Documentos a que o ‘Estado’ teve acesso detalham planos dos EUA e do Brasil para risco de ataque comunista
Marcelo de Moraes
Durante o período da Guerra Fria, o Brasil assinou vários acordos secretos com os Estados Unidos para que os dois países agissem em conjunto contra um eventual ataque dos países comunistas, liderados pela antiga União Soviética. Documentos inéditos e secretos do Conselho de Segurança Nacional, guardados na sede do Arquivo Nacional, em Brasília, mostram que no período entre 1953 e 1962 os governos brasileiro e americano e seus respectivos comandos militares acertaram estratégias de operações comuns para proteger seus territórios no caso de uma guerra.
Os documentos, aos quais o Estado teve acesso, não citam, mas fica subentendido que outros países das Américas também participavam dessa ampla cooperação continental contra o comunismo - que, obviamente, excluía Cuba, já alinhada com os soviéticos.
Depois de entrar na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Estados Unidos, como parte das tropas aliadas, o governo decidiu manter e ampliar o acordo de cooperação militar. Os tratados diplomáticos formais de cooperação e ajuda mútua começaram a se tornar mais detalhados e sigilosos a partir da metade dos anos 50, justamente quando a Guerra Fria entre americanos e soviéticos se acirrou.
Nesse período, militares brasileiros e americanos aprovaram o “Plano Militar Geral para a defesa do continente americano contra agressão do Bloco Comunista Soviético Comunista”. O documento, catalogado pelo Conselho de Segurança Nacional como C-0143 JID-1957, foi feito em 1957 e estabelece as ações que os países deveriam adotar em caso de conflito.
O documento lista como “áreas de importância estratégica do continente americano”, entre outras, as regiões do Estuário do Amazonas, Saliente Nordeste do Brasil - a parte mais ao leste da região - e o eixo Rio de Janeiro-São Paulo-Belo Horizonte. Na estratégia de defesa estabelecida com os EUA, essas áreas deveriam receber proteção especial por serem consideradas de vital importância em um cenário de guerra.
As duas primeiras áreas eram consideradas pontos que poderiam garantir hegemonia tática territorial e marítima contra os adversários, se mantidas sob controle. Já as cidades do Rio, de São Paulo e Belo Horizonte foram apontadas como importantes por conta de sua produção industrial, necessária para garantir a infra-estrutura essencial.
COMUNICAÇÃO
Outra preocupação estabelecida no acordo de 1957 foi definir as linhas de comunicação marítimas que deveriam ser protegidas. Quatro áreas dizem respeito diretamente ao Brasil. 1) Leste dos Estados Unidos-Saliente Nordeste do Brasil; 2) Trinidad Tobago-Saliente Nordeste do Brasil; 3) Saliente Nordeste do Brasil-Rio da Prata; 4) Rio de Janeiro-Rio da Prata.
Foram também considerados locais estratégicos que o Brasil deveria defender três áreas focais marítimas: 1) Área do Saliente Nordeste do Brasil; 2) Área Rio de Janeiro-Santos; 3) Área do Rio da Prata.
Cinco anos depois, o plano foi atualizado, como mostra o documento C-0266 ou C-0143/1 - JID 1962 do Conselho de Segurança Nacional, e ampliou a chamada área estratégica do Brasil, acrescentando Fernando de Noronha ao bloco do Saliente do Nordeste e incluindo Salvador, na costa leste, como novo ponto de interesse.
O texto, classificado como secreto pelo governo brasileiro, enumera as ações que deveriam ser adotadas antes mesmo da agressão por parte do bloco comunista. Um dos pontos sugere “estabelecer e desenvolver entre os Estados americanos, em acordo mútuo, procedimentos e técnicas para a luta contra a subversão e suas atividades afins, incluindo, particularmente, a luta contra a guerra de guerrilhas”.
Outro ponto é “entrar em acordo sobre o controle coordenado de fronteiras, portos e aeroportos e sobre a vigilância coordenada de litorais, quando assim considerarem convenientes os países interessados, para evitar o tráfego clandestino de agentes perturbadores e de materiais ilícitos”.
INFILTRAÇÃO
Os países também decidiram “repelir os efeitos da ação psicológica e impedir a infiltração de seus elementos, especialmente em posições de onde possam influir de maneira adversa sobre a solidariedade continental”.
Existia até a preocupação de se preparar contra eventuais ataques nucleares, um dos maiores temores da Guerra Fria. O documento ressalta que se deveria: “Planejar, organizar e instruir a defesa civil de cada Estado americano contra ataques com armas nucleares, convencionais, biológicas ou químicas, contemplando, quando assim se justifique, a cooperação entre os mesmos para o uso mútuo de seus sistemas de alarme, saneamento, transportes, comunicações e outros sistemas considerados úteis para esses fins.”
O acordo também dá o roteiro para as operações que devem ser feitas “no início e durante as hostilidades”. O documento diz que será indispensável a adoção da “defesa, por parte de cada Estado, do território nacional e das águas marítimas e espaço aéreo correspondentes, cujo controle seja essencial para a segurança individual de cada nação”.
Outra medida pretendida era a adoção de “ação individual ou coletiva - se assim se chegar a entrar em acordo - para impedir ao Bloco Comunista a utilização, desde o primeiro momento, de territórios dentro da Zona de Segurança dos quais possa apoiar ou realizar suas possibilidades depois da agressão”. Ficava acertada, ainda, a “proteção coletiva do tráfego marítimo interamericano” e a “proteção individual ou coletiva, segundo caiba, das áreas de importância estratégica”.
[O Estado de São Paulo, 19/08/2007]
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