Entrevista com Gabriel Kolko, de Amsterdã, historiador militar e autor dos livros "The Age of War: The United States Confronts the World" (A era da guerra: os Estados Unidos confronta o mundo) e "The Anatomy of War" (A anatomia da guerra)
John Goetz
Spiegel - Sr. Kolko, os editoriais de jornais americanos como "Wall Street Journal", "Weekly Standard" e "National Review" estão promovendo uma ação militar contra o Irã. Como a liderança militar americana vê tal conflito?
Gabriel Kolko - Os militares americanos estão no limite de seus recursos. Eles estão perdendo as duas guerras, no Iraque e no Afeganistão. Tudo está sendo sacrificado por essas guerras: dinheiro, equipamentos na Ásia, força militar americana global, etc. Como podem travar outra? O Pentágono está com dinheiro curto para compras, e muitas pessoas na burocracia militar vivem para isso. A situação será muito pior no evento de uma guerra com o Irã.
Muitos militares americanos descobriram o dilema fundamental da guerramoderna: mais dinheiro e melhores armas não significam que você ganha. Os IEDs (Improvised Explosive Devices, algo como "artefato explosivo improvisado"), que custam tão pouco, estão derrotando um exército que gasta bilhões de dólares por mês. Os IEDs são tão adaptáveis que cada nova estratégia desenvolvida pelos EUA para combatê-los é respondida pelos insurgentes iraquianos. Os israelenses nunca foram capazes de conter os IEDs. Um relatório cita um engenheiro militar israelense que disse que a resposta israelense aos IEDs foi usar tratores blindados para destruir efetivamente os 45 cm superiores de pavimento e terra, onde os explosivos podem estar escondidos. Isso é fantástico, pois o custo de vencer significa destruir estradas, que formam a base de uma economia moderna.
Spiegel - As pessoas no Pentágono estão ficando nervosas com as vozes influentes da Casa Branca que continuam a pressionar pelo conflito com o Irã?
Kolko - Muitos militares americanos acham que Bush e Cheney estão fora de controle. Eles estão se rebelando contra Bush e Cheney. A repórter do "Washington Post" Dana Priest recentemente disse em uma entrevista que acreditava que os militares americanos se revoltariam e se recusariam a enviar missões aéreas contra o Irã se a Casa Branca emitisse tais ordens.
Diz-se que o comandante do Centcom, o marechal William Fallon, frustrou o desejo de Cheney de enviar um terceiro porta-aviões ao Golfo Pérsico. Segundo um jornal, ele "prometeu em uma conversa particular que não haveria guerra contra o Irã enquanto ele fosse comandante do Centcom" .
O general Bruce Wright, responsável pelas forças americanas no Japão, disse à Associated Press na semana passada que o Iraque tinha enfraquecido as forças americanas diante de qualquer conflito potencial com a China. Ele teria dito: "Estamos em dificuldades? Depende do cenário. Mas é preciso se preocupar com o número pequeno de nossas forças e a idade de nossas forças."
Spiegel - O senhor acha que o conflito com o Irã é provável?
Kolko - Todos os jornais econômicos significativos (Financial Times, Wall Street Journal etc.) reconhecem que as economias americana e européia estão em crise agora, e pode ser longa. O dólar está caindo; as nações do Golfo e outras podem abandoná-lo (como moeda de investimento). Uma guerra com o Irã produziria caos econômico, porque o petróleo seria escasso. Há nações que os EUA querem isolar, como Rússia e Venezuela, que podem desenvolver grande influência por sua habilidade de vender petróleo durante tal crise. O equilíbrio do poder econômico do mundo está envolvido, e isso é uma grande questão.
Spiegel - Mas as nações do golfo não estão interessadas em ver o Irã enfraquecido pelo conflito com os EUA?
Kolko - As nações do golfo não gostam do Irã xiita, mas elas exportam petróleo, que as tornam ricas. São dependentes da paz, não da guerra.
Spiegel - Como o Irã reagiria à provocação dos EUA, digamos, na fronteira? O exército iraniano poderia, de alguma forma, lutar contra os EUA?
Kolko - O Irã combateu o Iraque por cerca de uma década e perdeu centenas de milhares de homens. Talvez eles se entreguem, mas não é provável. Há uma série de pequenas ilhas no golfo que tiveram anos para serem fortificadas.
Seria possível derrubar 90% de suas armas? Mesmo que os EUA pudessem alcançar isso, o resto seria suficiente para afundar muitos navios e petroleiros. A quantidade de petróleo exportado pelo golfo portanto seria reduzida, talvez cessasse completamente. Isso somente fortaleceria os rivais americanos, como Rússia e Venezuela.
Spiegel - Mas e as bombas destruidoras de abrigos? Não seria uma tecnologia que o Irã não poderia superar?
Kolko - Destruidores de abrigos só conseguem derrubar alguns abrigos, mas não todos. Se as bombas destruidoras de abrigos forem nucleares, são muito úteis, mas também radioativas. Além de matar iranianos, podem matar também amigos e soldados americanos.
Spiegel - E o chamado plano Cheney, de deixar Israel atacar o Irã? Qual papel Israel teria em um conflito com o Irã? Israel também não está interessado em ver os EUA enfraquecendo sua maior ameaça na região?
Kolko - Israel pode ser um fator. Eles precisam cruzar o espaço aéreo sírio e jordaniano e os iranianos estarão preparados, se não forem derrubados na Síria. Suas contramedidas podem ser eficazes, mas talvez não... a guerra com o Irã levará a uma chuva de foguetes, e Israel seria deixado com uma incapacidade de lidar com as prioridades locais. O Irã provavelmente terá bombas nucleares, cedo ou tarde. Assim como outras nações. Israel já tem centenas. Estrategistas israelenses acreditam que haverá medidas de contenção nuclear. Por que arriscar a guerra?
Israel não gosta do Irã, nem da perspectiva de armas nucleares iranianas, mas acredita que pode lidar com ele em um relacionamento de contenção nuclear. Israel precisa de seu exército, que não é grande o suficiente para os potenciais problemas locais: os palestinos e os vizinhos árabes, temidos e odiados. Isso significa que Israel pode ser beligerante, mas não é capaz de fazer o papel dos EUA, exceto, é claro, com armas nucleares.
Então eu vejo os israelenses como opositores de uma guerra contra o Irã que os envolvesse. Eles certamente observaram como durante a guerra com o Líbano os palestinos em Gaza usaram a oportunidade para aumentar a pressão sobre Israel do sul. Os israelenses se opuseram à guerra no Iraque porque levaria ao domínio iraniano da região, o que aconteceu.
Então, se for verdadeiro que Cheney está tentando usar Israel, isso mostra que ele está confuso e bastante louco -mas também extraordinariamente isolado.
Spiegel - Mas e o Partido Democrata? Não é do interesse do Partido Democrata fazer tudo que pode para pôr fim à guerra?
Kolko - Todos os três principais candidatos democratas -Clinton, Obama e Edwards- recusaram-se, em um debate recente em New Hampshire, a prometer a retirada dos militares americanos do Iraque até o início de 2013. O público americano é um fator pequeno, como as eleições demonstraram repetidamente, mas também pode ter algum papel. Como provou a última eleição, qualquer um que pensa que os democratas vão parar as guerras está se enganando. A guerra contra o Irã, entretanto, requereria novas autorizações. Então, o Congresso poderia ser muito importante.
Tradução: Deborah Weinberg
[Der Spiegel, 16/10/2007]
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