez, se opõem à decisão de não renovar a licença. Arturo Sarmiento, um empresário de Caracas que dirige a Telecaribe, uma estação de televisão regional independente e apóia a política do governo, admite que a medida terá "um enorme custo político".
Um canal de serviço público, a Televisora Venezolana Social (TVes), deverá substituir a RCTV. Mas poderá ter dificuldades, em parte por razões técnicas. Inicialmente, pelo menos, ela só vai transmitir em duas cidades venezuelanas, porque as autoridades não estão assumindo os 53 transmissores operados pela RCTV.
Em outros lugares do mundo, com poucas exceções, as estações públicas não conquistaram reputação pela programação popular. Lil Rodríguez, a nova presidente do canal, não gerou otimismo quando anunciou na semana passada que "não desejamos fazer a Teves muito aborrecida".
A Teves pretende desenvolver sua própria novela baseada nas vidas de Simón Bolívar, o herói nacional do país, e Manuela Sáenz, uma de suas amantes, mas até que ela fique pronta os espectadores terão de se contentar com uma série de programas de culinária, viagens, música e documentários, assim como um programa de opinião.
Há preocupações mais sérias de que a decisão sobre a RCTV possa desencorajar o jornalismo independente. Sarmiento e outros seguidores de Chávez insistem que o governo não pretende impor a censura e dizem que a RCTV terá liberdade para transmitir seus programas via cabo.
No entanto, a Venezuela foi criticada por diversas organizações internacionais de direitos humanos. A Human Rights Watch, baseada nos EUA, afirmou na semana passada que a não-renovação da licença da RCTV é "um grave revés para a liberdade de expressão".
Os críticos apontam uma série de leis como as que tornam ofensa criminal o "desrespeito" pelas instituições e autoridades do governo, que já encorajaram um certo nível de autocensura na mídia. Por exemplo, os canais de televisão que antes eram hostis tiraram do ar seus programas de opinião.
Nada disso importa muito em Santa Juana, onde Salas se prepara para três noites consecutivas de discussões sobre os prós e os contras de entrar para o Partido Socialista Unido da Venezuela, a nova organização política que está sendo promovida por Chávez. "Os microfones estão sempre abertos para qualquer um falar, mas poucas pessoas tendem a discordar das mudanças que estamos vivendo", diz.
Financial Times, 26/05/ 2005. Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Enquanto a voz da cantora argentina Mercedes Sosa flutua em seu pequeno estúdio, Fernando Salas prepara-se para encerrar seu turno diário na Rádio Horizonte FM.
Salas, um ex-inspetor de obras, é um dos três apresentadores da estação, que oferece uma mistura de programas de entrevistas e música de esquerda, com artistas semelhantes a Sosa, para os poucos milhares de moradores de Santa Juana, uma área pobre da cidade venezuelana de Merida.
A estação é uma das cerca de 200 emissoras comunitárias que receberam licenças do governo do presidente Hugo Chávez, na linha de seu objetivo de "democratizar" a mídia de massa e estabelecer o que um ex-ministro chamou recentemente de "hegemonia do Estado na comunicação e na informação".
Essa política enfrentará seu teste mais duro neste fim de semana, quando o governo efetivar seu plano de terminar a concessão de televisão de 20 anos da Radio Caracas Televisión (RCTV), o canal privado mais antigo e mais popular do país.
As reportagens marcadamente partidárias da estação, como as de outras mídias de direita, contribuíram para a polarização política da Venezuela, e Chávez várias vezes alegou que ela apoiou o golpe que levou à sua breve saída do cargo, cinco anos atrás. No fim do ano passado Chávez anunciou que a licença da TV, que expira amanhã à noite, não seria renovada.
A abordagem dura do governo provoca aplausos em Santa Juana, segundo Salas. "Nós discutimos a questão em um de nossos fóruns noturnos e a maioria dos nossos ouvintes concorda que ela não deve continuar no ar por causa do que aconteceu", disse ele.
A política gera mais polêmica em outras partes do país. As novelas da Rádio Caracas como "The Ex" e "My Cousin Ciela" são populares, atraindo regularmente mais de 50% dos espectadores venezuelanos.
Duas pesquisas de opinião mostraram que mais de 70% dos venezuelanos, incluindo muitos seguidores de Chávez, se opõem à decisão de não renovar a licença. Arturo Sarmiento, um empresário de Caracas que dirige a Telecaribe, uma estação de televisão regional independente e apóia a política do governo, admite que a medida terá "um enorme custo político".
Um canal de serviço público, a Televisora Venezolana Social (TVes), deverá substituir a RCTV. Mas poderá ter dificuldades, em parte por razões técnicas. Inicialmente, pelo menos, ela só vai transmitir em duas cidades venezuelanas, porque as autoridades não estão assumindo os 53 transmissores operados pela RCTV.
Em outros lugares do mundo, com poucas exceções, as estações públicas não conquistaram reputação pela programação popular. Lil Rodríguez, a nova presidente do canal, não gerou otimismo quando anunciou na semana passada que "não desejamos fazer a Teves muito aborrecida".
A Teves pretende desenvolver sua própria novela baseada nas vidas de Simón Bolívar, o herói nacional do país, e Manuela Sáenz, uma de suas amantes, mas até que ela fique pronta os espectadores terão de se contentar com uma série de programas de culinária, viagens, música e documentários, assim como um programa de opinião.
Há preocupações mais sérias de que a decisão sobre a RCTV possa desencorajar o jornalismo independente. Sarmiento e outros seguidores de Chávez insistem que o governo não pretende impor a censura e dizem que a RCTV terá liberdade para transmitir seus programas via cabo.
No entanto, a Venezuela foi criticada por diversas organizações internacionais de direitos humanos. A Human Rights Watch, baseada nos EUA, afirmou na semana passada que a não-renovação da licença da RCTV é "um grave revés para a liberdade de expressão".
Os críticos apontam uma série de leis como as que tornam ofensa criminal o "desrespeito" pelas instituições e autoridades do governo, que já encorajaram um certo nível de autocensura na mídia. Por exemplo, os canais de televisão que antes eram hostis tiraram do ar seus programas de opinião.
Nada disso importa muito em Santa Juana, onde Salas se prepara para três noites consecutivas de discussões sobre os prós e os contras de entrar para o Partido Socialista Unido da Venezuela, a nova organização política que está sendo promovida por Chávez. "Os microfones estão sempre abertos para qualquer um falar, mas poucas pessoas tendem a discordar das mudanças que estamos vivendo", diz.
Financial Times, 26/05/ 2005. Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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