Em 1977 a repressão, que se tornara mais aguda a partir de 1968, tinha abrandado um pouco, mas o país estava longe da normalidade: o Congresso foi fechado em abril, e ainda havia prisões (cineasta Renato Tapajós) e cassações (Marcos Tito e Alencar Furtado, deputados). Foi nesse cenário de incerteza política que Flavio Bierrenbach, José Carlos Dias e Almino Affonso convidaram Goffredo para ler um manifesto em defesa da democracia nos festejos pelos 150 anos da Faculdade de Direito da USP, já que a comemoração oficial ficara a cargo de Alfredo Buzaid, ministro da Justiça do governo Médici. Como explica Bierrenbach, hoje ministro do STM, "Goffredo nos parecia ser o nome ideal, como foi. Em primeiro lugar, pelo respeito que inspirava; em seguida, pela sua isenção, já que não se tratava de uma figura marcada de esquerda, mas sim de um democrata". Goffredo aceitou, apesar dos riscos: "Na época não pensei em medo... Eu tinha um dever a cumprir. Muitos professores tinham me pedido uma manifestação pela democracia. O pedido veio ao encontro de um ideal que tinha no coração há muito tempo". Segundo o ex-ministro da Justiça José Gregori, um dos organizadores da manifestação, a Carta traçou um programa mínimo que unificou as oposições: "Ela estabeleceu um mínimo múltiplo comum, pois todo mundo fechava em relação ao Estado de Direito Democrático. Na campanha das Diretas-Já houve a decodificação desse Estado de Direito numa coisa prática. O Estado Democrático de Direito era uma coisa mais complexa, abrangente; Diretas-Já era uma palavra de ordem mais singela, mais fácil de ser entendida, mas já fazia parte do genoma da Carta". Bierrenbach tem essa mesma certeza: "Não há dúvida que a campanha pelas eleições diretas e a divisa por ela adotada foram inspiradas pela Carta". O documento sustentava que um regime baseado na força não era legítimo e concluía exigindo a reconstitucionalização do país: "Estado de Direito, já". A organização do ato, realizado em 8 de agosto de 1977, foi cercada de precauções: Almino Affonso e Plínio de Arruda Sampaio, ambos cassados, não subscreveram o documento para não fornecer pretextos à repressão: temia-se que a polícia invadisse a faculdade, tal como havia feito em 15 de junho. Dois espiões infiltrados pelo Dops acompanharam a manifestação e anotaram o nome de alguns dos 2.500 presentes. Depois da Carta, a repressão não cedeu de imediato (a PUC-SP foi invadida um mês depois), mas as manifestações contra a ditadura tornaram-se mais freqüentes. Como escreve José Carlos Dias no livro, a Carta foi um teste de coragem: "Muitas decepções tivemos nós com desculpas para recusas". Gregori observa que, "com a Carta aos Brasileiros, a classe média se dividiu. Uma parte achou que tinha de retirar qualquer tipo de apoio ao regime".
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